“Não podia perder esse comício”: sobre um sábado de muito frio em agosto
Nove da manhã, e já havia muita gente no Vale do Anhangabaú, a esplanada embaixo do Viaduto do Chá, cercada de edifícios históricos como a Prefeitura, o Teatro Municipal e o Shopping Light. A temperatura, segundo mostrava o celular, era de 8 graus, com um vento enregelante que atravessava a extensão dos 43 mil metros quadrados do vale. Felizmente, não garoava, como anunciou a previsão do tempo.
As barreiras de ferro, no entanto, cercavam muito além do próprio Vale. Era preciso dar longas voltas para chegar a uma abertura das grades e entrar numa área controlada por muita segurança, detectores de metal e revista policial. Mesmo assim, por volta das dez horas, as filas eram enormes e não parava de chegar gente.
A reportagem do Portal resolveu, então, conversar com quem chegava. Eram casais, mães com filhos, jovens trabalhadores da mesma empresa, estudantes, caravanas de jovens negros, idosos sozinhos, desempregados, militantes de coletivos. Seis católicos, seis sem religião, quatro evangélicos e um candomblecista. Gente muito diferente com um sentimento comum na fala: o carinho por Lula. Alguns com um discurso mais articulado, outros apenas expressando a sabedoria popular de quem está vendo e entendendo tudo que acontece na política. Sobre Bolsonaro, a maioria foi indiferente. Poucos foram além do bordão: “ele não governa para os mais pobres”.
As 17 pessoas entrevistadas vinham de Campo Limpo, Vila Mariana, Interlagos e Capela do Socorro, na Zona Sul; de Sapopemba, São Mateus, Vila Ema e São Miguel Paulista, na Zona Leste; da Brasilândia, na Zona Norte; e do João XXII, na Zona Oeste. Outros ainda vinham de municípios distantes como Osasco, Mauá, São José dos Campos e Caraguatatuba. Diziam que saíram muito cedo de casa.
O advogado Cristóvão, 38, disse que acredita em Lula como um projeto que sempre deu certo para o Brasil. A professora Sonia, 59, e o dentista Patrick, 60, disseram que Lula e a esquerda são uma força que não podemos deixar no sofá, em frente à tv. “Tem que vir para mostrar essa força”. Patrick criticou muito as privatizações de bens públicos, que ele considera um sequestro do setor privado. Administrador hospitalar, ele disse que viu as OSs, organizações sociais, administrando a saúde pública. “Tiram todo o lucro que podem, e quando não conseguem mais sugar, cospem o osso”.
O pedreiro aposentado Benedito, 70, veio de Mauá “pra esticar as pernas”. Foi inusitado ouvir que ele vota em Lula, mas não gosta dele. “Com esse frio, é melhor estar andando, do que ficar em casa encolhido. Voto porque ele trabalha pelo pobre. Se andar por aí, você vê gente passando fome, sem dinheiro pra pagar aluguel, expulso com a pandemia, gente que se tivesse uma forcinha de alguém não estava sofrendo tanto. Pra mim, o Bolsonaro não fede, nem cheira, porque tudo que entra lá, pra mim, é igual. Até o Lula”, disse enquanto enfrentava a fila pra entrar.
O casal de adolescentes Sofia e Ana, de 16 e 15 anos, veio de São José dos Campos na maior animação, enroladas numa bandeira do arco-íris. Sofia vai votar pela primeira vez, no que ela considera “a eleição mais importante, desde a redemocratização do Brasil”. “Estou muito emocionada de poder votar no Lula. Eu tinha que vir pra cá, sentir a vibe da eleição. Precisava estar aqui, sentindo tudo isso. Estou muito feliz, muito mesmo!” Sua namorada ainda não vota, mas diz que apoia Lula por causa da ameaça aos direitos de LGBT+.
O grupo de amigos que trabalham na Mercedes-Benz veio em caravana. Wesley, 24, e Luciano, 40, criticaram as perdas trabalhistas que enfrentam. “Levantamos cedo para apoiar o presidente Lula, porque a situação do Brasil não está fácil. A gente que é pai de família sabe muito bem que vai fazer uma compra no supermercado e não consegue mais sustentar a família. Então, a gente tem que trocar esse presidente que está só governando para os ricos. Na família, a gente tem que um ajudar o outro, porque sempre tem um desempregado”, contou Luciano.
Outro grupo grande de jovens amigos veio de São Miguel Paulista, no extremo leste da capital. O artista cênico Anderson, 28, disse que sente muito prazer em votar no Lula. “Não votaria no Bolsonaro, porque não me agrada em suas falas, posturas, ou projetos que me satisfaçam”.
Aquelas pessoas que contam suas dificuldades e suas esperanças em Lula são quem mais comovem entre os entrevistados do comício, pelo significado que tem seu esforço. A copeira desempregada Rosa, 60, veio da Brasilândia reclamando que “o governo que está, aí, não existiu”. Perto dela estava a vendedora de cocada em semáforos de São Mateus, Juvenilda, 62, que tinha um brilho nos olhos ao falar de Lula. “Quero que o Lula ganhe para a gente não passar fome nunca mais. Pego cesta básica da prefeitura, moro numa ocupação. Quando ele era presidente, criei meus filhos trabalhando em casa de família, e nunca passei fome. Hoje, trabalho que nem uma condenada e passo fome. Tem dia que não tem um ovo para comer e tenho que pedir para os vizinhos”, disse, acompanhada do filho de 12 anos.
Como ela, outra mãe que sofreu as consequências desse governo foi a manicure e cabeleireira Fátima, 38, que perdeu seu salão. Perguntada se votaria no Bolsonaro, ela mostrou o adesivo no peito: “Ele Não!” “Ele não ajuda a gente, ele extorque. Se depender dele, tudo aumenta de preço”, disse ela, acompanhada de dois de seus oito filhos.
Maria Aparecida, 53, veio de Osasco em defesa da democracia e “pela volta do Lula”. “O Lula sempre fez o que eu esperava de um presidente. Ele governa para os pobres, não discrimina outras religiões.”
O cineasta Uli, 76, e a dentista Yara, 65, estavam festejando. Ele, “o encontro do Brasil com o coletivo”. Ela, “a volta do Lula”. Enquanto ela elogiou o governo Lula, por ser a única vez que viu diminuir a desigualdade no Brasil, ele criticou “o capitão”, por ser aquela pessoa “que foi castrada na vida”, e aprendeu apenas a obedecer e matar. “Uma pessoa inábil para presidir”. Yara se refere a ele como alguém que não afetou sua vida, mas sua alma. Perguntada se estava chateada com o governo, ela disse que estava “puta da vida, mesmo”.
A advogada Gláucia chegou de Caraguatatuba em grande estilo. Toda fantasiada de estrela. Faz parte de um coletivo de bordadeiras de esquerda. Não queria nem falar de Bolsonaro, porque “hoje, é só alegria e afeto”. Mas quando começou, xingou ele de péssimo, genocida, terrorista, horrível.
Finalmente, no fundo do palco estava a técnica de segurança do trabalho, Carmen, 61, que esperava a chegada de Lula. “Não podia perder esse comício!”, disse ela, contando que faz parte de um coletivo de esquerda, formado em função da liberdade de Lula. A conversa com ela foi interrompida pela chegada do comboio do ex-presidente, com muitos carros blindados, uma viatura da Polícia Federal e escolta de motos. Os carros, todos iguais, tinham vidros escuros, então não deu nem pra saber onde estava o presidenciável.
Por Cezar Xavier