Trump anunciou que neste domingo (14) irá prender imigrantes em massa em dez das principais cidades do país

Milhares de pessoas realizaram vigílias nos Estados Unidos na sexta-feira (12), em repúdio ao presidente Trump e seu anúncio de que neste domingo (14) irá prender imigrantes em massa em dez das principais cidades do país. Os protestos também exigiram o fechamento dos campos de concentração e da gestapo da fronteira e a reunião das crianças imigrantes às famílias de que foram separadas.

Os protestos ocorreram em pontos-chave da fronteira com o México, na capital, Washington, Nova Iorque, Filadelfia, Chicago, Los Angeles, Phoenix, Oakland, Saint Paul, Memphis, Seattle e mais seiscentas cidades.

Os atos se seguem à comoção causada pelo afogamento de um pai e seu bebê na fronteira e pelos relatórios – inclusive oficiais – sobre o descalabro nos centros de detenção, que não passam de campos de concentração para refugiados.

Milhares de seres humanos estão trancafiados nesses centros de detenção nos EUA pelo ‘crime’ de buscarem refúgio contra a devastação econômica, o desemprego, a miséria e a violência, após décadas de interferência norte-americana e pilhagem na América Central.

Como disseram ativistas na vigília no Colorado, em resposta à declaração de Trump de que “se os imigrantes não gostam dos centros de detenção, não venham”: “se não quer refugiados, pare de criá-los”.

As “condições ultrajantes” nas prisões de imigrantes de Trump foram denunciadas ainda pela mais alta autoridade da ONU sobre Direitos Humanos, a ex-presidente Michelle Bachelet: negação de comida, banho e até escova de dente; humilhações e ameaças; abusos sexuais; superlotação e doenças contagiosas.

Em entrevista ao programa Good Morning America, Dolly Lucio Sevier, uma médica que visitou o centro de detenção McAllen no Texas, o maior de detenção de imigrantes do país, após um surto de gripe ter enviado cinco bebês para a UTI neonatal, chamou o local de “câmara de tortura” e revelou que as mães não tinham sequer como lavar as mamadeiras.

VIGÍLIA

A vigília teve como alvo centros de detenção de imigrantes, escritórios da agência anti-imigração, prisões da Patrulha da Fronteira, tribunais e prefeituras. No ponto de entrada na fronteira de San Ysidro, na Califórnia, muitas crianças cobertas com cobertores de emergência, as tristemente célebres mantinhas aluminizadas que os imigrantes capturados recebem, marcharam com seus pais até o prédio administrativo da guarda da fronteira.

“Fechem os campos de concentração, libertem as crianças”, exigiam os manifestantes, que também empunhavam cartazes como “não somos nazistas”. Havia também um pequeno balão Trump bebê.

Com cartazes de “aulas, não jaulas” e “abolição do ICE (serviço de imigração e alfândega)”, duas mil pessoas se reuniram na vigília “Luzes por Liberdade” na Lafayette Square, a poucos passos da Casa Branca, para repudiar a investida xenófoba do presidente lúmpen-bilionário. “Somos todos americanos aqui, todo mundo aqui veio para um futuro melhor e não é crime vir aqui para pedir asilo”, disse em espanhol aos manifestantes a deputada Norma Torres, que nasceu na Guatemala.

Em Los Angeles, o protesto foi diante do Centro de Detenção Metropolitan no centro, que fica bem ao lado do centro de processamento do serviço de Imigração e Alfândega.

O grito de “fechem os campos [de concentração]” também tomou conta de Chicago. Centenas de pessoas se concentraram em Nova Iorque na Foley Square, em frente aos tribunais, com velas e conclamações em defesa dos imigrantes. No ato, estudantes, professores, sindicalistas, líderes políticos e entidades de defesa das liberdades e dos imigrantes.

Em El Paso, Texas, os manifestantes se concentraram diante de um campo de concentração ao ar livre onde os migrantes estão abrigados debaixo de uma ponte. Na Flórida, centenas de pessoas repudiaram os abusos em massa e negligência contra as crianças apinhadas no centro provisório de Homestead.

Na Filadélfia, manifestantes marcharam no centro da cidade, exigindo “nenhuma prisão em cidade santuário” e “abolição do ICE [serviço anti-imigração]”. O ato também cobrou o fechamento do centro de detenção Berks e o bloqueio de nova prisão privada planejada.

Em Fort Sill, Oklahoma, a vigília foi do lado de fora de uma instalação que serviu como campo de concentração para nipo-americanos durante a Segunda Guerra Mundial e agora abriga imigrantes presos na fronteira.

Na verdade, a grande caçada aos imigrantes era parte do lançamento da campanha pela reeleição de Trump em 2020, mas precisou ser adiada por alguns dias depois da foto da pequena Angie Valeria, com o bracinho em volta do pescoço do seu pai, ambos emborcados no rio, ao tentarem entrar nos EUA.

Conforme o The New York Times, a operação atingirá Los Angeles, Nova York, Chicago, Atlanta, San Francisco, Miami, Denver, Baltimore e Houston, podendo se estender por vários dias . Por causa da tempestade tropical Barry, Nova Orleans acabou excluída dessa incursão.

Já se passou mais de um ano desde que o governo Trump impôs sua política de “tolerância zero” contra os imigrantes. Nesse período, pelo menos sete crianças morreram sob custódia do regime, ou pouco depois de serem libertadas. Duas dezenas de imigrantes morreram nesses campos de concentração, cujo número ultrapassa os 200, muitos deles, privados.

Na sexta-feira, o vice de Trump, Mike Pence, visitou um campo de concentração no Texas e asseverou que “toda a família com quem falei me disse que está sendo bem cuidada” pela Guarda da Fronteira, que estaria fazendo “o melhor possível para prestar cuidados compassivos”. No mesmo dia, a ProPublica vazou que o chefe da Guarda de Fronteira, Carla Provost, era membro do grupo secreto do Facebook que postava piadas racistas e sádicas contra imigrantes.

Antes de se fixar na meta de “2 mil presos e deportados nesse fim de semana”, Trump havia alardeado que seriam “milhões” – embora, para alcançar os 2,7 milhões de deportados pelo sorridente recordista Barack Obama, vá ter que se empenhar muito. Também foi Obama que montou a estrutura que Trump está usando para reprimir os imigrantes.

Apesar de dois terços dos imigrantes ilegais não cruzarem pela fronteira sul, mas sim pelos portos e aeroportos, a marketagem do “muro” e da caçada aos ‘mexicanos’ serve para atiçar sua base de eleitores.

Após o deslocamento em massa de fábricas para o exterior, para os países asiáticos de baixíssimos salários, ter esvaziado a indústria nos EUA e devastado e empobrecido comunidades inteiras, agora Trump manipula o ressentimento e percepção de abandono dessas parcelas da população para fazer os imigrantes de convenientes bodes expiatórios, jogando também com o racismo intrincado que persiste na sociedade norte-americana.

Para Oscar Chacon, diretor executivo do Americas Alliance, uma rede de organizações de imigrantes a investida deste fim de semana “é mais um exemplo de uma ação cheia de ódio, com o objetivo de cultivar o medo e a divisão em comunidades e entusiasmar a base de sua campanha eleitoral”.

Como em geral não se anuncia uma batida policial, o objetivo é causar pavor nas famílias imigrantes, que vão passar a viver sob uma ansiedade redobrada. “É como se preparar para um furacão”, disse Melissa Taveras, da Coalizão de Imigração da Flórida, ao USA Today, diante das perguntas das famílias se deviam ir trabalhar ou não, levar seus filhos à escola ou simplesmente mudar de endereço.

ACLU EXIGE AO MENOS UMA AUDIÊNCIA

A principal entidade de defesa das liberdades nos EUA, a União Americana pelas Liberdades Civis (ACLU), impetrou medida judicial contra a incursão de Trump, pedindo que se evite a deportação de famílias em busca de asilo que faltaram às datas da corte até que pelo menos tenham uma audiência.

Em um comunicado, “O plano do governo Trump para prender e deportar milhares de famílias e crianças da América Central sem lhes dar um dia justo no tribunal é ilegal e imoral. … Mais de cem anos atrás, a Suprema Corte decidiu que os imigrantes não poderiam ser deportados sem o devido processo legal. Esses refugiados vulneráveis merecem essa proteção básica”.

A agência anti-imigração de Trump disse que notificou 2.000 pessoas de que enfrentam deportação por não terem comparecido a audiência, mas sob o chamado ‘sistema agilizado’ implantado no ano passado elas sequer ficam sabendo da convocação.

A incursão também poderá causar “prisões colaterais”, ou seja, se a polícia ao procurar um suposto sentenciado com deportação, esbarrar em outro sem-documentos, vai para o campo de concentração também.

Entidades de apoio aos imigrantes estão chamando a população a se solidarizar com as vítimas pretendidas por Trump. “Quando as batidas do ICE acontecerem, ajude seus vizinhos. Lembre às pessoas que os agentes do ICE geralmente não têm mandatos, então eles não precisam abrir a porta”.

“Faça tudo que puder para fazer as crianças, que o governo Trump quer jogar fora, saberem que ‘no están solos’ – não estão sós”, reiteram. Como muitas vezes pais imigrantes sem documentos têm filhos com cidadania norte-americana, por terem nascido em solo dos EUA, a investida ameaça criar órfãos de pais vivos e deportados.

Governos estaduais como o da Califórnia e de New Jersey reiteraram sua oposição à batida em massa da gestapo da fronteira e seis das dez cidades alvo são “cidades santuário”, que dão proteção aos refugiados. A nova prefeita de Chicago, Lori Lightfoot, afirmou que está fazendo “tudo que podemos para parar” a investida do governo Trump e ordenou ao departamento de polícia que negue acesso ao seu banco de dados.