A crise sanitária e econômica trouxe consequências gravíssimas para a vida das trabalhadoras no mundo inteiro. Segundo a diretora-executiva-adjunta da ONU Mulheres, Anita Bhatia, as mulheres, que já encontravam dificuldades de inserção antes da pandemia, estão abandonando o mercado de trabalho.

“A carga de cuidados das mulheres é muito pesada —e elas já faziam três vezes mais do que os homens antes da pandemia. Agora, com crianças em casa, ensino remoto e outros encargos, mulheres têm abandonado o mercado de trabalho”, afirmou a indiana em entrevista à Folha de São Paulo. “E isso terá consequências de longo prazo nas suas rendas, vidas, perspectivas de carreira e, finalmente, terá impacto nos países, porque, se um número significativo da população não pode voltar a trabalhar por causa da carga de cuidados, isso é um problema real”.

Apesar das dificuldades serem realidade até mesmo em países desenvolvidos e que já cursam a recuperação, a situação é mais perversa nos mais pobres. De acordo com dados da ONU, só na América Latina o número de mulheres fora do mercado de trabalho saltou de 66 milhões para 83 milhões com a pandemia – prejudicando, além das trabalhadoras, os setores onde estão inseridas, predominantemente, o varejo e turismo.

“É nos países em desenvolvimento que a participação feminina na força de trabalho, que já era menor do que a masculina antes da pandemia, foi profundamente afetada. E há ainda a segregação ocupacional de gênero. Existem alguns trabalhos que você simplesmente não vê mulheres suficientes fazendo”, afirmou a executiva. “Celebramos coisas que deveríamos considerar garantidas em 2021, e ainda não temos salário igual para trabalho igual [entre homens e mulheres]”, ressaltou.

Na avaliação de Bathia, o retorno das mulheres ao mercado de trabalho só vai acontecer onde a vacinação for ampla e as medidas de governo propiciarem a geração de empregos e o retorno das trabalhadoras.

“Se não houver reconhecimento do vínculo entre a carga de cuidado e a capacidade da mulher de trabalhar fora de casa, não será possível mudar a vida delas”.

A executiva da ONU reafirma o papel dos governos para garantia de uma estrutura de igualdade e apoio às trabalhadoras, e adiciona que os países só têm a ganhar em termos de crescimento das suas economias.

“É importante, porque é preciso compromisso político para impulsionar a agenda, mas também entender que seu país ficará mais rico se envolver totalmente as mulheres. Temos estimativas de que o mundo poderia adicionar US$ 13 trilhões ao PIB global se as mulheres estivessem igualmente engajadas como os homens”.

“Governos que não reconhecem a importância da igualdade de gênero como pilar do desenvolvimento terão dificuldade de fazer esse número melhorar”, afirma Bathia sobre a postura de Jair Bolsonaro de ignorar políticas de igualdade de gênero no trabalho.

Aqui, as dificuldades enfrentadas em todo o mundo se agravam com o desemprego massivo e a ajuda insuficiente a trabalhadores e trabalhadoras que ficaram sem renda. Apesar de priorizar mulheres chefes de famílias, o programa de renda emergencial, que no ano passado pagou até R$ 1.200 mensal para mães, foi cortado para até R$ 375 em 2021, auge da pandemia. O valor não alcança nem o custo da cesta de produtos básicos necessária para alimentação de um adulto, calculada em torno de R$ 600.