Artistas reunidos com parlamentares e o presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco (Foto: Pedro Gontijo/Senado Federal)

por Cézar Xavier

As diretrizes do programa de um eventual governo Lula-Alckmin recebem uma contribuição fundamental com a recente aprovação das leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc 2, que inovam e superam as dificuldades de fomento cultural. Esta é a opinião de especialistas consultados pelo Portal Vermelho. Vetadas por Bolsonaro, as leis dificultam a guerra de seu governo contra os artistas e gestores culturais ao democratizar o acesso e devolver ao Estado a capacidade de regulação. O Congresso derrubou o veto presidencial com a mobilização de artistas e gestores culturais.

A diretriz 26 do programa de governo de Lula-Alckmin destaca o financiamento cultural. Defende a “implantação do Sistema Nacional de Cultura e a adoção da política de descentralização de recursos para Estados e o maior número possível de municípios, além de políticas para reestruturar a cadeia produtiva cultural, severamente prejudicada durante a pandemia e duramente perseguida pelo atual governo”.

A deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ), autora da nova legislação, acrescenta que será necessário compreender que a aprovação das leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc 2 inauguram um novo modelo de financiamento à cultura no Brasil, de forma descentralizada e no âmbito do pacto federativo. “Será necessário criatividade e imaginação política para que a cultura seja semente para germinar a primavera brasileira”, declara.

A secretária de Culturas de Petrópolis (RJ), Diana Iliescu,  considera determinante e mais atual do que nunca a descentralização de recursos, inaugurado na sua forma mais democrática com a Lei Aldir Blanc. “É fundamental o investimento público para estimular e qualificar as cadeias produtivas”, afirmou.

O ex-secretário das Culturas de Niterói, Leonardo Giordano, também destaca a coordenação nacional e garantia de recursos “na ponta” por meio da implementação do Sistema Nacional. “A aprovação da lei Aldir Blanc 2 é na minha opinião a mais revolucionária ferramenta de fomento à cultura na ponta. Tenha certeza que Lula vai cumprir essa legislação e vai passar a ser referência das políticas culturais no Brasil e garantir que estados e municípios tenham fomento público chegando a cada uma das localidades”. 

O especialista em Cultura e Desenvolvimento pela UFBA, secretário nacional de Cultura do PCdoB, Javier Alfaya, diz que a política de estado não pode tratar a cultura como uma “área de pedintes”. “Historicamente, se concedem recursos e verbas para a cultura, porque é preciso manter a tradição, atender o pleito dos artistas, manter aspectos da cultura popular”, lamenta. Para ele, estas verbas devem ser investidas pelo caráter estratégico que a cultura tem no desenvolvimento econômico do país.

Guerra ideológica

Alexandre Santini considera que a candidatura Lula/Alckmin reacendeu as esperanças do setor cultural brasileiro. Mestre em Cultura e Territorialidades pela UFF, ele foi diretor de Cidadania e Diversidade Cultural do Ministério da Cultura, entre 2015 e 2016. A partir desse testemunho, ele denota a desconstrução das políticas públicas e instituições do setor, associada à guerra cultural bolsonarista.

“O governo promoveu um grande retrocesso em tudo que se construiu no país em termos de políticas culturais, expresso no legado político e na matriz conceitual das três dimensões da cultura- simbólica, econômica e cidadã – construída e formulada nos governos Lula a partir da gestão do ex-ministro Gilberto Gil”. 

Santini destaca o fato da cultura e da arte gerarem cerca de 6 milhões de empregos diretos e responderem por 4% do Produto Interno Bruto. Números que podem aumentar muito com investimento adequado e estratégico.

A concepção do que é cultura e a orientação político-ideológica das ações do ministério flutuaram, ao longo dos anos, com tantas forças políticas diferentes assumindo. Com Celso Furtado (1986-1988), as diretrizes focavam na democratização do acesso. O neoliberal Francisco Weffort (1995-2002), defendeu a regulação do mercado privado para captação de recursos. A passagem de Gilberto Gil (2003-2008) e Juca Ferreira (2008-2012 e de 2014-2016) retomaram o protagonismo do Estado na elaboração de políticas culturais.

A institucionalização do Ministério sempre fortaleceu o fomento. Em momentos de crise, sem o reconhecimento ministerial, a Cultura é sempre o primeiro orçamento contingenciado. No caso do Governo Bolsonaro, a desimportância do setor cultural se reflete nas seis pessoas que ocuparam o cargo de secretário.

O primeiro foi Henrique Pires, que deixou o posto após acusar o governo de tentar censurar um edital ligado à temática LGBTQIA+. Depois vieram José Paulo Martins e Ricardo Braga, com breves passagens. O secretário seguinte seria o diretor teatral Roberto Alvim, afastado após discursar inspirado em propaganda nazista. Em seguida, foi a atriz Regina Duarte, afastada depois de interromper uma entrevista na TV na qual minimizou a ditadura militar. Atualmente, o cargo está com o também ator de TV, Mário Frias, que costuma circular armado pela secretaria para intimidar os servidores.

A guerra ideológica empreendida por Bolsonaro se refletiu neste tema, evidentemente, como as diversas polêmicas envolvendo práticas explícitas de racismo e censura na Fundação Zumbi dos Palmares. A ideologização, no entanto, vem acompanhada de cortes orçamentários, reformas legislativas, desmonte das capacidades técnicas, ataques a artistas e gestores culturais, assim como autoritarismo e assédio moral nas relações institucionais. 

Do ponto de vista conceitual, rejeitam a herança africana e indígena, defendendo uma visão colonizada e rasa de cultura. A teorização olavista acha que há uma guerra ideológica, na medida em que uma suposta hegemonia do marxismo cultural precisa ser atacada. Isso se faz impedindo o fomento e distribuição de projetos de certas entidades, como o Instituto Vladimir Herzog ou o filtro ideológico a filmes como Mariguella e Medida Provisória.