Manifestantes na Praça da Independência (Minsk) apoiam o presidente Lukashenko | Foto: Shropshire Star

“Eu realmente espero que deixem os bielorrussos tratarem de seus assuntos por eles próprios e que eles não sejam dirigidos por aqueles que se interessam pela Bielorrússia somente para determinar seu espaço geopolítico para promover sua conhecida lógica destrutiva”, afirmou Lavrov em um Fórum Educacional em Moscou, no sábado (22).

Para ele a crítica que partiu nos últimos dias por parte da União Europeia – inclusive com ameaças de seguir os Estados Unidos na imposição de sanções ao país – “se trata de geopolítica”.

Referindo-se à ingerência orquestrada por EUA e União Europeia, disse que “alguns países tentam não apenas interferir, mas impor aos da Bielorrússia as ordens que tais jogadores consideram lucrativas para si próprios”.

“Algumas figuras da oposição, que vivem no Ocidente, tentam influenciar de lá os acontecimentos, abanam os protestos e provocam hostilidades. Querem derramamento de sangue”, prosseguiu o chefe da diplomacia russa.

“O fato da líder da oposição Svetlana Tikhanovskaya fazer seus apelos mais frequentemente em inglês, mostra onde residem seus interesses”, concluiu.

Lavrov disse apoiar um diálogo entre os bielorrussos para tratar do impasse com as manifestações de centenas de milhares reunidos pela oposição.

O presidente da Bielorrússia Alexander Lukashenko, eleito com 80,23% dos votos contra os 10% obtidos pela segunda colocada, Svetlana Tikhanovskaya, tem dito nos comícios em apoio a seu governo que as manifestações e greves que afetam o país depois do resultado oficial das eleições realizadas no dia 9 de agosto “são planejadas e dirigidas do exterior”.

Lukashenko, ao falar aos trabalhadores em greve na fábrica de caminhões MTZ, alertou que a anulação das eleições significava o desaparecimento da Bielorrússia “enquanto país independente”, mas admitiu a possibilidade de novas eleições, desde que respaldadas por uma nova Constituição a ser submetida a referendo. Lukashenko não precisou a quem caberia redigir a nova Constituição, nem falou em prazos.

As denúncias de Lavrov e Lukashenko são corroboradas pelo próprio governo norte-americano que, segundo a agência Reuters, vai enviar o vice-secretário do Departamento de Estado, Stephen Biegun, para a Lituânia, exatamente o país onde Svetlana, que conclama os bielorrussos a não acatarem o resultado das eleições, se refugiou.

A pauta de Biegun já está publicamente traçada, pois o próprio Departamento de Estado dos Estados Unidos declara, em seu portal que a “assistência dos EUA à Bielorrússia foca na expansão dos direitos democráticos e nas liberdades fundamentais e na promoção de uma economia de mercado pelo fortalecimento do setor privado e no estímulo ao empreendedorismo”.

Com base nesse modelo que deseja impor, o Departamento de Estado reclama que “as autoridades bielorrussas relutam em levar adiante reformas econômicas sistêmicas necessárias para criar uma economia baseada no mercado, com 70% da economia ainda sob controle governamental”. Para o governo dos EUA, isso “desafia o ambiente de negócios”.

Como dizia o saudoso Sergio Porto, “para bom entendedor, meia guilhotina basta”. Não é necessário buscar mais para saber no que, de fato, esses promotores da “liberdade” e da “democracia” estão interessados: lançar mão do mercado e do patrimônio público da Bielorrússia a preço de banana como andaram fazendo por aqui e em muitos lados após as famigeradas “revoluções laranja”, como aquela que alterou o regime ucraniano para que os neonazistas se assenhorassem do poder com os opositores acenando com promessas de melhoria econômica via alianças com a União Europeia e os EUA que nunca se configuraram.

Mas não é apenas isso. Querem derrubar o governo que preza a independência do país e se nega a tornar seu território numa base da OTAN para se somar ao apinhamento de mísseis na fronteira da Rússia e a participar de movimentações militares com forças norte-americanas, coisas a que outras ex-repúblicas socialistas vizinhas se prestam, incluindo a Lituânia que agora serve de trampolim para a tentativa de assalto da oposição bielorrussa.

O Departamento admite ainda que mantém sanções ao país desde 2006, alegando que “as eleições presidenciais [de então] não foram nem livres nem justas”. As sanções atingem, segundo o portal, “nove empresas estatais e 16 indivíduos, incluindo Lukashenko”.

Depois disso reclama que o embaixador e mais 30 dos 35 funcionários da embaixada em Minsk foram expulsos.

Mesmo com toda essa algaravia oposicionista e midiática que a repercute, não se vê nas manifestações opositoras, como se via em Kiev, bandeiras da União Europeia e, muito menos dos Estados Unidos.

Foi o que observou a pesquisadora sobre política externa, Ekaterina Pierson-Lyzhina, residente em Bruxelas: “Não há bandeiras europeias nem russas nas manifestações. Tudo gira em torno da insatisfação dos bielorrussos com seu presidente que está no poder há 26 anos”.

Ela informa que 60% dos pesquisados na Bielorrússia “querem que seu país permaneça independente e rejeitam qualquer tipo de união com outros países”.

No entanto, não é por acaso que a Rússia e o próprio Lukashenko se colocam dispostos a rever posições e ações. Lavrov falou em diálogo entre os bielorrussos e Lukashenko acenou com uma Constituinte. As manifestações de descontentamento têm base social. Afinal a economia do país, durante muito tempo mantida em um patamar superior ao do conjunto da Europa, andou patinando nos anos recentes: 2015: – 3,8%; 2016: -2,5%; 2017: +2,5%; 2018: +3,15% e 2019: + 1,22%.

O nível de desemprego está em torno de 4% (o da França, por exemplo chega a mais de 8%), mas os salários não mudam há 15 anos e existem mais de um milhão de bielorrussos espalhados pela Europa onde foram buscar condições melhores de renda, conforme analisa o economista russo, Dmitry Bolkunets, entrevistado pelo portal Sputnik.

Bolkunets fala também das mais recentes resvaladas de Lukashenko: “injuriou ministros russos, passou a adotar mensagens severas antirrussas” e “sua resposta à pandemia do novo coronavírus, negando sucessivamente que o vírus fosse uma ameaça, gerou insatisfação na sociedade”. De fato, Lukashenko subestimou o Covid-19 dizendo que bastava combater o vírus com “vodka, sauna e jogando hóquei no gelo”. Isso quando os países europeus e de todo o mundo adotavam medidas para conter o vírus.

Tudo isso é verdade, mas bastaram algumas manifestações contrárias para que a cúpula dos países europeus se reunisse a condenar o regime e a ameaçar com se somarem às sanções norte-americanas.

É de se perguntar o porquê de nem tais governos, nem da mídia, não partam falas defendendo, por exemplo, a deposição do presidente francês, diante de greves e manifestações multitudinárias desde a sua posse com cortes nos direitos trabalhistas e na educação, alguns deles baixados por decreto, uma vez que não havia votos suficientes no Congresso francês para passar as draconianas medidas?

Greves e manifestações às quais aderiram vastas porções da classe média francesa no movimento que tomou as ruas e cruzamentos de estradas por todo o país e que ficou mundialmente simbolizado pelo uso dos coletes amarelos por parte dos manifestantes sublevados.

Ou ainda: cadê as propostas de sanções – partindo da União Europeia contra os Estados Unidos – após a inaudita repressão ao vasto movimento contra o racismo que tomou conta do país depois do assassinato do cidadão negro, George Floyd, ou da ameaça de Trump de não reconhecer os próximos resultados eleitorais, ou da sabotagem, via cortes aos correios, para restringir ao máximo o número de votantes no país onde exerce o vale tudo para se manter no poder?

Tais ações de apoio aos opositores só são implementadas quando em linha com os interesses de Washington, como na atual tentativa de afastar Lukashendo do poder a toque de caixa: logo começaram a rufar seus surrados tambores as sucursais midiáticas da CIA: a velha Rádio Europa Livre e a Voz da América, às quais agora se soma o novo aparelhamento da internet, como denuncia, a escritora russa, Katya Kazbec.