WASHINGTON, DC - MAY 13: U.S. Rep. Alexandria Ocasio-Cortez (D-NY) speaks during a rally at Howard University May 13, 2019 in Washington, DC. The Sunrise Movement held an event for the final stop of the "Road to a Green New Deal" tour to "explore what the pain of the climate crisis looks like in D.C. and for the country and what the promise of the Green New Deal means." (Photo by Alex Wong/Getty Images)

Não basta sermos “progressistas”. Para lidar com os muitos problemas que enfrentamos hoje, precisamos dar o nome do sistema que está por trás de todos eles, o capitalismo – e lutar pela única alternativa viável, o socialismo.

Por Natasha Fernández-Silber (*) 

Uma pergunta que ouvimos frequentemente como organizadores socialistas é se é realmente necessário usar a palavra “s” – socialismo! – quando se fala de questões como o Medicare for All, habitação acessível ou Green New Deal (Novo Acordo Verde). Não podemos ignorar todos esses “ismos” e apenas “fazer o trabalho”?

É uma questão justa, já que, durante décadas, a maioria dos ativistas da esquerda progressista evitou identificar-se como socialistas (ou mesmo criticar abertamente o capitalismo). Mas também é justo perguntar: onde é que todo este “trabalho” à prova da Red Scare (“Ameaça Vermelha”), sem ideologia, nos levou?

Donald Trump está sentado na Casa Branca. Três bilionários possuem mais riqueza do que os 90% mais pobres da população dos EUA. E a mudança climática representa uma ameaça iminente e existencial para a civilização humana.

Nós estamos numa encruzilhada. Se queremos garantir um mundo habitável para nós e para as gerações futuras, não podemos continuar a aceitar a derrota. Mas também não podemos vencer se as nossas políticas forem tímidas demais para dizer a verdade sobre os desafios que enfrentamos e sobre quem é culpado por eles.

E eis a verdade: a crise climática, a crise da desigualdade de renda, a crise imobiliária (e tantas outras) foram todas causadas pelo mesmo poderoso e pernicioso “ismo”. É chamado capitalismo – um sistema econômico projetado para explorar infinitamente o trabalho humano e extrair infinitamente recursos naturais do planeta. Um sistema que gera lucros para um punhado de ricos, enquanto muitos sofrem, que trata as pessoas e suas comunidades como meras oportunidades de investimento, a ser abandonado quando não é mais lucrativo.

Nada ilustra melhor essa realidade do que a crise climática. Apenas cem empresas são responsáveis por mais de 70% de todas as emissões globais de gases de efeito estufa. Os militares dos EUA emitem mais CO2 do que a maioria dos países. A crise climática tem sido causada não por nossos hábitos individuais de consumo, mas pela obscena desigualdade de riqueza, por guerras perpétuas por petróleo, pela constante necessidade de crescimento e de novos mercados, por bilionários que usam seu excesso de riqueza para comprar governos.

A crise climática simplesmente é uma crise do capitalismo, e não existe uma “solução de mercado” para enfrentá-la. Parafraseando a famosa frase, devemos substituir o capitalismo por um sistema econômico mais sustentável – ou enfrentar a barbárie e a extinção.

Ainda assim, trinta anos depois da Guerra Fria, o capitalismo continua a receber uma reverência religiosa quase ininterrupta no discurso político dos EUA. Todos os candidatos presidenciais democratas de 2020 (com exceção de um) defendem com entusiasmo o capitalismo. Pete Buttigieg se identifica como um orgulhoso “capitalista democrático”. Até mesmo Elizabeth Warren sente a necessidade de afirmar repetidamente que “acredita em mercados” e descreve a si mesma como “capitalista até os ossos”. De acordo com ela, as desgraças que enfrentamos como sociedade não são culpa do capitalismo, mas de algumas maçãs podres que manipulam o sistema para seu benefício. Nós não precisamos acabar com o capitalismo, diz ela, mas simplesmente consertá-lo.

Certamente, há lugar para políticas tecnocráticas inteligentes em qualquer plano de sobrevivência. Mas, à medida que nos aproximamos do apocalipse, poderíamos parar e imaginar por que tais “consertos” nunca parecem funcionar por muito tempo. Por que, apesar de todos os gênios educados em Harvard que frequentam os corredores do Congresso ao longo dos anos, as emissões de gases do efeito estufa aumentam sem parar, a desigualdade social cresce exponencialmente e nossas expectativas de vida diminuem. Talvez, em vez de encontrar maneiras de salvar o capitalismo de si mesmo, devêssemos começar a descobrir como nos salvar do capitalismo.

Do atual campo de candidatos esperançosos para 2020, apenas Bernie Sanders tem “um plano para isso”. E é chamado de socialismo democrático, um sistema econômico no qual os “meios de produção” – nossas fábricas, nossas empresas e nossos recursos naturais, etc – são apropriados coletivamente e controlados, para que a democracia funcione não apenas no campo da política eleitoral, mas também nos nossos locais de trabalho e na vida econômica.

É um sistema no qual os fundamentos da sobrevivência e liberdade humanas (como saúde, educação, moradia, empregos, aposentadoria, meio ambiente) não são comprados e vendidos no mercado, mas tratados como direitos humanos garantidos a todas as pessoas. É um sistema em que trabalhamos não para lucrar com o lucro, mas para garantir que todos em nossa sociedade tenham o que precisam para ter uma vida feliz, plena e saudável.

Como seria a vida de um trabalhador comum em tal sistema? Todos os dias, acordaria em uma moradia de qualidade, acessível, construída ou subsidiada pelo seu governo. Se tem filhos, eles vão para uma escola pública de qualidade ou são deixados em uma creche gratuita. Você pegaria um trem ou ônibus elétrico para trabalhar em uma empresa que você possua ou controle. Em vez de lidar com algum tirano mesquinho que manda em você, ou competir com seus colegas de trabalho por alguma promoção boba, você poderia se concentrar no que interessa: fazer um produto melhor com seus colegas e contribuir para um mundo melhor.

Se você se entediar e quiser mudar de emprego, poderia voltar para a escola, de graça, e aprender novas habilidades. Haveria também um monte de novos empregos, financiados pelo governo, para consertar a infraestrutura, limpar e proteger o meio ambiente, fazer arte, ensinar e cuidar de pessoas idosas. E já que você teria cuidados de saúde e abrigo, não importa o que, poderia um dia começar sua própria empresa, ou dar uma pausa no trabalho para escrever o romance em que está pensando. Ainda haveria dores, doença, envelhecimento, morte. Mas você teria tempo, recursos e apoio social necessários para lidar com eles de maneira digna e humana.

Nós podemos construir este mundo, sem dúvida. Mas para fazer isso, o “progressismo” não é suficiente. Não podemos esperar que nossos superiores intelectuais venham com “planos” para nos salvar. As pessoas comuns devem se capacitar para encontrar suas próprias soluções em relação às suas circunstâncias econômicas e políticas. Precisamos da luta de classes – guiada pelos princípios do socialismo democrático – no trabalho, nas ruas e nas campanhas eleitorais. Os muitos devem se levantar como leões contra os poucos para exigir um mundo melhor.

Para construir um movimento de massas bem-sucedido devemos construir o poder coletivo em instituições democráticas e autofinanciadas, como sindicatos e a ASD. Não podemos confiar em organizações sem fins lucrativos que são financiadas e controladas por patrocinadores empresariais e pelos doadores ricos que fazem parte de seus conselhos. Essas organizações não desafiam o capitalismo porque são alimentadas pelos capitalistas. O mesmo acontece com a maioria dos políticos, em ambos os principais partidos políticos. Para conquistar o poder, precisamos nos unir em torno de políticos populares, como Bernie Sanders, Alexandria Ocasio Cortez e Rashida Tlaib.

Por muito tempo, partes da esquerda foram isoladas umas das outras, trabalhando em distintas lutas pela justiça racial, desnuclearização, justiça ambiental, reforma das prisões, direitos LGBT, direitos reprodutivos das mulheres, liberdades civis, direitos de imigração e muito mais. Precisamos desenvolver uma análise econômica coerente que nos permita ver a relação entre todas essas questões sob o capitalismo e unir forças quando for preciso.

Quando saímos do armário como socialistas democráticos, nos despedimos da possibilidade de patrocínio empresarial para nosso ativismo, ou de brincarmos com bilionários benevolentes. Mas novas e melhores possibilidades de organização surgem. O socialismo democrático é o futuro – e o futuro é brilhante.

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Natasha Fernández-Silber é advogada, cineasta e co-presidente da Democratic Socialists of America (DSA – Socialistas Democráticos da América) de Detroit (EUA)

Tradução, seleção de trechos e adaptação: José Carlos Ruy