Nivaldo Santana: Novos desafios para o sindicalismo
O movimento sindical precisa reagir, evoluir em suas formas de organização e de atuação. Uma questão essencial é valorizar e fortalecer os sindicatos, organizações insubstituíveis para defender os direitos dos trabalhadores.
Por Nivaldo Santana*
Estudiosos do movimento sindical consideram que o auge do sindicalismo nos países capitalistas do Ocidente foi no chamado anos de ouro do capitalismo pós-guerra mundial, de meados da década de 40 até o início da década de 70 do século passado.
Este é o período do estado do bem-estar social, com ampla garantia de direitos, sistemas avançados de Previdência, bons salários e sindicatos fortes. Na organização do trabalho predominava o sistema fordista, baseado em produção e consumo de massas, trabalho simplificado, hierarquia e disciplina rígidas.
A partir dos anos 1970, no entanto, as economias capitalistas do Ocidente sofrem sucessivos baques e perdem o dinamismo. Destaque para o fim do acordo de Bretton-Woods e do padrão dólar-ouro, crises do petróleo e das dívidas, instabilidade macroeconômica, entre outros pontos. O refluxo econômico leva à progressiva substituição das políticas keynesianas para o neoliberalismo. Os governos Ronald Reagan (1981-1989) nos EUA e Margaret Thatcher (1979-1990) são exemplos dessa reorientação.
No Brasil, algo próximo ao estado de bem-estar social foi o nacional-desenvolvimentismo da Era Vargas (1930-1980). Nesses anos, o Brasil foi um dos países que mais cresceram no mundo. O país se tornou uma das dez maiores economias do mundo, se industrializou, se urbanizou e constituiu uma grande classe operária, amplos setores médios assalariados e viveu uma relativa mobilidade social.
Dentro deste contexto, a organização sindical deixou de ser caso de polícia, como se pregava na República Velha. Com a CLT de 1943, por exemplo, foram consagrados os direitos básicos dos trabalhadores, houve o reconhecimento legal dos sindicatos e da Justiça do Trabalho. Mesmo com as vicissitudes políticas desse período, como os vinte e um anos da ditadura militar no Brasil, a estrutura básica do movimento sindical e os direitos trabalhistas foram mantidos.
Com o fim do regime militar, novos avanços foram alcançados. A mais importante foi a Constituição de 1988, que assegurou a liberdade, autonomia e unidade sindical, viabilizou fontes de sustentação financeira para as entidades sindicais, garantiu o direito de greve, a sindicalização dos trabalhadores do setor público e constitucionalizou ampla gama de direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, como os 34 incisos previstos no artigo 7º da Carta Magna.
Mas o Brasil, embora tardiamente, também acabou por ingressar na onda neoliberal e sua agenda do estado mínimo e redução dos gastos sociais e do custo da força de trabalho. Paralelamente à agenda neoliberal, a organização do trabalho no Brasil acompanhou as mudanças ocorridas em todo o mundo. O esgotamento do fordismo e uma transição com o chamado toyotismo.
As características do toyotismo, ao contrário do fordismo, são empresas enxutas, flexíveis, com foco no produto principal, desverticalização e subcontratação de empresas. É o período do trabalhador polivalente, capaz de executar várias atividades: controlar a qualidade, ajudar na manutenção e operar simultaneamente diversas máquinas. Vem deste período os modelos conhecidos como just-in-time, círculos de controle de qualidade e avanço da automação.
A combinação desses fatores – globalização neoliberal e reestruturação produtiva – está na base da nova agenda do capital. Surgem daí as reformas trabalhistas, previdenciárias e sindicais, fragilização dos sindicatos, limitação do papel da Justiça do Trabalho e flexibilização dos direitos trabalhistas, encobertos com a falácia do negociado prevalecer sobre o legislado.
As alterações na organização do trabalho são aceleradas com a chamada 4ª revolução industrial ou indústria 4.0, com o uso ampliado da inteligência artificial e a progressiva substituição do trabalho humano por robôs em diferentes setores industriais e de serviços.
Não há consenso quanto os efeitos dessas mudanças no mercado de trabalho (o desenvolvimento tecnológico e o aumento da produtividade não podem ser associados automaticamente ao aumento do desemprego). O fato é que elas impactam a organização sindical, na medida em que, como foi dito acima, o modelo sindical no Brasil ainda é profundamente baseado no fordismo e nas grandes concentrações de trabalhadores como espaço principal de mobilização sindical.
É neste contexto que irrompe a maior crise sanitária em cem anos, com a pandemia da Covid- 19. Os grandes impactos da pandemia afetam a economia profundamente, em particular o mercado de trabalho. No Brasil, o que se vê é o aprofundamento da precarização do trabalho. Aumentam o desemprego, a informalidade e diminui o número de trabalhadores no mercado formal protegidos com direitos trabalhistas, previdenciários e sindicais.
Mesmo antes da pandemia, já estava em curso um processo acelerado de individualização das relações do trabalho, principalmente com trabalho desregulamentado com plataformas digitais/aplicativos. Com a pandemia, cresceu muito o teletrabalho (home office), atingindo cerca de 9 milhões de trabalhadores. O Ipea avalia que o pós-pandemia deve manter algo em torno de 27% dos trabalhadores exercendo suas atividades nesta modalidade, o que criará dificuldades adicionais para o trabalho sindical.
Nesse quadro, o movimento sindical precisa reagir, evoluir em suas formas de organização e de atuação. Uma questão essencial é valorizar e fortalecer os sindicatos, organizações insubstituíveis para defender os direitos dos trabalhadores. A defesa dos sindicatos e de sua sustentação material devem vir associada à defesa da legislação trabalhista e da regulamentação de todos os tipos de trabalho. Para isso, também é importante valorizar o papel da Justiça do Trabalho e defender a volta do Ministério do Trabalho.
Para enfrentar com êxito os novos desafios, o sindicato precisa ampliar a sua base de representação, incorporando terceirizados, trabalhadores temporários, intermitentes e os desempregados. Além disso, é preciso atuar também nos locais de moradia e estudo dos trabalhadores e diversificar a pauta sindical, incluindo atividades culturais, de formação, de esporte e lazer.
Uma prioridade para o período é regulamentar o trabalho com plataformas digitais/aplicativos. Esses milhões de novos trabalhadores precisam ter definição de jornada de trabalho, remuneração, folga, férias, assistência à saúde, Previdência etc.
Outro dado relevante é a necessidade de o sindicalismo incorporar as modernidades tecnológicas em sua atuação. Usar as ferramentas digitais para comunicação (menos papel e mais mensagens digitais) organização dos trabalhadores, como a criação de grupos de WhatsApp, mobilização, formação sindical e política explorando as potencialidades das redes sociais. Tudo isso em justo equilíbrio com as atividades presenciais.
Nessa linha, os estatutos das entidades sindicais precisam se atualizar e prever o uso das ferramentas digitais para a realização de reuniões, assembleias, congressos, eleições sindicais virtuais e campanhas de sindicalização e de finanças.
Por último, mas não menos importante, dentre as tarefas do sindicalismo deve-se incluir a necessidade de os quadros sindicais terem maior protagonismo na luta política, lutar em defesa da democracia e dos direitos. Na atualidade, fortalecer a luta pela constituição de uma ampla frente política e social para isolar e superar o governo Bolsonaro é uma grande prioridade.
O protagonismo político dos trabalhadores inclui a participação nas eleições. Líderes sindicais devem apresentar seus nomes como candidatos, colocar-se como dirigentes de campanhas, levar a voz dos trabalhadores para os parlamentos e os executivos. O sindicalismo de orientação classista precisa associar a luta sindical à luta política para superar a conjuntura difícil e abrir novas perspectivas para os trabalhadores.
*Secretário Sindical do PCdoB e secretário de Relações Internacionais da CTB