Fumio Kishida convocou eleições gerais logo ao assumir o cargo de premiê

O novo primeiro-ministro do Japão, Fumio Kishida, do Partido Liberal Democrático (LDP) anunciou a convocação de uma eleição geral para 31 de outubro, após ser eleito pela Dieta (parlamento) o 100º primeiro-ministro da história política japonesa do pós-guerra na segunda-feira (4) em sessão extraordinária. Pela legislação japonesa, a eleição teria que ocorrer até 28 de novembro.

Ex-ministro das Relações Exteriores e ex da Defesa, Kishida é tido como “moderado” e o “preferido do establishment”. Ou, nas palavras do Financial Times, “Mr. Status Quo”. Ele disse ainda que irá dissolver a câmara baixa do parlamento em 14 de outubro, cujo mandato iria no máximo até o dia 21. A campanha eleitoral começará no dia 19.

Kishida foi eleito líder do LDP na semana passada em substituição a Yoshihide Suga, que deixou o governo no início de setembro, com a taxa de aprovação abaixo de 30%, sob críticas generalizadas de como lidou com a pandemia de Covid-19 e sem ter conseguido capitalizar a realização das Olimpíadas de Tóquio.

Kishida teve o apoio do ex-primeiro-ministro Shinzo Abe, que renunciou há um ano por razões de saúde. Ele ganhou uma votação de segundo turno contra o também ex-ministro das Relações Exteriores e da defesa Taro Kono, depois que nenhum dos quatro candidatos obteve a maioria no primeiro turno.

“Muitos países estão sinalizando que manterão medidas de política fiscal e monetária expansionistas por enquanto. O Japão não deve ficar para trás”, disse Kishida em sua campanha. O novo primeiro-ministro também enfatizou que terá como objetivo trazer as atividades socioeconômicas de volta à normalidade no início de 2022, criticando o atual enfrentamento da pandemia como muito fraco e lento.

Desde que o então governo Reagan enfiou goela abaixo dos japoneses os Tratados de Plaza e Lourdes, desencadeando a valorização forçada do iene, que acabou seguido pelo colapso da bolsa e da bolha imobiliária nos anos 1990, o Japão tem convivido há mais de duas décadas com a estagnação, depois de ser visto nos anos 1980 como candidato a maior economia do planeta, por sua produtividade e poder de inovação.

As tentativas de sair da estagnação, entupindo os bancos japoneses com dinheiro, via compra de títulos e ações, impressão de dinheiro e juros reais negativos, só serviram para desviar o dinheiro da produção interna para a especulação no exterior, ganhando com o carry trade, a ‘arbitragem de juros’.

Desde 2010, o Japão perdeu para a China o posto de segunda maior economia do mundo e, antes, fora suplantado por Pequim como maior comprador de títulos do Tesouro norte-americano, isto é, maior financiador da dívida norte-americana e dos déficits gêmeos.

A bem dizer, o Japão segue ocupado por tropas norte-americanas há mais de sete décadas, a pretexto de propiciarem ‘proteção’ sob o ‘guarda-chuva nuclear’ – isso, no único país do mundo que já sofreu um bombardeio com bombas nucleares, em Hiroshima e Nagazaki. Aliás, duas bombas norte-americanas.

No país, existe um forte movimento em favor da constituição pacifista e há também uma oposição de massas às bases norte-americanas no país, mais ativa em Okinawa.

Um em cada seis

As promessas de Abe de revitalizar a economia japonesa não se concretizaram. Um em cada seis japoneses vive em pobreza relativa com rendimentos inferiores à metade da mediana nacional. Mais de 10 milhões de pessoas vivem com menos de US$ 19.000 por ano.

No ano passado, sob o impacto da pandemia, mais de meio milhão de trabalhadores perderam seus empregos. O sistema de emprego vitalício, que garantia empregos permanentes para setores significativos dos trabalhadores, tem sido minado por governos sucessivos.

Atualmente, 40% dos trabalhadores têm empregos incertos e que pagam salários mais baixos. Ao mesmo tempo, segundo a Forbes Ásia, a riqueza coletiva das 50 pessoas mais ricas do país havia aumentado quase 50% em comparação com o ano anterior.

Quadro que explica declarações de Kishida pedindo “um novo capitalismo ao estilo japonês” capaz de abordar o aumento da desigualdade social, bem como suas promessas de dezenas de trilhões de ienes (centenas de bilhões de dólares) em subsídios à economia.

Em entrevista ao Wall Street Journal, Kishida disse que “se os lucros do crescimento forem monopolizados por algumas pessoas, a diferença aumentará ainda mais. Não se trata apenas de crescimento, trata-se de distribuição. Distribuição é igual a renda.”

Madame Takaishi

Considerando que outra figura também apoiada pelo ex-primeiro-ministro Abe, Sanae Takaichi, ex-ministra de relações internas e comunicações, é conhecida admiradora de Margaret Thatcher e já chegou até a endossar um livro de 1994 que elogiava as táticas eleitorais de Adolf Hitler, além de assídua frequentadora do Santuário Yasukuni (onde estão enterrados os criminosos de guerra classe A japoneses), compreende-se a fama de “moderado” de Kishida. Takaichi chegou a sonhar se tornar a primeira mulher primeira-ministra do Japão.

Como ministro das Relações Exteriores do governo Abe de 2012 a 2017, Kishida foi um conviva da política de “pivô para a Ásia” de Barack Obama e apoiou os esforços do então primeiro-ministro japonês para minar o chamado artigo 9 da constituição, de renúncia à guerra. Em 2015, o governo Abe conseguiu introduzir o conceito de “autodefesa coletiva”, isto é, a participação japonesa nos conflitos desencadeados pelos EUA.

Kishida também expressou seu apoio ao chamado Quad – o “diálogo” dos Estados Unidos, Japão, Índia e Austrália, ostensivamente voltado para “conter” a China.

China

Para analistas, o enorme intercâmbio econômico entre China e Japão poderá funcionar como freio a atitudes mais extremas de Tóquio. A China vem sendo o principal parceiro comercial do Japão há 14 anos consecutivos.

Ao mesmo tempo, a China discute com o Japão dois acordos de comércio exterior de largo espectro. O ex-Transpacífico, cuja preservação, durante o interregno de Trump na Casa Branca, foi patrocinada por Tóquio e ao qual Pequim recentemente solicitou ingresso. E, ainda, a Rcep, Parceria Econômica Regional Abrangente, encabeçada pela Asean (países do sudeste asiático) e Pequim e formalizada em novembro do ano passado, e do qual também participam Japão, Coreia do Sul, Nova Zelândia e Austrália.

Outra fonte de tensão são as declarações de Tóquio sobre Taiwan, que violam o princípio de Uma Só China, que rege as relações entre a China e todos os países do mundo.

Tanto os comunistas, quanto o Kuomitang, que fugiu do continente para Taiwan sob proteção da esquadra norte-americana, quando da derrota em 1949 na guerra civil, consideram que há uma só China. Por duas décadas, inclusive, quem representou a China no Conselho de Segurança da ONU, foi o governo de Taipei. Agora um governo separatista tenta pegar as brasas para fritar a sardinha para os ianques.

Esse tipo de declaração tóxica sobre Taiwan mereceu do porta-voz do Ministério de Relações Exteriores da China, Wang Wenbin, um alerta no início de setembro. “Exortamos seriamente as pessoas relevantes no Japão a se absterem de interferir nos assuntos internos da China de qualquer forma e de enviar sinais errados às forças de ‘independência de Taiwan’ em qualquer forma”, disse Wang.

Suga de saída

Em abril, na visita de Suga à Casa Branca, Tóquio assinou uma declaração conjunta com Washington, atacando a China desde os direitos humanos até a questão de Taiwan.

Após observar que Kishida já foi conhecido “por sua postura amigável” em relação a Pequim, o jornal de língua inglesa Global Times registrou que, no decorrer da breve campanha pelo cargo de primeiro-ministro, ele “saltou para a linha de frente no ataque à China”, movimento apontado por analistas como uma tentativa de “mostrar sua ‘dureza’ dentro do LDP e para o público japonês” e cacifar votos na bancada.

O GT também lembrou que no governo Abe – e coincidentemente com Trump na Casa Branca – a China e o Japão vivenciaram certa distensão, com a visita oficial do primeiro-ministro à China em outubro de 2018, depois de as relações, quando ele assumiu o poder em 2012, terem chegado ao ponto mais baixo em função do contencioso nas ilhas Diaoyu/Senkaku. Em setembro de 2019, Abe inclusive felicitou em vídeo o 70º aniversário do fundação da República Popular da China, “uma ocorrência rara na política japonesa”.