Antonio Guterres e Papa Francisco

Ecoando o quarto aniversário da assinatura do Acordo do Clima de Paris e o Dia da Terra, líderes de 40 países, mais o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, e o Papa Francisco, participaram do primeiro dia da Cúpula do Clima na quinta-feira (22) a convite do presidente norte-americano Joe Biden, que com essa videoconferência global marcou a volta dos EUA à atuação multilateral sobre as mudanças climáticas, depois dos sombrios quatro anos de governo Trump.

O evento também serve como uma preparação para a COP26, a próxima cimeira da ONU sobre as alterações climáticas, marcada para novembro em Glasgow.

Biden, que em seu pronunciamento fez uma vigorosa defesa de seu programa de reconstrução da infraestrutura dos EUA, sob o enfoque da conversão para a energia renovável, o que chamou de um “motor extraordinário de criação de empregos”, enfatizou a urgência de agir para levar o mundo ao caminho de uma economia sustentável.

“Esta é a década em que precisamos tomar decisões que evitarão as piores consequências da crise climática”, afirmou. Biden anunciou que estava praticamente dobrando, para 50-52% (em relação a 2005), a meta assumida em 2015 por Barack Obama de redução da emissão de CO2 até 2030 e reiterou o compromisso de zerar as emissões líquidas até 2050.

A chamada “neutralidade de carbono” prevista para meados do século implica em que cada país adicionaria então apenas tantas emissões quanto possam ser absorvidas por meios naturais ou tecnológicos.

Antonio Guterres

O secretário geral da ONU, Antonio Guterres, advertiu que o planeta está “à beira do abismo” e instou por uma “uma coligação global por emissões zero até à metade do século que envolva cada país, cada região, cada cidade, cada empresa e cada indústria”.

A década atual precisa de ser “uma década de transformação” para todos os países, começando com “os maiores emissores”, exigindo-se contribuições determinadas nacionalmente “novas e mais ambiciosas” para travar o aquecimento global e políticas “alinhadas com o objetivo de zero emissões em 2050” tomadas já nos próximos dez anos.

Guterres pediu “compromissos claros” para prover tecnologia para que todos os países do mundo possam alcançar seus objetivos climáticos e cobrou dos países ricos que financiem a transição tecnológica.

Papa Francisco

Em uma breve mensagem à cúpula, o Papa Francisco afirmou que o encontro encoraja as nações a “se encarregarem de cuidar da natureza, desse presente que recebemos e que devemos curar, guardar e levar adiante”.

O pontífice argentino aludiu a um “velho ditado espanhol” que diz que “Deus perdoa sempre, nós, homens, perdoamos de vez em quando, a natureza já não perdoa”, avisando que quando a destruição da natureza é desencadeada “é muito difícil impedi-la”. Felizmente, “ainda há tempo”, acrescentou.

“Temos que preservar o meio ambiente, temos que cuidar da Natureza para que ela possa cuidar de nós”, concluiu o Papa.

Xi Jinping

Em seu discurso, em que convocou uma “comunidade mundial pela vida”, o presidente chinês Xi Jinping instou a que o combate às mudanças climáticas siga os princípios do multilateralismo e do direito internacional centrado na ONU, sob a norma da “responsabilidade comum, mas diferenciada” que reflita os diferentes estágios de desenvolvimento de cada país.

Ele chamou a transformar esse esforço pela conversão energética num processo de superação da pobreza e desigualdade, que gere um crescimento sustentável e coloque as pessoas e seu bem estar no centro.

Para Xi, os países desenvolvidos devem “ajudar os países em desenvolvimento a acelerar as suas transições para o desenvolvimento verde e de baixo carbono”, apoiando-os “no financiamento, tecnologia e capacitação, e abstendo-se de criar barreiras comerciais verdes”.

No ano passado, Xi já havia dito que o pico de emissões da China se dará antes de 2030, e que a neutralidade será atingida em 2060. O presidente chinês também prometeu que seu governo “limitará estritamente” o aumento do consumo de carvão até 2025 e o “reduzirá” nos cinco anos seguintes.

Vladimir Putin

O presidente da Rússia, Vladimir Putin ressaltou o compromisso de seu país com as metas do Acordo de Paris. “Na Rússia, fontes de baixa emissão de carbono são responsáveis por 45% da energia do país. Estamos interessados em galvanizar soluções mundiais contra as mudanças climáticas.”

Na Rússia, as emissões de gases com efeito de estufa caíram para metade desde 1990 (de 3,1 bilhões de toneladas de dióxido de carbono para 1,6 bilhões) através de mudanças na indústria e na produção de energia.

Putin também destacou a contribuição colossal da Rússia para absorção das emissões globais, devido à capacidade de absorção dos ecossistemas russos, estimada em 2,5 bilhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente por ano.

O presidente russo chamou a atenção sobre a questão do metano, que cria um efeito estufa 25-28 vezes maior por tonelada emitida, em comparação com o CO2, e que é responsável por 20% das emissões antropogênicas.

Putin propôs que seja estabelecida uma cooperação internacional ampla e eficaz no cálculo e monitoramento das emissões de todos os tipos de emissões nocivas para a atmosfera. Ele conclamou por pesquisas científicas conjuntas que resultem “em tecnologias de baixo carbono para mitigação e adaptação às mudanças climáticas”.

Para concluir, o líder russo afirmou que “o desenvolvimento global não deve ser apenas “verde”, mas também sustentável na totalidade desse conceito. E para todos os países, sem exceção”. Portanto, intimamente relacionado com o progresso em áreas urgentes “como a luta contra a pobreza e a redução das brechas de desenvolvimento entre os países”.

Presidente Macron

O presidente francês, Emmanuel Macron, pediu que a aplicação do Acordo de Paris seja acelerada, bem como a criação de um sistema de regulação de emissões de carbono que seja “claro e mensurável”. “O ano de 2030 é o novo 2050”, enfatizou.

Ele destacou a recente conferência com a primeira-ministra alemã Angela Merkel e com o presidente chinês Xi Jinping em que os três concordaram em que este “é um combate comum” em que todos os países precisam se empenhar.

“Inovação, transformação e regulação” são, para o líder francês, as palavras-chave para o combate às alterações climáticas.

Macron também destacou a urgência de “transformar o sistema financeiro global” para apoiar projetos sustentáveis e, dessa forma, “colocar as finanças ao serviço do clima”.

Defendeu, ainda, a inclusão dos custos ambientais no comércio de bens e serviços – a adoção da taxação do carbono -, dizendo que sem isso não haverá uma transição para uma economia verde.

Aliás, nem mesmo o que os países anunciam de redução de emissão é comparável na situação atual, com países tendo como referência o patamar de 1990 (caso dos europeus), enquanto outros países usam outro ano (2005, no caso norte-americano; 2013 no caso japonês).

Angela Merkel

A primeira-ministra destacou que a Alemanha estabeleceu a meta de ter 55% menos emissões em 2030 (em comparação com 1990) e o compromisso assumido – assim como toda a União Europeia – de emissão zero (líquida) de carbono até 2050.

No ano passado, assinalou Merkel, a Alemanha chegou a 46% de eletricidade de fontes renováveis, e quer “aumentar isso”. “Carvão foi uma fonte importante para nós, mas vamos acabar com a eletrificação por carvão”. A Alemanha duplicou seu financiamento à economia sustentável, afiançou.

Ursula von der Leyen

“A ciência nos diz que ainda não é tarde, mas devemos nos apressar. E é isso que a Europa está fazendo”, declarou a presidente da Comissão Europeia, a alemã Ursula von der Leyen. Ela chamou o Acordo do Clima de Paris de 2015 de “seguro de vida da Humanidade” e convocou os países a usarem a COP-26 de novembro para acelerar sua implementação.

Von der Leyen sublinhou os compromissos de redução das emissões em 55% até o final da década e de neutralidade de carbono até 2050, alcançados pelo bloco europeu na véspera da cúpula. Ela disse ainda que 30% do plano de recuperação europeu pós-pandemia de 1,8 trilhão de euros será para atender metas ambientais.

Boris Johnson

“Os anos 2020 serão lembrados ou como a década em que os líderes mundiais se uniram para virar o jogo, ou como um fracasso”, afirmou o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, que será o anfitrião da conferência COP26 do Clima da ONU.

Ele chamou “a trabalhar com todos, dos menores aos maiores emissores para garantir compromissos que mantenham o aquecimento global abaixo de 1,5 graus” em relação à era pré-industrial até ao fim do século, conforme o Acordo de Paris decidiu.

Johnson convocou os cientistas de todos os países a juntos “produzirem soluções tecnológicas de que a humanidade vai precisar: captura e armazenamento de dióxido de carbono, hidrogênio barato, aviação com emissões neutras”.

É preciso que “as nações mais ricas do mundo” contribuam “com mais do que os 100 bilhões de dólares [anuais até 2020 para ajudar à mitigação dos efeitos das alterações climáticas] com que se comprometeram em 2009″, acrescentou.

Na terça-feira, o Reino Unido tornou lei a meta de redução das emissões de gases de efeito estufa em 78% até 2035, em relação aos níveis de 1990, mais ousada do que a da União Europeia.

Narendra Modi

O primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, o primeiro líder mundial a lembrar que o mundo está passando pela pandemia – seu país está vivendo o pior momento -, afirmou que a Índia reduziu suas emissões em 24%, superando as metas estabelecidas no Acordo de Paris. Ele lembrou que a “pegada ambiental” de seu país é 60% menor que a média global e cobrou a atuação dos países desenvolvidos para a superação do desafio das mudanças climáticas.

Mais asiáticos

O primeiro-ministro Yoshihide Suga reafirmou o compromisso do Japão de atingir a neutralidade do carbono até 2050 e de reduzir suas emissões em 46% até o fim da década (em relação a 2013). Meta que, asseverou, exigirá esforços, dentro de um complexo plano para garantir isso.

Joko Widodo, presidente da Indonésia, prometeu que seu país terá emissão líquida zero até 2050. País de grande cobertura florestal, a Indonésia chegou à cúpula com o menor nível de desmatamento em 20 anos, com queimadas florestais reduzidas em 80%. Uma posição diametralmente oposta ao Brasil sob o governo Bolsonaro. Widobo reiterou que os países em desenvolvimento precisam ser apoiados.

Cyril Ramaphosa

O presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, ressaltou que é imprescindível aderir ao princípio de diferentes responsabilidades e capacidades”, e lembrou que “países subdesenvolvidos sofrem mais pelos impactos das mudanças climáticas”.

Ramaphosa afirmou que as economias desenvolvidas têm “a responsabilidade de financiar países em desenvolvimento para se adaptarem às mudanças climáticas”. O líder sul-africano apontou que seu país está revisando sua meta para começar a reduzir as emissões de carbono em 2025 e chegar a uma queda de 28% em 2030.

América Latina

Entre os líderes latino-americanos, a cúpula contou com a participação dos presidentes Jair Bolsonaro (Brasil) (veja matéria), Alberto Fernández (Argentina), Andrés Manuel López Obrador (México) e Sebastián Piñera (Chile).

Fernández confirmou que desmatamento passará a ser classificado como crime em seu país. Na cúpula, o presidente argentino informou que haverá uma redução de 27,7% até 2030 na emissão de gases de efeito estufa em relação a 2016. Até 2050, as emissões serão neutralizadas. López Obrador aproveitou sua participação na cúpula para propor ao governo de Biden uma parceria que junte combate ao aquecimento global com migração. Para isso, ele mencionou o programa de reflorestamento Semeando Vida, que emprega 450 mil camponeses mexicanos.

O presidente Piñera anunciou iniciativas para “aumentar a proteção dos oceanos”. O Chile aprovou uma lei em que se compromete a cumprir as metas do Acordo de Paris de neutralizar as emissões de carbono até 2050. No ano passado, Santiago anunciou uma redução de 25% das emissões totais de carbono até 2030.