OMS: cepa Ômicron mostra urgência do fim da desigualdade na vacinação
O surgimento da variante Ômicron do coronavírus “prova que temos que acelerar a igualdade da distribuição de vacinas o mais rápido possível e proteger os mais vulneráveis em todos os países”, afirmou o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus.
A variante Ômicron “nos lembra de que quanto maior a desigualdade na distribuição das vacinas maior a oportunidade de o vírus ser transmitido, e com isso mudar a sua estrutura”, salientou, pelo Twitter.
Anteriormente, o Dr. Tedros, que é etíope, denunciara que a África “foi abandonada pelo resto do mundo”. A OMS realiza esta semana uma Assembleia Mundial da Saúde extraordinária.
Na África do Sul, onde a nova variante foi detectada por cientistas pela primeira vez, e que, a propósito, não é o país mais subdesenvolvido do continente africano, a taxa de vacinação é de apenas 25%, segundo a OMS.
Quando se trata da África inteira, a situação é ainda mais tenebrosa, “com pouco mais de 7% da população vacinada”, de acordo com a diretora regional da OMS, a Dra. Matshidiso Moeti.
Como parte desse cenário desolador, apenas 1 em cada 4 profissionais da saúde está totalmente imunizado na África (comparado com 80% nos países ricos), disse a OMS. E em 16 países do continente, há menos de 1 profissional de saúde por 1.000 habitantes
A Dra. Moeti acrescentou que “apenas cinco países da África – menos de 10% dos 54 países do continente – atingirão a meta de 40% de sua população totalmente vacinada até o final do ano” – estabelecida na última Assembleia Mundial da Saúde -, “a menos que haja esforços para acelerar significativamente o ritmo”.
PELO MENOS, DOBRAR
“Para atingir essa meta, os países africanos precisam receber 30 milhões de doses por semana, o que é quase o dobro dos atuais 17 milhões que recebem de todas as fontes”, alertou.
Já ocorreram mais de 8,6 milhões de casos de COVID-19 e 221 mil vidas perdidas devido à pandemia na África.
Também Seth Berkley, diretor executivo da ‘GAVI Vaccine Alliance’, mecanismo estabelecido junto com a OMS para facilitar o fornecimento de vacinas, apontou que, apesar de ainda existir pouco conhecimento sobre a Ômicron, “o que sabemos é que, enquanto grandes partes da população mundial não forem vacinadas, as variantes continuarão a aparecer e a pandemia continuará”.
“Só impediremos o surgimento de novas variantes se formos capazes de proteger toda a população mundial, não apenas os países mais prósperos”, concluiu.
A oficialização da cepa Ômicron como “variável preocupante” foi feita na sexta-feira por reunião extraordinária da OMS. No instante dessa definição, estavam constatados menos de 100 casos, em dois países africanos, África do Sul e Botsuana. Ao qual rapidamente foram sendo anunciadas detecções em diferentes países, como Israel, Bélgica, Austrália, Hong Kong, Reino Unido, Itália, Dinamarca, Alemanha, República Checa, Holanda.
Ainda não se sabe se a variante Ômicron é mais transmissível ou mais letal, ou qual o efeito na eficácia das vacinas existentes, e vão ser necessárias algumas semanas para saber. Na África do Sul, onde as infecções estavam em declínio há dezoito semanas consecutivas, houve um súbito aumento de 48% em uma semana, levando os cientistas a investigarem e descobrirem a nova cepa do coronavírus.
Em função do grande número de mutações, inclusive 32 na proteína que o vírus usa para entrar nas células e que é o alvo da maioria das vacinas, é grande a apreensão com o surgimento da Ômicron.
Daí, a reiteração, pela OMS, da convocação à equidade na distribuição de vacinas. Ou, melhor dizendo, sem meias palavras, fim imediato do “apartheid das vacinas” em curso.
A urgência em apoiar a vacinação na África também foi enfatizada pelo virologista que fez o anúncio da nova cepa, o brasileiro Tulio de Oliveira, diretor do Centro para Resposta Epidêmica e Inovação na África do Sul, vinculado à Universidade de Kwazulu-Natal.
INADIÁVEL APOIAR A ÁFRICA
“A África do Sul e a África precisarão de apoio (financeiro, de saúde pública, científico) para controlá-la para que não se espalhe pelo mundo. Nossa população pobre e carente não pode ficar confinada sem apoio financeiro”, disse Oliveira, cuja equipe também foi responsável por identificar a variante Beta.
A variante Ômicron “nos surpreendeu, ela deu um grande salto na evolução [e traz] muitas mais mutações do que esperávamos” e a questão chave a ser respondida “é qual é exatamente o efeito sobre as vacinas”, acrescentou.
Ao apoiar o continente africano, destacou Oliveira, “estamos protegendo o planeta”. “Faço um apelo para bilionários e instituições financeiras. Temos sido muito transparentes com as informações científicas. Identificamos, tornamos os dados públicos e alertamos, pois as infecções estão aumentando. Fizemos isso para proteger nosso país e o mundo, apesar de sofrermos potencialmente uma discriminação massiva”.
QUEBRA DE PATENTES
Para os países africanos, é difícil adquirir as vacinas até quando têm dinheiro, como revelou o enviado especial da União Africana para a Covid-19, Strive Masiyiwa. Ele lembrou que a União Africana criou um Fundo africano para a aquisição de imunizantes (Avat), e que os fabricantes têm a “responsabilidade moral” de vender doses para os países da região. “Esses fabricantes sabem muito bem que nunca nos deram o acesso apropriado [às vacinas]”.
Ele reiterou o pedido à comunidade internacional para que as patentes dos imunizantes sejam quebradas, mas disse que o “mais urgente” é que os países suspendam as restrições às exportações de vacinas e de seus insumos. Estão faltando até seringas.
Com a Europa vivendo uma quarta onda – a dos não vacinados – e com a volta da emergência sanitária no Estado de Nova Iorque, caiu como um raio a notícia do surgimento da variante Ômicron. Muitos países decretaram o fechamento para voos provenientes do sul do continente africano, como Israel, Indonésia, Japão, Coreia do Sul, Arábia Saudita, Marrocos e Austrália, mais a União Europeia. O que levou o governo sul-africano a lamentar estar sendo “punido” por detectar a variante, ou seja, por sua transparência e seriedade diante da pandemia.
Legenda: Tedros Adhanom, da OMS: “Temos que acelerar a igualdade da distribuição de vacinas” (AFP)