Olival Freire Jr e os marcos históricos do apoio à C&T no Brasil
Em uma breve palestra na sexta-feira (6), o físico e historiador da ciência, Olival Freire Jr, traçou um panorama histórico dos marcos do apoio à política de ciência e tecnologia no Brasil ao longo do século XX, bem como discutiu a situação atual do país nesse contexto. Freire, que atua como diretor científico do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), destacou a relevância desses eventos históricos na configuração do Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia e na definição das políticas atuais.
A palestra ocorreu durante a abertura do Encontro Nacional de Ensino Superior do PCdoB, um evento preparatório para o 11º Encontro Nacional de Educação do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), previsto para ocorrer no primeiro semestre de 2024. Este encontro, que reúne educadores, pesquisadores, estudantes e ativistas da área de educação superior, é de grande importância para debater e planejar a atuação do partido nesse setor estratégico para o desenvolvimento do país.
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Além de Olival, também contribuíram com o tema Jorge Venâncio, pela Finep (Financiadora de Estudos e Projetos) e Rafael Padula, pelo MCTI (Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação).
No decorrer de sua apresentação, o historiador dividiu sua análise em duas partes distintas, começando por um breve olhar retrospectivo sobre o apoio à ciência e tecnologia no Brasil ao longo do século passado e, posteriormente, concentrando-se nas políticas atuais, com um enfoque especial no CNPq.
Olival iniciou sua narrativa destacando o início do século XX como um período crucial para o desenvolvimento científico e tecnológico do Brasil. Nesse período, foram criadas instituições de grande importância, como o Instituto Osvaldo Cruz, conhecido como Manguinhos, e o Instituto Butantan. Essas instituições tiveram um papel fundamental no combate a doenças e no desenvolvimento do país, mas Freire também ressaltou que elas estavam associadas a um contexto de expansão da cultura do café, que por sua vez envolveu desafios como a construção de ferrovias e a luta contra doenças que afetavam a população.
O palestrante enfatizou que o desenvolvimento científico e tecnológico não pode ser dissociado de projetos de desenvolvimento econômico e social a longo prazo. As instituições mencionadas desempenharam um papel essencial nesse processo, mesmo que tenham sido estabelecidas em um contexto complexo, marcado pela desigualdade e pela escravidão.
Ao avançar para as décadas de 1920 e 1930, Freire observou que esse período foi marcado por tendências conflitantes. O Brasil viu a criação das primeiras universidades, como a Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). No entanto, essas iniciativas muitas vezes não estavam alinhadas e refletiam as divisões políticas da época, como a contraposição entre o Estado Novo e São Paulo.
O cientista ressaltou que o Brasil experimentou um “momento de ouro” na ciência nas décadas de 1950 e 1960, durante o governo de Getúlio Vargas. Nesse período, foram criadas instituições e agências de fomento essenciais, como o CNPq e a Capes. Além disso, foram estabelecidas instituições de pesquisa fundamentais, como o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) e o Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (IMPA). Essas iniciativas estavam fortemente conectadas aos esforços de desenvolvimento econômico e social do país.
Freire também destacou a importância de instituições como o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e a Petrobras na promoção do desenvolvimento tecnológico do Brasil. O ITA desempenhou um papel crucial no crescimento da indústria aeroespacial brasileira, enquanto a Petrobras se destacou na exploração de petróleo em águas profundas, contribuindo significativamente para a economia do país.
O discurso de Olival Freire proporcionou uma visão abrangente e enriquecedora da história do apoio à ciência e tecnologia no Brasil. Ele enfatizou a importância de alinhar esses esforços com projetos de desenvolvimento econômico e social de longo prazo, demonstrando como eventos históricos moldaram o cenário atual da ciência e tecnologia no país. Freire também ressaltou a necessidade de cooperação e alinhamento de esforços, tanto no passado quanto no presente, para promover avanços significativos nesse campo.
Ditadura militar
Olival ressaltou que a ditadura militar no Brasil foi um período marcado por ambiguidades na história da ciência e tecnologia. Por um lado, houve perseguições, prisões e até mesmo assassinatos de cientistas e estudantes, resultando no exílio de muitas lideranças científicas. O exemplo emblemático no campo da saúde foi o massacre de Manguinhos, enquanto na física, três brilhantes físicos teóricos, José Leite Lopes, Mario Schenberg e Jaime Tiomno, foram perseguidos.
Por outro lado, o mesmo período testemunhou transformações significativas que moldaram a ciência e tecnologia brasileiras. A reforma universitária introduziu a dedicação exclusiva, profissionalizando a atividade científica. A pós-graduação foi institucionalizada, impulsionando a pesquisa no país. Mesmo em meio à ditadura, surgiram instituições e iniciativas cruciais, como a COPPE (Coordenação dos Programas de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia) e a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária).
Olival Freire enfatiza que o papel do historiador é compreender, não julgar. Ele ressalta a importância de entender as motivações por trás das ações dos militares, destacando que o período da ditadura também contribuiu para a configuração da ciência e tecnologia no Brasil.
Governos civis
Durante os governos civis, novos desafios surgiram. Embora o Brasil tenha obtido avanços, como o domínio da tecnologia de enriquecimento de urânio pela Marinha, houve uma queda no financiamento da ciência e tecnologia nas décadas de 80 e 90. A transição da ditadura para o governo civil não resultou em mudanças drásticas no financiamento da ciência.
A década de 90 foi marcada por políticas neoliberais que afetaram o investimento em ciência e tecnologia. As privatizações ocorreram, mas também levaram à criação dos fundos setoriais, que reativaram o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). Além disso, houve uma perda da liderança do Brasil em telecomunicações e informática.
Século XXI
No século XXI, os governos de Lula e Dilma Rousseff contribuíram significativamente para a ciência e tecnologia no Brasil. Houve a consolidação orçamentária, a criação de instituições inovadoras como os Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs) e a expansão das universidades e institutos federais.
Olival destaca a importância de lembrar os desafios enfrentados nos últimos anos, como o negacionismo e a perseguição à liberdade científica. Ele ressalta que valores tidos como consolidados na sociedade brasileira foram questionados, tornando necessária a luta pela democracia.
No cenário atual, Olival Freire Jr destaca alguns desafios e conquistas. O governo eleito incluiu a ciência e tecnologia na PEC da transição, permitindo reajustes nas bolsas de pesquisa e o descontingenciamento do FNDCT. Além disso, houve a introdução de juros competitivos para investimentos em inovação.
O CNPq está avançando em políticas de diversidade e inclusão na ciência, promovendo a participação de mulheres, negras, indígenas e ciganas em estágios e pós-doutorados no exterior.
Olival nos lembra da complexa história da ciência e tecnologia no Brasil, marcada por desafios e conquistas. À medida que enfrentamos os desafios atuais e buscamos fortalecer a ciência brasileira, é essencial mantermos viva a memória de nossas lutas e conquistas passadas. A ciência e tecnologia desempenham um papel fundamental no desenvolvimento do país e na construção de um futuro melhor para todos os brasileiros.
(por Cezar Xavier)