No debate, Trump ataca a democracia e defende a supremacia branca
O primeiro debate presidencial da temporada eleitoral de 2020 na noite passada (29) foi um momento sombrio na história política – um momento em que um presidente em exercício, Donald Trump, veio preparado não para discutir questões, mas para destruir mais uma norma democrática: os debates presidenciais.
Além disso, tentou deslegitimar ainda mais a eleição, questionando os votos pelo correio de cerca de metade da população, recusando-se a concordar com uma transferência pacífica de poder e ameaçando que “isso não vai acabar bem.”
Por Mark Gruenberg e Chauncey K. Robinson (*)
Trump passou grande parte da noite atacando abertamente a democracia. Gritou contra a suposta fraude eleitoral nos votos enviados pelo correio, mentiu sobre transições presidenciais pacíficas, alegando que elas nunca ocorreram, e não se comprometeu a aceitar os resultados se perder a eleição deste ano. Mas foi o apoio a ele dos supremacistas brancos que gerou mais indignação.
Durante e após o debate, a mídia social reverberou conversas sobre o incentivo de Trump aos supremacistas brancos para agirem em seu nome. “Você está disposto, esta noite, a condenar os supremacistas brancos e grupos de milícia e dizer que eles precisam se afastar?”, perguntou o moderador Chris Wallace.
Quando finalmente foi encurralado na recusa em condenar a supremacia branca, Trump disse aos Proud Boys (uma organização neofascista de extrema direita exclusivamente masculina), para “recuar e aguardar”. Em essência ele dizia à direita radical: esteja pronta para agir. Foi um chamado às armas. Ele insiste que “a esquerda radical” é culpada pela violência nas cidades dos EUA, apesar de seu próprio FBI mostrar que é a direita radical que representa o principal perigo para a segurança interna. Em seguida, Trump disse, referindo-se aos Proud Boys: “Vou te dizer uma coisa, alguém precisa fazer algo sobre a antifa e a esquerda. Este não é um problema da direita, é um problema da esquerda.”
Estas palavras se espalharam rapidamente – especialmente para os próprios membros do Proud Boys. Membros do grupo neofascista celebraram a resposta de Trump em vários canais da mídia social. A conta de mídia social dos Proud Boys no Telegram postou dois vídeos sobre a resposta de Trump. Um vídeo tinha a legenda “Deus. Família. Fraternidade”, com um homem gritando para a TV, empolgado com o apelo de Trump a sua organização.
Outro membro comentou no aplicativo que o grupo já estava via um aumento no número de “novos recrutas”. O organizador dos Proud Boys, Joe Biggs, afirmou online que, “Trump basicamente disse vá se f **! Isso me deixa muito feliz.”
Depois que Trump deu publicidade gratuita à organização de supremacia branca durante o debate, os membros do grupo comemoraram online.
Em sua conta oficial do Telegram, os Proud Boys mostraram uma nova camisa que estão vendendo com as palavras de Trump.
Biden, candidato do Partido Democrata, e ex-vice-presidente, observou que o Diretor do FBI Christopher Wray testemunhou recentemente que praticamente em todos os EUA a violência política vem da extrema direita. Biden observou que antifa – abreviação de antifascistas – “é uma ideia”, não um grupo organizado. Trump interrompeu para condenar o antifascismo, levando Biden a retrucar: “Quer calar a boca, cara?” E assim foi, por mais de 90 minutos, reduzindo o tempo disponível para a discussão das questões importantes.
Os supremacistas brancos Proud Boys foram rápidos em capitalizar o apoio de Trump. Imediatamente postaram uma imagem de seu logotipo.
Três anos atrás, Trump aplaudiu o ódio branco pelo “outro” ao elogiar como “pessoas muito boas” os neonazistas que se atuaram em Charlottesville (Virgínia) matando a pacífica contra manifestante Heather Heyer e ferindo dezenas de outras pessoas. Os Proud Boys, que se autodenominam “chauvinistas ocidentais” – mais palavras em código – também estavam na turba neonazista em Charlottesville.
Como se isso não bastasse, Trump reiterou o slogan racista de “lei e ordem”, que o candidato presidencial segregacionista George Wallace popularizou em 1968. Trump desafiou Biden a pronunciar as mesmas palavras, e o ex-vice-presidente declarou que traria “lei, ordem e justiça.”
“Tem havido mais violência sob você”, disse Biden a Trump, citando dados do FBI. No governo anterior, do democrata Obama, disse Biden, o crime diminuiu em porcentagens de dois dígitos. Biden era o vice-presidente.
E Biden, não Trump, também reconheceu que os EUA tiveram anos de sistemas desiguais, como economia, saúde e sistema de justiça criminal, para os negros. Trump nem mesmo respondeu a essa pergunta.
O debate sobre o nacionalismo branco de Trump foi uma das muitas trocas irritadas entre os dois contendores – trocas quase sempre marcadas pelas interrupções de Trump a Biden, tanto que Wallace teve que intervir repetidamente para calar Trump.
“Parecia que ele (o moderador) estava ensinando no jardim de infância”, disse uma ex-professora de educação infantil em Maryland. “Para Trump, foi como uma luta de boxe verbal”, acrescentou ela.
A mídia de direita fez sua parte para controlar os danos causados pelo desempenho agressivo de Trump, que certamente afastou muitos eleitores. A Fox News e outros órgãos tentaram empurrar a noção de que “ambos os lados” – Trump e Biden – foram responsáveis pelo caos na televisão e explicaram o comportamento agressivo de Trump como um hábito do presidente “chegando muito quente” por causa de sua suposta paixão por lutar pelo povo dos EUA.
O próprio Trump tentou enquadrar o debate como se fosse ele contra Biden e Wallace, o moderador. Por meio de uma série de tweets e retweets, Trump e seus apoiadores tentaram reprimir Wallace e alegar que o debate era um exemplo de “notícias falsas”, e que a mídia o odiava. Foi uma tentativa clara de reviver o personagem que interpretou em 2016 – o forasteiro enfrentando o “sistema obscuro”.
As ideias de Trump – ou a falta delas – eram outra questão. Entre o estímulo, a ostentação e as interrupções de Trump, o debate apresentou algumas diferenças importantes entre os candidatos.
Biden prometeu que respeitaria os resultados da eleição, sejam quais forem, acrescentando que pediria a seus apoiadores “para ficarem calmos”. Trump se recusou a fazer o mesmo; ao contrário, incitou seus apoiadores a comparecerem aos locais de votação para ver todos votarem – essencialmente, uma chamada para intimidação dos eleitores.
“Aceitarei [os resultados] e ele também”, previu Biden. “E eu serei um presidente dos democratas e dos republicanos.” Essa foi uma referência indireta ao corte de impostos feito por Trump, de US $ 1,7 trilhão para os ricos. Que Biden novamente prometeu revogar. Trump disse abertamente que queria que o corte de impostos prejudicasse os trabalhadores e os moradores de estados e cidades azuis (democratas). Dados federais mostram como isso eliminou deduções, inclusive para impostos estaduais e locais e contribuições sindicais.
Trump também atacou a votação pelo correio, no momento em que ela já acontece em grande parte do país devido à ameaça à saúde e ao perigo de ficar nas filas para votar durante a pandemia do coronavírus. Biden respondeu que o voto pelo correio é seguro e tem sido usado desde a Guerra Civil, incluindo em cinco estados que votaram totalmente pelo correio por pelo menos uma década.
“Ele não tem ideia do que está falando”, disse Biden após as mentiras de Trump e seu discurso retórico sobre a votação pelo correio. “Assim que o vencedor for declarado após todas as cédulas serem contadas, será o fim de tudo.”
Trump continuou se gabando da “grande” economia que supostamente produziu, embora admitisse que a pandemia de coronavírus a prejudicou. Ele também afirmou que a economia está voltando agora, o que levou Biden a retrucar que não se pode simplesmente medir a economia pelo aumento do mercado de ações.
O que não foi dito: os governadores do país, principalmente nos estados azuis (democratas) tiveram que intensificar e fechar a economia para tentar conter o vírus, que matou 206.036 pessoas, oficialmente, entre os 7.193 milhões que tiveram teste positivo nos EUA. Isso é um quinto do total de mortes no mundo, Biden observou.
“Ele não tem nenhum plano” para combater o coronavírus ou qualquer outra coisa, disse Biden. “Ele sabia em fevereiro” do tamanho da ameaça. “Ele não fez nada.”
Em outra mentira, Trump acusou, sem comprovar, dizendo que Biden nada teria feito a respeito do vírus, e morreriam dois milhões de pessoas.
Em contraste, Biden apontou que Trump herdou uma economia mais forte depois que a lei de estímulo do presidente democrata Barack Obama ajudou a retirá-la da Grande Recessão de 2008. Biden, como vice-presidente de Obama, administrou esse estímulo, que incluiu salvar a indústria automobilística dos EUA, um importante motor econômico em Ohio, local onde o debate ocorreu, e também no instável estado de Michigan. Sob Trump, disse Biden, a economia despencou.
A criação de empregos, observou Biden, primeiro desacelerou e agora se reverteu sob Trump, devido à depressão causada pelo coronavírus. “Ele será o primeiro presidente a deixar o cargo com menos empregos do que quando entrou”, disse Biden.
Apontando diretamente para o público, Biden perguntou: “Vocês que estão em casa, como estão?”
Mas Biden também admitiu que a economia, em recuperação ou não, é injusta para negros, pardos e outras pessoas de cor. Como na campanha, prometeu começar a tentar consertar isso. Trump não respondeu à pergunta.
Mas Biden declarou que seu plano econômico, incluindo projetos verdes, como reforma de prédios e conversão de toda a frota federal de 600.000 unidades em veículos elétricos, produziria empregos bem remunerados em fábricas nos EUA. Na campanha, Biden insere a palavra “sindicato” depois de “bem pagador”. Ele não o fez durante o debate, mas pediu que os empregos criados pagassem os salários vigentes, não apenas o mínimo.
A omissão em mencionar os $ 600 de benefícios federais ao desemprego, que os republicanos deixaram expirar, foi uma oportunidade perdida por Biden. Destacar a situação de dezenas de milhões de cidadãos desempregados teria sido uma réplica poderosa às afirmações de Trump de ser forte na economia.
Sobre o meio ambiente, Biden foi mais meticuloso, reconhecendo que, de acordo com seu plano, não seriam construídas mais usinas elétricas a carvão ou petróleo e os EUA se esforçaria por chegar a “emissões líquidas zero de gases de efeito estufa até 2050”. Os gases de efeito estufa, provenientes do uso de combustíveis fósseis, são uma das principais causas do aquecimento global. As novas usinas elétricas seriam movidas a energia solar, prometeu Biden.
Trump não respondeu à pergunta de Wallace sobre se ele acredita na mudança climática, além de culpar a China pela poluição e também pela pandemia do coronavírus. Intensificando sua calúnia racial, Trump chamou o vírus de “a praga da China”.
Trump também usou repetidamente o New Deal Verde, que Biden não apoia nominalmente, para acusá-lo de “socialismo”, o insulto favorito do Partido Republicano dirigido a democratas de todos os matizes e em todos os níveis.
Trump também acusou falsamente Biden de apoiar a medicina socializada, o que Biden negou. Biden se opõe ao programa Medicare for All promovido pelo senador Bernie Sanders e pela deputada federal Alexandria Ocasio-Cortez, entre outros. Respondendo a Trump, Biden reiterou que expandiria a opção para o Affordable Care Act (ACA), especialmente para as pessoas que agora recebem o Medicaid.
Pensando que tinha puxado Biden para uma armadilha sobre o Medicare for All, Trump zombou: “Você acabou de perder a esquerda.”
O ex-vice-presidente, por sua vez, destacou o fato de Trump apoiar a eliminação total da ACA, que estendeu a cobertura de saúde a 20 milhões de pessoas. Mas eles, e 10 milhões de outras pessoas, agora o perderam porque ficaram desempregadas na depressão causada pelos fechamentos forçados pelo coronavírus.
Biden, em particular, fez um ponto com a ACA também ao denunciar a pressa de Trump em colocar a juíza de apelação federal Amy Coney Barrett na Suprema Corte. Os juízes vão ouvir um estado vermelho (republicano), processo apoiado por Trump para derrotar a ACA apenas uma semana após a eleição.
Trump não disse, como fez antes, que quer Barrett no tribunal caso este tenha que decidir os desafios eleitorais. Ele disse que espera que os juízes lidem com as lutas pós-eleitorais, porém, e deixou claro que quer um tribunal favorável a ele.
Trump se gabou da reabertura da economia e das escolas do país, apesar da ameaça do coronavírus. Ele também se gabou das “enormes multidões” em seus comícios e negou que a falta de distanciamento social e uso de máscaras ajudem a espalhar o vírus. Ele não mencionou exigir que os participantes assinassem isenções prometendo não processar a campanha de Trump se pegassem o vírus.
Sua declaração de que seus comícios não contribuem para a disseminação do vírus contradiz totalmente as evidências de seu próprio comício em Tulsa, Okla. Lá, o vírus se espalhou para seu próprio destacamento do Serviço Secreto e matou um adversário presidencial do Partido Republicano em 2016, Herman Cain.
Em vez de reconhecer a necessidade de distanciamento social, uso de máscaras e outras medidas de saúde pública, Trump ridicularizou Biden por usar uma máscara e reforçou a noção de que a pandemia não é tão grave.
“Ele não tem nenhum plano”, era um refrão de Biden sobre Trump não apenas sobre o vírus, mas sobre outras questões. Biden destacou que emitiu planos anti-coronavírus abrangentes em março e maio e prometeu confiar nos cientistas e em seus conselhos sobre o que fazer. Trump, como sempre, rejeitou a ciência.
“Ele tem sido totalmente irresponsável em não encorajar” o uso de máscaras antivírus e em não fornecer equipamento de proteção pessoal contra o vírus aos trabalhadores da linha de frente, disse Biden sobre Trump. “Ele é um idiota.”
(*) Mark Gruenberg dirige o escritório de “People’s World” em Washington. É também editor da Press Associates Inc. (PAI), uma agência de notícias sindicais. Chauncey K. Robinson é editora de mídia social da “People’s World”. Com colaboração de John Wojcik e C.J. Atkins.
(BL)