O socialismo vive! 8º Congresso do PCdoB (1992)
Depois da queda do Muro de Berlim e do desmembramento da União Soviética, no triênio 1989-91, a avalanche de ideias que pretenderam derrotar definitivamente o socialismo foi enorme. Para esses ativistas do imperialismo até a História havia chegado ao fim. Nesse momento o Partido Comunista do Brasil antecipou seu congresso – que devia ser realizado em 1993 – para discutir o fim da URSS, a ofensiva contra o socialismo, o marxismo, atualidade do PC e o governo Collor.
Por Fernando Garcia*
Entre 3 e 8 de fevereiro de 1992, consagrando quase um ano de discussões internas, estudos e elaboração de perspectivas, o PCdoB realizou o seu 8º Congresso. O lema era “O tempo não para! O socialismo vive!” As teses foram discutidas desde as bases até a plenária final – em meio a intensa luta política naquele segundo ano do governo Collor.
Era necessário fazer um balanço da experiência soviética, desde a revolução de 1917, da destruidora manobra de N. Khrushev no 20º Congresso do Partido Comunista da União Soviética (1956) até o governo Gorbatchev e o fim da URSS. O encerramento daquela experiência quase octogenária havia representado uma vitória importante para o imperialismo estadunidense e um abalo nos partidos comunistas em todo o mundo. No Brasil, a legenda do PC Brasileiro enfrentava profunda crise (que concluiu com o golpe de Roberto Freire que mudou os estatutos e o nome para Partido Popular Socialista, PPS) e o PC do Brasil precisava afirmar suas convicções, deliberações e elaborações com relação às conjunturas internacional, nacional e a questão de Partido.
Esses temas foram debatidos pelo coletivo partidário durante todo o ano de 1991. No que tange a situação internacional, apontou-se a falácia da chamada Nova Ordem e os perigos do Consenso de Washington. O terceiro mundo sofria séria ameaça colocada pelo FMI e Banco Mundial que queriam até suprimir as forças armadas desses países para substitui-las por uma “força militar supranacional”. A Amazônia era um alvo importante para os estrategistas e a soberania brasileira, em particular, estava na mira da ofensiva do imperialismo.
A situação econômica global era de crise e a toada acelerada de concentração de poder econômico levou os monopolistas a instaurarem um verdadeiro mercado de xepa para vender a baixos preços as indústrias e empresas da época do socialismo. Acirrou-se, nesse momento, a investida neocolonialista em todo o planeta.
Setores de esquerda e da socialdemocracia, em flagrante capitulação, se colocaram em posição de ataque ao socialismo e aos partidos comunistas em todo o mundo. Novos partidos surgiram a partir das estruturas dos antigos partidos comunistas. O fenômeno foi avaliado como uma profunda defensiva estratégica para os comunistas e para o projeto de derrotar o capitalismo.
Em reunião com a delegação de partidos comunistas e operários e organizações revolucionárias estrangeiros, João Amazonas fez um pronunciamento que ficou conhecido como “Pela unidade do movimento comunista”. Nele o dirigente dizia que a debacle do socialismo não havia iniciado nos anos 1980, mas já era fenômeno posto desde a crise de 1956/57. Retoma Lenin na análise da crise teórica que se viu na II Internacional e vaticina: “A verdade é que vivemos uma crise do marxismo que já dura mais de trinta anos”. Para as circunstâncias, essa foi uma afirmação corajosa que só um quadro como João Amazonas teria autoridade para pronunciar.
Na reportagem deste encontro, assinada por Antônio Carlos Queiroz, no jornal A Classe Operária (nº 76, de 24/02 a 08/03/1992, p. 12) indica que: “A fala de Amazonas não foi assimilada de pronto por todos os presentes, que no entanto, segundo Haroldo Lima, destacaram a sua importância no sentido de abrir o debate para questões novas que precisam ser melhor aprofundadas. Ainda segundo Lima, no final da reunião foi unânime a consideração dos presentes sobre a necessidade de se repetirem iniciativas como a de Brasília, uma vez que o movimento comunista mundial encontra-se disperso.” De alguma forma, a década de 1990, foi o período de assimilação da existência da crise teórica e o tempo de projeção para começar a sair dela.
Leia o Informe Político aprovado no 8º Congresso do PCdoB
Sobre a situação nacional o Informe de João Amazonas apontou que o projeto neoliberal de Collor de Melo fazia parte de uma orquestração imperialista de âmbito internacional, que tinha o subterfúgio falacioso de “modernidade” e “integração ao primeiro mundo”. Essa fórmula tinha por essência mais exploração e menos soberania. E diante da crise política instalada após os pacotes econômicos que aprofundavam a pobreza e os escândalos de corrupção que tinham as digitais do presidente da República, o dirigente comunista bradou: “O PCdoB, em oposição decidida a Collor, apoia o movimento democrático e popular que reclama sua retirada do Planalto. ‘Ou o Brasil, ou Collor!’ é o dilema que se apresenta à nação.”
O enfrentamento ao neoliberalismo e o novo caráter de uma revolução sem etapas precisavam de um aporte teórico e político específico. A luta, dizia o 8º Congresso, é socialista desde já. O Programa do Partido, aprovado no congresso anterior, já não comportava esse balanço do movimento comunista internacional nem a nova situação que vivia o Brasil e o mundo. Dessa forma, Renato Rabelo propõe e é aprovada a convocação de uma Conferência para tratar do no Programa: “Nós vamos apresentar um Programa de socialismo para o Brasil.” Que deverá ser “amplamente debatido nas fileiras partidárias e aprovado numa conferência nacional.”
Essa elaboração madura após o fim da URSS não foi um raio em céu azul. O processo de deu por anos e foi refletido em dezenas de artigos na revista Princípios. Dos textos de maior relevância estão: O canto da sereia de um Partido para todos, de Rogério Lustosa; Qual Partido?, de Loreta Valadares; Houve socialismo na União Soviética?, de Renato Rabelo; Defender e desenvolver a teoria marxista: exigência da época atual, de João Amazonas.
Com elevado espírito de autocrítica e profunda sinceridade revolucionária, o 8º Congresso do PCdoB se debruçou sobre o papel histórico de Stálin. Em seu informe, Amazonas apontou: “Stálin, como principal dirigente do PCUS e teórico marxista-leninista, tem responsabilidade no desastre sucedido com o socialismo na URSS. Não foi ele quem deixou cair a bandeira revolucionária. Enquanto dirigiu o Partido e o Estado, os ideais da revolução de 17 sempre estiveram em lugar de destaque. Sobre os seus ombros, depois da morte de Lênin, recaiu boa parte da tarefa histórica de dirigir a construção da nova vida. Stalin defendeu o leninismo, mas, Stálin, revelou também deficiências, cometeu erros – alguns graves – equivocou-se em questões importantes da luta de classes. (…) Não somos stalinistas, tampouco somos antistalinistas. Analisamos a figura de Stálin no plano histórico. Ele esteve à frente das grandes batalhas pela transformação radical do velho mundo capitalista (…).”
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Foi um congresso que demonstrou maturidade dos comunistas brasileiros. Reviu opiniões, alterou estratégia, reafirmou o socialismo e o marxismo. Manteve o instrumento partido comunista como o meio de organizar os trabalhadores e o povo para a construção do socialismo. A perspectiva revolucionária se manteve na ordem do dia. O PCdoB muniu-se de atualidade política e teórica para enfrentar os desafios postos para a década final do século XX. O congresso terminou com a indicação de uma Conferência para tratar de um programa partidário que tivesse o socialismo como centro e um novo Comitê Central foi eleito. Os comunistas e seu partido estavam devidamente posicionados diante da ofensiva que crescia contra o Brasil e os trabalhadores.
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Fernando Garcia de Faria* é historiador mestrando em História Econômica na USP, coordenador do Centro de Documentação e Memória (CDM) da Fundação Maurício Grabois e integra o Conselho Editorial da Editora Anita Garibaldi e o Conselho Consultivo da Revista Princípios.
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