Na contramão dos vizinhos, Venezuela vive recuperação econômica
por Cézar Xavier
“Não é segredo para todo o mundo que a Venezuela viveu uma situação econômica complexa, induzida por um tema político e com intenções eleitorais, com o objetivo de desestabilizar o governo colocando a população contra ele”. Foi assim que o deputado Juan Samuel Cohén Bermúdez, do Partido Socialista Unido de Venezuela (PSUV), começou comentando à reportagem a recuperação econômica que vive a Venezuela, em meio às dificuldades de outros países da América Latina.
Com este tom, o deputado da base do governo pontuou as medidas tomadas por Nicolás Maduro para superar a polarização política e a sabotagem econômica ocorridas no país. “Houve uma campanha atroz, desmedida e desumana, inclusive de alguns venezuelanos, com interesses eleitorais e econômicos que mancharam a honra dos venezuelanos. Reverter isso é um grande desafio que temos. A voz de um venezuelano quando chega em outro país tem que ser de confiança”, disse o socialista.
A Venezuela encerrou um ciclo hiperinflacionário que durou quatro anos, e empreendeu esforços para conter a desvalorização do bolívar de forma sustentável. Com isso, o país tem registrado os menores índices de inflação mensal dos últimos dez anos, há vários meses seguidos. Pela primeira vez, a inflação reduziu-se a um dígito. Em abril, a inflação mensal foi a 4,4%, bem abaixo dos 24,6% registrados em abril de 2021.
A marca positiva para a economia venezuelana destoa de indicadores em países vizinhos como a Argentina, que registrou em março a maior inflação dos últimos 20 anos, e o Brasil, que teve no mesmo mês a variação mais alta nos preços desde 1994. Até mesmo os Estados Unidos tiveram o maior aumento dos últimos 16 anos.
Polarização atenuada
“Há uma sensação, neste 2022, graças a algumas políticas econômicas do governo, de que se cessou e atenuou a polarização política, com o retorno da sensatez”, diz o deputado, aliviado.
Ele explica que a Venezuela convivia com duas taxas de câmbio, – a do Banco Central e a do câmbio paralelo -, o que trazia uma discrepância enorme entre elas. Hoje, o governo reconhece uma taxa similar ao dólar das ruas. “Com isso, supermercados, bares e restaurantes oferecem produtos com preços aceitáveis, mostrando a recuperação extraordinária da economia de forma concreta na vida dos venezuelanos. O clima é de esperança de que a situação melhore cada vez mais”, aposta ele.
Desta forma, o parlamentar aponta que a primeira medida do governo que afetou profundamente a capacidade de desenvolvimento da economia foi eliminar a especulação sobre a taxa de câmbio, fixando uma cotação similar àquela que se cobrava nas páginas da internet manipuladas em Miami. Com isso, se estabilizou o valor da moeda nacional. Segundo o câmbio oficial atual, a moeda norte-americana está cotada em cerca de 5,44 bolívares.
A evolução do controle do governo sobre o câmbio não significa o que ocorreu em outros momentos com a Argentina, por exemplo, que dolarizou seu endividamento público e privado, tornando-se vulnerável a oscilações externas, chegando à moratória. Não há dolarização legal reconhecida pelo governo, salienta Bermúdez. “A moeda segue sendo o bolívar de maneira cotidiana e natural para as pessoas. O dólar se torna um referente internacional para a economia mundial”, explicou.
Aos poucos, o próprio establishment econômico internacional reconhece os esforços do governo Maduro, admitindo a perversa e artificial especulação cambial. O banco de investimentos Credit Suisse divulgou um relatório prevendo um crescimento de até 20% na economia venezuelana em 2022, a depender das exportações de petróleo. “Se estivermos certos, esse pode acabar sendo um dos cenários de crescimento mais fortes do planeta nos últimos anos”, declarou o banco, que ainda estimou que o PIB venezuelano deve crescer 8% em 2023.
O deputado concorda que essa onda de aumento da confiança internacional no país precisa continuar. “Temos o desafio de não falhar e gerar as condições e garantias jurídicas e comerciais para que se tenha mais confiança da economia internacional no nosso governo e nosso país”, disse ele.
Em março deste ano, o governo anunciou um aumento de 1200% no salário mínimo, passando de 7 para 128 bolívares (cerca de 29 dólares), valor que, somado ao bônus para alimentação, chega a 39 dólares. Este valor só terá efeito virtuoso se a inflação continuar em queda.
Outra medida que o parlamentar considera importante para este aumento da confiança dos investidores é que o governo aumentou o preço da gasolina para US$ 0,5 o litro, criando uma margem referencial internacional. “Essas medidas estimularam o investimento estrangeiro e até o retorno de investidores venezuelanos, devido as garantias jurídicas e comerciais. Essa confiança fazia falta na economia venezuelana”, enfatizou.
Sensação de estabilidade
A crise de abastecimento é vista como coisa do passado. Para ele, esta é a principal percepção concreta da recuperação econômica do país: poder ir a qualquer supermercado ou mercearia, que ele estará abastecido de produtos venezuelanos, brasileiros, colombianos, russos e chineses.
“Houve uma mudança legislativa que flexibilizou as transações de importação, permitindo a referência do dólar para preços dos produtos”, explicou. O governo reconheceu que havia comércio privado que usava o dólar para fazer suas transações.
Bermúdez não vê isso como uma concessão do governo às elites ou à oposição. “O presidente Maduro foi eleito com este compromisso de reconhecer eventuais erros cometidos. Mas o que havia eram pontos de vista diferentes para adaptar-se aos novos tempos”, acrescentou, mencionando que o país se prepara para adaptar-se a novas tecnologias financeiras, como as criptomoedas.
Ademais, pondera ele, a economia é instável e exige adaptação a situações complexas. “Vivemos uma pandemia e precisamos lidar com fundamentos econômicos emergenciais, assim como as tecnologias mudam e exigem ajustes para melhorar a condição da sociedade”, pontuou ele. Outros fatores que tornam visível a recuperação do país é a abertura de novos negócios por todo o país, o retorno de shows internacionais, das companhias aéreas estrangeiras, assim como o retorno de imigrantes em larga escala.
Integração continental
As mudanças políticas na América Latina com eleição de governos progressistas também favorecem muito a Venezuela, na opinião do deputado. “Temos por exemplo uma relação diplomática com o Brasil muito truncada e fechada, sem estabilidade. Colômbia e Brasil são as fronteiras mais importantes para a Venezuela”.
Dito isto, a mudança política na Colômbia, com a eleição do governo progressista de Gustavo Petro, já torna as fronteiras mais abertas, o que dinamiza a economia, com entrada de insumos, medicamentos, bens e serviços, um intercâmbio cultural que existia tradicionalmente. “Isto torna o intercâmbio mais fluido, mais estável e sincero, com maior garantia de segurança”, acrescentou, mencionando os receios que haviam de parceiros econômicos em atravessar a fronteira.
Outro fator externo que pode favorecer o país é a retomada de um certo diálogo com o governo americano de Joe Biden. O conflito na Ucrânia coloca os EUA numa situação delicada em relação ao comércio de petróleo, fazendo com que procure as gigantescas reservas da Venezuela como alternativa.
Os laços entre o povo venezuelano e os EUA são considerados históricos e fraternos. Bermúdez cita intercâmbios de lutas de independência, assim como o episódio em que o presidente Hugo Chávez deu a Barack Obama uma cópia de As Veias Abertas da América Latina, de Eduardo Galeano.
“O que hoje percebemos com esta abertura e diálogo, é que, oxalá os interesses partidários, bélicos, e carreiristas de alguns funcionários do governo americano não afetem esta situação que está encaminhada para melhorar as condições de vida dos povos da Venezuela e dos EUA, que também vai se beneficiar”, diz o deputado.
Mas a trajetória de hostilidade recente entre EUA e o governo chavista ainda causa desconfiança. Houve várias tentativas de golpes e intervenções no país para derrubar o atual governo com ajuda explícita dos EUA. Com isso, Bermúdez salienta as condições soberanas da Venezuela diante de qualquer diálogo com os americanos, que não pode ser feito envolvendo intrometimento com sabotagem e tentativas de assassinar o presidente, gerando condições eleitorais contrárias.
“Diante de qualquer postura intervencionista, a Venezuela vai continuar levantando a voz de protesto contra um governo que quer intrometer-se contra os interesses sacrossantos, constitucionais e humanos de uma população que quer viver e resolver suas diferenças e suas dificuldades de forma soberana e autônoma”, declarou.
Ele diz que é um desafio chave do governo Maduro mostrar para a comunidade internacional que se pode investir na Venezuela. Ele cita como o turismo, por exemplo, pode ser uma fonte de desenvolvimento econômico. “É uma potencialidade que temos, uma grande extensão geográfica de florestas, montanhas, praias, frio, calor, neve, um país diverso que também se quer abrir ao turismo e ao investimento industrial. Temos a segunda reserva de água doce do mundo, que é o Orinoco, algo muito importante para a humanidade, que tem a ver com alimentos. Tudo isso pode potencializar a economia, com desenvolvimento energético, e mineração, indústria e agricultura”, pontuou.
Estamos dispostos a melhorar o que tiver que melhorar e corrigir o que tiver que corrigir, para nos abrirmos, gerando confiança nesse novo mundo multipolar e multilateral”, concluiu.