A pandemia do novo coronavírus levou à redução ou desacelerou o crescimento dos salários mensais em dois terços dos países para os quais havia dados oficiais disponíveis, revelou relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT). O documento cita o Brasil como um dos países em que isso ocorreu, com a redução de renda sendo mascarada pelas demissões durante a quarentena.

Segundo o relatório, a observação dos dados faz parecer que houve um aumento do salário médio em um terço dos países que forneceram dados, inclusive o Brasil. A OIT ressalta, no entanto, que isso se deveu à distorção do valor causada pelo grande número de trabalhadores com baixa remuneração que perderam o emprego, cujos dados deixaram de ser oficialmente computados.

“No Brasil, Canadá, França, Itália e Estados Unidos, os salários médios vêm crescendo significativamente porque as perdas de postos de trabalho afetam principalmente aqueles na faixa inferior da tabela de salários. Em contraste, observou-se uma pressão de redução sobre os salários médios do Japão, Coreia do Sul e Reino Unido”, afirma o documento.

No Brasil, por exemplo, o índice de salário real médio aumentou e pontuou 107,3 na classificação da OIT no segundo trimestre de 2020, movimento acompanhado por um ligeiro aumento do desemprego conforme o contágio pelo vírus se acelerava e as restrições eram endurecidos.

“Em países onde medidas fortes para garantir os postos de trabalho foram empregadas ou prorrogadas a fim de preservar o emprego, o aumento do desemprego foi moderado, de forma que os efeitos da crise podem ser mais visíveis sob a forma de uma pressão de redução sobre os salários do que sob a forma de desemprego massivo”, acrescenta o relatório.

“O que eles estão trazendo é um dado objetivo. Uma parcela grande da população perdeu renda. Entre os que ficaram ocupados, uma parcela grande teve redução salarial. Esse é o dado que importa, usar o dado da média distorce a interpretação”, afirma o sociólogo Clemente Ganz Lucio, consultor do Fórum de Centrais Sindicais.

Segundo o especialista, será difícil reverter a situação sem investimento público. “Vamos viver uma situação difícil de se dimensionar qual o impacto. Teremos, de um lado, o fim de uma transferência de renda que foi extremamente relevante para sustentar a capacidade de consumo de famílias e a dinâmica econômica [auxílio emergencial e outros benefícios] e, de outro, não há, na economia nem por parte do governo, uma indicação de retomada de investimento”, comenta.

Mulheres mais afetadas

Outro dado do relatório é que os salários dos trabalhadores com remunerações mais baixas e das mulheres foram os mais impactados pela crise. Estimativas com base em uma amostra de 28 países europeus mostram que, sem os subsídios do poder público, no segundo trimestre de 2020 a perda salarial das mulheres teria sido de 8,1% em comparação com 5,4% para os homens.

A crise também afetou os trabalhadores com salários mais baixos com maior intensidade. Usando dados do grupo de 28 países europeus, o relatório da OIT explica que, sem subsídios temporários, 50% das pessoas que ganham menos teriam perdido aproximadamente 17,3% do salário. Para os demais grupos, o valor médio da perda sem os subsídios seria de 6,5%.

Cenário preocupante

A OIT avalia ainda que a crise provavelmente “infligirá uma enorme pressão” para a redução dos salários em um futuro próximo.

Ao comentar os dados, o Guy Ryder, diretor-geral do organismo internacional, disse que o crescimento da desigualdade devido à Covid-19 pode deixar um legado “devastador” de “pobreza” e “instabilidade social e econômica”.

“Nossa estratégia de recuperação deve ser centrada nas pessoas. Precisamos de políticas salariais adequadas que levem em consideração a sustentabilidade do emprego e das empresas, e que abordem também as desigualdades e a necessidade de apoiar a demanda”, defendeu.