Moscou e Berlim são contra a guerra e a favor dos Acordos de Minsk
Em coletiva de imprensa após a reunião de três horas no Kremlin na terça-feira (15) caracterizada pela “troca de opiniões franca e intensa numa atmosfera amigável”, o presidente russo Vladimir Putin e o primeiro-ministro alemão Olaf Scholz reiteraram seu empenho na busca de uma solução diplomática para a crise na Ucrânia, através da aplicação dos Acordos de Minsk, e para a restauração da segurança coletiva e indivisível na Europa.
Putin detalhou a Scholz as preocupações primordiais da Rússia sobre segurança: “parar a expansão da Otan para o leste, não implantar armas ofensivas perto das fronteiras russas e devolver o potencial militar e a infraestrutura do bloco na Europa ao estado de 1997, quando o Ato de fundação Rússia-OTAN foi assinado”.
“A Rússia não quer nenhuma guerra e é por isso que apresentou suas propostas sobre garantias de segurança na Europa e espera que seus pontos-chave sejam levados em consideração”.
De sua reunião com Scholz, o presidente russo disse ter a impressão de o líder alemão “também está disposto a uma cooperação mais pragmática e mutuamente benéfica com a Rússia”.
Para o novo primeiro-ministro alemão, que estava se reunindo com Putin pela primeira vez, “foi importante que tenhamos realmente falado um com o outro”. “É necessário não poupar esforços para evitar a escalada”, acrescentou.
Scholz também considerou o retorno de algumas tropas russas às suas bases permanentes anunciado pelo Ministério da Defesa russa “um bom sinal”. “Esperamos que esta tendência continue.”
Scholz, que até aqui vinha engrossando o coro ocidental sobre o ‘acúmulo de tropas russas perto das fronteiras ucranianas’ e sobre as ‘sanções infernais’ em caso de ‘invasão’, mas anda mudo sobre o gasoduto Nord Stream 2, insistiu em que se deve persistir “de forma decisiva e corajosa para a resolução pacífica desta crise.”
Putin, em resposta a jornalistas, disse que a questão das garantias de que a Ucrânia não ingressará na OTAN deve ser decidida “agora, agora”.
A tentativa – que tem vindo principalmente de Berlim – de passar ao largo do crucial problema, sob a alegação de que o ingresso da Ucrânia na Otan “não está na ordem do dia” não foi considerada pertinente por Moscou.
“Dizem que não vai acontecer amanhã. Quando então? Depois de amanhã? E o que muda para nós na perspectiva histórica? Absolutamente nada”, afirmou o presidente russo.
Ao jornalista que fez a pergunta, Putin apontou que este havia dito “uma excelente frase: ‘Dizem que nos próximos anos a Ucrânia não estará na OTAN’”.
“O que quer dizer ‘dizem’? Nós devemos entender o que quer dizer ‘dizem’ nas relações internacionais. Há 30 anos que nos dizem que não haverá qualquer expansão da OTAN, nem uma polegada na direção das fronteiras russas, mas hoje vemos a infraestrutura da OTAN junto de nossa casa.”
Putin observou ainda que, embora de acordo com o artigo 10 do Tratado do Atlântico Norte de 1949, a aliança seja livre para convidar outros países, não é obrigada a fazê-lo.
Scholz – que considera que a adesão da Ucrânia não está atualmente “em cima da mesa” e que cada país deve poder escolher suas próprias alianças – ponderou que “ainda assim, devemos olhar para a realidade e isto é: há um conflito que queremos desescalar. Essa é a tarefa do momento.”
Respondendo a outro jornalista, Putin disse que a Rússia não quer guerra, e foi por isso que apresentou propostas de segurança.
“Sobre se queremos isso [a guerra]? Claro que não. Foi por isso que apresentamos propostas sobre o processo de negociação, cujo resultado deve ser um acordo sobre garantia de segurança igual para todos, incluindo nosso país”, assinalou.
Putin observou porém que a Rússia não pode ignorar a forma como a OTAN e os EUA interpretam em seu favor os princípios da indivisibilidade da segurança.
“A Rússia não pode fechar os olhos para a forma como os Estados Unidos e a Aliança do Atlântico do Norte estão interpretando bastante livremente e a seu favor os princípios-chave da segurança igual e indivisível, estabelecida em muitos documentos pan-europeus”, assinalou.
O chefe de estado russo explicou que as negociações precisam ser abrangentes, tendo em conta os interesses de todos os lados. A Rússia está pronta – acrescentou – para discutir questões de segurança, mas apenas em conjunto com assuntos fundamentais para o país.
Sobre essa questão, Putin costuma expor que “não somos nós que colocamos nossos sistemas de armas nas fronteiras dos EUA, mas os EUA que já colocaram seus sistemas de ataque à nossa porta”.
Acordos de Minsk
Putin e Scholz reiteraram sua concepção de que a saída para a pacificação no Donbass está na observância dos acordos de Minsk, de que são garantidores Alemanha, França e Rússia, e assinados por Kiev e pelas repúblicas populares.
As possibilidades dos Acordos de Minsk não foram esgotadas apesar da recusa da Ucrânia em observá-los, enfatizou o presidente russo. “Nós realmente esperamos que nossos parceiros no exterior e na Europa, acima de tudo, Alemanha e França, exerçam influência apropriada sobre as atuais autoridades de Kiev.”
Na véspera, durante sua visita a Kiev, o primeiro-ministro Scholz assinalou que o regime ucraniano estava planejando trazer à discussão projetos de lei sobre o status especial do Donbass e as eleições locais previstas nos Acordos de Minsk.
Em Moscou, Scholz apontou a chamada Fórmula Steinmeier [o ex-chefe da diplomacia e atual presidente alemão] como o caminho para a pacificação na Ucrânia, ao criar um mecanismo para concessão de um status especial ao Donbass, que vem sendo sabotado pelo governo de Kiev desde 2019.
“Deve-se dizer em respeito ao recém-eleito presidente alemão [Frank-Walter Steinmeier] que todos compartilham a opinião de que a saída para esta situação é a fórmula de Steinmeier. Ela regula a seqüência de ações”, disse ele.
Tanto o líder russo quanto Scholz se referiram ao recém aprovado projeto pelo parlamento russo, que pede a Putin que reconheça – a decisão será dele – a independência das repúblicas rebeldes do Donbass, em razão da ameaça de genocídio, que parece aumentada pela infusão de armamento às toneladas por parte de Washington e Londres, que irão acabar em mãos dos batalhões de assalto neonazis na linha de contato.
Putin disse o apelo explica-se pela preocupação da grande maioria dos russos e dos legisladores com relação aos habitantes do Donbass e a ameaça de genocídio que paira sobre eles.
Já Scholz advertiu que tal reconhecimento da independência de Donetsk e Lugansk “seria uma catástrofe política”, e que a saída continua sendo o respeito, por todas as partes, dos Acordos de Minsk.
Na entrevista coletiva, Putin observou que Scholz disse que as pessoas da geração dele [“à qual eu certamente pertenço”, acrescentou] “acham difícil imaginar alguma guerra na Europa”, em referência à situação na Ucrânia.
O presidente russo aproveitou para dizer uma verdade inconveniente – pelo menos às ditas capitais ocidentais. “Todos nós fomos testemunhas da guerra na Europa que a Otan desencadeou contra a Iugoslávia”, disse Putin. Ele lembrou que houve uma grande operação militar envolvendo bombardeios contra uma das capitais europeias: Belgrado.
“Aconteceu. Sem nenhuma permissão do Conselho de Segurança da ONU. É um exemplo muito triste, mas é um fato duro”, disse Putin.
Em 24 de março de 1999, a Otan, sem uma resolução do Conselho de Segurança da ONU, lançou uma operação contra a Iugoslávia, que durou 78 dias. O pretexto da Otan era “evitar o genocídio dos albaneses de Kosovo”, que não existia. A Otan executou 10.000 bombardeios – que atingiram de asilos de idosos a estações de televisão e até uma embaixada.
Os ataques mataram 4 mil pessoas e deixaram mais de 10.000 feridos. Os danos materiais totalizaram US$ 100 bilhões. A Otan despejou sobre a Sérvia 15 toneladas de urânio empobrecido em bombas e granadas. As taxas de câncer do país subiram para o primeiro lugar na Europa. Nos primeiros dez anos após os bombardeios, cerca de 30 mil desenvolveram câncer e 10 mil morreram.
A questão do fornecimento de gás russo à Alemanha – e do gasoduto Nord Stream 2 – também foi abordada na reunião. Como enfatizou Putin, a Rússia continuou a fornecer gás à Alemanha a preços de contratos de longo prazo mesmo no período de escassez e de altos preços no mercado à vista.
“Em 2021 foram fornecidos à Alemanha 50,7 bilhões de metros cúbicos de gás russo. Sublinho que mesmo no período de altas cotações em bolsa do gás e de escassez de sua oferta na Europa, nós continuamos fornecendo combustível aos consumidores alemães com base em preços definidos por contratos de longo prazo”, continuou Putin, garantindo que a Rússia continuará fornecendo gás ao país através da Ucrânia mesmo após 2024, se houver demanda e rentabilidade.
Como assinalou Putin, quanto ao Nord Stream 2, a bola agora está com os certificadores alemães. Não é segredo que Washington tentou por todos os meios impedir a conclusão do gasoduto russo-alemão, inclusive por desejar substituir o gás russo por seu mais poluente e mais caro gás de fracking.