O presidente do Instituto Butantan, Dimas Covas, afirmou no domingo (22), em entrevista à CNN, que estranhou o fato de o Ministério da Saúde não ter citado o Instituto na lista de instituições com as quais a pasta informou ter avançado nas negociações para desenvolvimento de uma vacina contra a Covid-19.

No documento, divulgado na noite deste domingo (22), o ministério afirma que, ao longo da última semana, se reuniu com cinco laboratórios cujas vacinas “encontram-se em fase avançada de desenvolvimento” e anuncia que “deverá assinar cartas de intenção” de compra não-vinculantes para permitir uma futura aquisição de doses. Na nota, o ministério menciona Pfizer, Janssen, Bharat Biotech, Fundo Russo de Investimento Direto (RDIF) e Moderna.

“Muito estranho. O Butantan já apresentou suas condições de fornecimento ao ministério e as informações técnicas. Isso foi feito em setembro. Recebemos um memorandum de intenção naquela época. Aguardamos o desenvolvimento da própria vacina que já começam a chegar”, disse Covas, em referência à Coronavac, produzida pelo instituto com a empresa chinesa Sinovac.

Para o presidente do Butantan, a não citação do instituto indica um componente político por parte do Ministério. “Não querem levar mais um puxão de orelhas do presidente (Jair Bolsonaro)”, disparou. Há um mês, a pasta chegou a assinar um protocolo de intenção de compra de 46 milhões de doses da Coronavac, mas recuou por ordem de Bolsonaro.

Ao mesmo tempo que esquece uma vacina em fase fina de testes, o governo deixa estragar 6,8 milhões de testes para diagnóstico de Covid-19.

Estão armazenados em SP, 6,86 milhões de testes para a Covid-19 que podem perder validade até janeiro de 2021, enquanto há uma redução do número de testes no país por falta do produto. Em agosto eram realizados 34.443 testes por dia, em setembro este número caiu para 31.492 testes e em outubro este número caiu ainda mais, chegando a 28.664 testes.

Os exames são do tipo RT-PCR, que são fundamentais para que seja feito o diagnóstico da doença a tempo para garantir um isolamento eficaz. A perda dos testes custará aos cofres públicos R$ 290 milhões.

Em nota divulgada neste domingo, o Ministério da Saúde confirmou a existência de testes com data de validade próxima – mas não informou a quantidade de kits.

Na nota, o ministério também afirmou que os kits “são distribuídos de acordo com as demandas dos estados”. O Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) afirma, no entanto, que alertou o governo federal diversas vezes sobre a falta de materiais para processar as amostras do teste PCR.

“Os entraves ainda não estão resolvidos. O contrato que permitia o fornecimento de insumos e equipamentos necessários para automatizar e agilizar a primeira fase do processamento das amostras foi cancelado pelo Ministério da Saúde. […] É fundamental que uma nova contratação seja feita e a distribuição dos insumos seja retomada em tempo hábil”, diz o conselho.

O teste é fundamental para o rastreamento de contatos. O rastreamento nada mais é do que identificar e acompanhar as pessoas que foram expostas à doença. Ele já foi adotado para controlar a propagação de outras doenças infecciosas.

A falta de isolamento dos infectados causa surtos que não podem ser controlados pela implementação de medidas direcionadas. A orientação da Organização Mundial da Saúde (OMS) é encontrar os casos, isolar, testar e rastrear.

“Para rastrear um contato, você precisa do diagnóstico da pessoa. Quanto mais tivermos disponível o teste RT-PCR, mais vamos rastrear os casos secundários. Se ficarmos na ignorância de dados, não teremos sucesso. Precisamos detectar pessoas com ou sem sintomas do coronavírus”, alerta a infectologista Rosana Richtmann. Segundo ela, além do teste, é importante saber três coisas com relação à transmissão: há quanto tempo a pessoa foi exposta ao vírus, em que ambiente ocorreu essa exposição e se houve ou não distanciamento. “Com essas três coisas já conseguimos fazer o rastreamento”, diz.

Nota do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass)

O Conass alertou o Ministério da Saúde sobre os problemas de falta de materiais para a coleta e de insumos para a amplificação das amostras para o exame PCR por diversas vezes durante a pandemia, o que afetou a quantidade de exames realizados. O Conselho não tinha informações sobre o volume de testes nos estoques do ministério.

Para realização do exame de PCR é preciso disponibilidade do material de coleta (como tubos e swabs, espécies de bastões usados para coletar mostras da secreção nasal), insumos para a extração do material genético e, por fim, insumos para amplificação. São etapas interligadas e interdependentes. Os insumos de amplificação somente podem ser usados na segunda fase do teste, depois que a extração do material genético foi concluída.

Os insumos para a segunda parte do teste, de amplificação, estavam de fato disponíveis. Mas eles não podiam ser usados sem que a extração tivesse sido realizada. Ao longo dos últimos meses, o Conass alertou para o problema. Passamos boa parte da pandemia com dificuldade para aquisição de insumos de coleta. O repasse desse material para Estados só ocorreu a partir de agosto. Os insumos para extração do material genético viral e equipamentos desta etapa, por sua vez, somente foram repassados a partir de setembro. No caso dos equipamentos, apenas 10 Lacens foram contemplados.

Os entraves ainda não estão resolvidos. O contrato que permitia o fornecimento de insumos e equipamentos necessários para automatizar e agilizar a primeira fase do processamento das amostras foi cancelado pelo Ministério da Saúde. Há o compromisso da pasta de manter o abastecimento durante o período de 3 meses, contados a partir do cancelamento. É fundamental, porém, que uma nova contratação seja feita e a distribuição dos insumos seja retomada em tempo hábil. Temos preocupação sobre essa disponibilidade e estamos acompanhando a situação.