Nivaldo Santana: novos riscos para os sindicatos
Desde 1º de maio de 1943, vigora no país a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Com quase mil artigos, a CLT elevou o patamar de direitos dos trabalhadores, definiu os parâmetros da organização sindical e o papel da Justiça do Trabalho para arbitrar conflitos trabalhistas individuais e coletivos.
Por Nivaldo Santana*
Com o fim do regime militar, novos avanços foram alcançados na área do trabalho. A Constituição Federal, em seu capítulo II, dos direitos sociais, incorporou diversos direitos previstos na CLT e criou outros novos.
O artigo 7º, por exemplo, tem 34 incisos sobre direitos sociais, o artigo 8º assegurou a liberdade, autonomia e unicidade sindical, a estabilidade dos sindicalistas, a participação obrigatória dos sindicatos nas negociações coletivas, as fontes de custeio, etc.
Depois da Constituição de 1988, os sindicatos ficaram livres para elaborar os seus estatutos (foi abolido o estatuto-padrão), fixar as cotizações, aprovar programas de ação, disciplinar o processo eleitoral, tudo sem interferência ou intervenção do Estado.
Nos seus 76 anos, a CLT sofreu centenas de modificações, para adequá-la à evolução do mercado de trabalho, sem desfigurar o seu conteúdo básico e, mais do que isso, dando status constitucional a muitos dos seus artigos.
Essa realidade começa a sofrer um radical retrocesso a partir do governo ilegítimo de Temer. Em 2017, foi aprovada a reforma trabalhista e sindical que, entre outros retrocessos, cria o chamado trabalho intermitente (legaliza o trabalho precário), adotando o conceito de prevalência do negociado sobre o legislado, rasgando, na prática, a CLT e acaba com a contribuição sindical obrigatória.
Há em curso uma viragem completa nos direitos trabalhistas e sindicais do país. Antes, a CLT e a Constituição eram o patamar mínimo de direitos a partir dos quais os sindicatos negociavam com os patrões novos avanços. O que era piso, agora virou teto.
Para facilitar a aplicação desse saco de maldades, o governo também procura fragilizar os sindicatos, corta parte importante de suas fontes de custeio, e limita ao máximo a ação da Justiça do Trabalho, com a cobrança de custas e multas judiciais dos trabalhadores.
Mas tragédia pouca é bobagem! Com o governo Bolsonaro, os ataques aos direitos e à organização sindical adquirem novo impulso. O programa de governo bolsonarista prega a criação da carteira de trabalho verde e amarela e o fim da unicidade sindical.
Para realizar essa tarefa, foi criado o chamado Grupo de Altos Estudos do Trabalho (GAET), com a missão de preparar uma proposta de emenda constitucional para construir uma nova legislação trabalhista e sindical no país.
No terreno da organização sindical, os integrantes do GAET, grupo que não conta com representação dos trabalhadores, não escondem os seus objetivos: querem fragmentar e pulverizar a organização sindical brasileira, com a adoção do pluralismo.
O pluralismo sindical é uma concepção liberal que parte do pressuposto de que os direitos e interesses individuais devem prevalecer sobre os direitos coletivos, de classe. Setores da cúpula do movimento sindical, contrariando suas próprias bases, abraçam essas teses liberais.
Independentemente das concepções sindicais de cada central, é importante ficar atento à experiência histórica. Os direitos dos trabalhadores e os avanços do movimento sindical dependem do ambiente político, da correlação de forças, da existência de governos democráticos.
Na conjuntura atual, com um governo de extrema-direita, é temerário, para não dizer um erro grave, embarcar na canoa furada de mexer na Constituição, imaginando que sejam possíveis regras mais avançadas para os trabalhadores e suas representações de classe.
Mais do que nunca, as centrais sindicais, as confederações, as federações e o conjunto do movimento sindical devem construir uma sólida unidade em defesa dos direitos dos trabalhadores consagrados na Constituição e na CLT.
Na questão da organização sindical, mexer no artigo 8º da Constituição, principalmente no dispositivo que assegura a unicidade sindical é dar um tiro no pé. O simples debate desta possibilidade joga água no moinho dos nossos adversários políticos.
São legítimas as diferentes concepções sobre organização sindical e cada uma das centrais tem o direito de defender suas propostas. Mas não é disso que se trata no momento, e sim de uma avaliação equilibrada da complexidade política atual.
Fica o alerta: o mar não está para peixe, baixar a guarda agora e abrir um debate a respeito de uma radical mudança na organização sindical pode ser um desastre de graves consequências para o sindicalismo brasileiro.