Após perder a eleição para o parlamento israelense, já com um bloco de 61 dos 120 deputados ao Knesset formado para formar novo governo sob o comando do opositor Benny Gantz (por sua vez com mandato para indicar gabinete ministerial entregue pelo presidente Reuven Rivlin), Netanyahu – usando o pretexto de que o Covid-19 traria risco à saúde dos deputados mandou o presidente do Knesset, Edelstein, se negar a abrir as sessões.

O Knesset deveria reabrir no dia 18, para dar posse aos deputados eleitos duas semanas antes. Sob o mesmo pretexto, o réu por fraude, suborno e quebra de confiança, que teria a primeira audiência para responder pelas acusações do Ministério Público contra ele, orientou o ministro da Justiça, Erdan, a baixar ordem para que as audiências judiciais fossem suspensas. A primeira audiência com Netanyahu no banco dos réus deveria ter acontecido no dia 17.

No dia 19, formou-se uma carreata de israelenses em protesto contra os atentados de Netanyahu à democracia. Ela foi bloqueada ao se aproximar de Jerusalém. Uma das manifestantes, que teve a passagem do seu carro barrado, questionou o policial que comandava a operação sobre o porquê do bloqueio, obteve a seguinte resposta: “É assim. Essas são as ordens”.

O presidente israelense manifestou seu repúdio às medidas ditatoriais tomadas a mando de Netanyahu no vale-tudo para se safar da perda do mandato e da cadeia. “O coronavírus não pode ser usado como pretexto para sabotar a democracia israelense”, afirmou o presidente Rivlin.

O bloco opositor, Azul e Branco (Kahol Lavan), entrou com uma petição na Corte Suprema de Israel contra a agressão de Netanyahu ao que resta de democracia no país.

Após entregar a petição, Benny Gantz alertou que “muitos israelenses entendem que não devemos silenciar diante de movimentos que buscam destruir nossa democracia”.

A Corte Suprema, dirigida pela presidente Esther Hayut e os juízes Hanan Melcer, Neal Hendel, Uzi Vogelman e Isaac Amit, deve se reunir neste domingo para analisar a petição.

O historiador e escritor Yuval Noah Harari, autor do best-seller “Saoiens – Uma breve história da Humanidade”, uniu-se aos que denunciam o uso do coronavírus por parte de Netanyahu para destruir a democracia.

“Netanyahu perdeu as eleições. Então, sob o pretexto de combater o coronavírus, fechou o parlamento e baixa todo tipo de decreto que deseja. Isso se chama ditadura”, denunciou o professor da Universidade Hebraica de Jerusalém, Harari, em declaração do dia 19.

Ele acrescentou que “na Itália, Espanha e França decretos emergenciais foram expedidos por governos que o povo elegeu. Isso é legítimo. Os decretos emergenciais israelenses são baixados por alguém que não tem mandato do povo. Isso é ditadura”.

Yair, o irascível filho de Netanyahu, respondeu a Harari chamando-o de “estúpido”: “É um exemplo de como um professor esperto pode ser estúpido sobre política”.

Disse ainda que as medidas ditatoriais de seu pai estariam certas pois servem para impedir a posse de um governo “com apoio dos que glorificam os esmagadores de crânios de bebês”, numa referência ao apoio da Lista Conjunta (de predominância árabe-israelense) ao opositor Gantz como primeiro-ministro para suceder o corrupto Netanyahu.

Estes atentados de Netanyahu ao que resta de democracia em Israel se fazem possíveis porque a cultura ditatorial se nutriu durante décadas da opressão do povo palestino.

Foi o que preconizou o filósofo e teólogo Yeshayahu Leibowitz, professor de Química da Universidade Hebraica de Jerusalém e editor da Enciclopédia Hebraica, em seus pronunciamentos, entrevistas e documentos produzidos desde meses após o início do drama dos territórios ocupados após a Guerra dos Seis Dias até seus últimos dias:

Ele avisou que “a ocupação dos territórios tornaria Israel em um agente da opressão, com seus cidadãos chamados em números crescentes a policiar os palestinos”.

“Israel”, dizia Leibowitz, “tem que se libertar da maldição de dominar outro povo”.

A prolongada dominação sobre outro povo, prosseguia, “trará uma catástrofe sobre todos os judeus”.