Na USP com Lula: professores destacam necessidade de dialogar com o eleitor
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva visitou a comunidade de professores e alunos da USP, depois de 30 anos. Junto com professores e alunos, ele e o ex-ministro da Educação, Fernando Haddad, discursou durante aula aberta, na noite desta segunda-feira (15), no vão dos prédios de História e Geografia, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), na Cidade Universitária, zona oeste de São Paulo.
Os professores enfatizaram a contribuição que a universidade e sua comunidade podem dar para a reconstrução da democracia no país. A filósofa Marilena Chauí ressaltou que será preciso “reinstitucionalizar” os poderes da República, reerguer a economia e refazer direitos sociais que foram solapados nos últimos anos.
“Vivemos da necessidade de recuperar a República, de reinstitucionalizá-la e todas as áreas do Poder Executivo, de refazer todo o campo dos direitos sociais, de encontrar um caminho pelo qual a reforma política libere o Legislativo do peso que lhe cabe e que ele tem que ter, sem compra e venda. É preciso que haja uma reinstitucionalizção que recupere a independência do Judiciário, que desde a Lava Jato se tornou uma questão de luta para nós.”
Para combater a máquina de desinformação bolsonarista, ela diz que a primeira tarefa é “conversar com as pessoas” como indivíduos e não apenas como movimentos sociais.
Marilena mencionou os 681 mil mortos pela pandemia, 33 milhões de pessoas passando fome e 22 milhões de desempregados. Ela definiu esse estado de coisas como crueldade. “Um filósofo, há muito tempo atrás, escreveu que a covardia é a mãe da crueldade. O covarde, como ele é medroso, como tem medo de tudo, precisa exibir, sem cessar, signos e sinais de força: armas, milícia, morte”, citou.
“O ódio ao pensamento é a decisão deliberada de recusar a distinção entre verdade e mentira. Se torna cinismo, e o cinismo se torna arte de governar.”
Ela considera importante conversar com as pessoas, explicando que o auxílio emergencial só foi possível por causa dos partidos de esquerda. Ela também salientou o fato da população compreender que as coisas vão mudar, com um ritmo lento, diante do cenário de desmonte. “Não há democracia sem aquilo que é o coração democrático que é a criação, a garantia e a conservação de direitos, e foi o que nós perdemos nesses quatro anos”.
A arquiteta e urbanista Ermínia Maricato afirmou que a comunidade acadêmica tem uma missão para além de superar as narrativas anticientíficas e manipuladoras. Na opinião dela, a universidade pública pode ter um papel mais ativo na elaboração de propostas e soluções para os grandes problemas nacionais”.
Hermínia citou, por exemplo, que 85% das construções no país não tem a participação de um engenheiro ou um arquiteto. Numa escala mais ampla, sem planejamento, as cidades brasileiras são “predatórias”, social e ambientalmente, produzindo zonas de “insegurança”, “insalubridade” e “desconforto”.
Ela comentou ainda o sistema de cotas, de iniciativa do governo Lula, que naquela altura tinha o Fernando Haddad como ministro da Educação. “As cotas iniciaram um processo sem volta na universidade brasileira, deu início a uma revolução! A universidade pública passou a incluir parte da população que a sustentava, mas que não incluía os excluídos. Em 40 anos dando aula na USP, eu tive um colega negro e um aluno negro. Agora, são 80 na faculdade de arquitetura”, relatou, muito aplaudida. “A USP tem mais de 61 mil estudantes de graduação, 32 mil de pós, 5,4 mil professores, 13 mil funcionários. Somos 112 mil pessoas, um exército do bem, da paz, que pode mudar a história do estado de São Paulo”, completou a professora.
A geóloga Adriana Alves, coordenadora da diretoria Mulheres, Relações Étnico-Raciais e Diversidades da USP, abordou o racismo estrutural presente na sociedade brasileira e os desafios das minorias diante do cenário político atual. Ela citou que os negros são apenas 24% dos deputados e apenas 16% dos senadores. No Judiciário, são apenas 12% dos magistrados, enquanto os negros respondem por dois terços da população carcerária. Na própria USP, apenas 2% dos mais de 5 mil professores são negros. “Não nos peçam mais para silenciar. Não nos peçam mais para ter paciência. Para nós, é tudo urgente.”
Ela observou como as pessoas escravizadas perderam por completo sua referência humana, e ainda hoje negros e negras lutam pelo exercício de sua plena cidadania. “Há quem nos trate como bichos e se refiram ao nosso peso em arrobas. Lutamos por uma liberdade em vida que, para nós, pode estar apenas a uma batida policial de distância”, disse.
USP pela democracia
O evento foi organizado pelo coletivo “USP Pela Democracia”, formado por professores, alunos e servidores da universidade. Na ocasião, também foi lançado o manifesto “A democracia no Brasil corre risco”, de autoria do Coletivo USP Pela Democracia – formado por professores, estudantes e servidores da universidade.
Bruna Brelaz, presidente da União Nacional dos Estudantes, defendeu a revogação do Teto de Gastos, aprovado em 2016, que congelou os investimentos nas áreas sociais por 20 anos e segue em vigor. “A gente acha que isso tem prejudicado a universidade. A reposição orçamentária também é uma bandeira muito importante para a gente”, disse.
Entre os oradores, Maurício Terena representou a Associação dos Povos Indígenas (APIB), enquanto Ana Luiza Tibério, Julia Köpf e Flávia Calé discursaram em nome dos estudantes da graduação e pós-graduação.
Assista ao evento na USP:
Por Cezar Xavier