Prédio do Ministério de Relações Exteriores da Rússia, em Moscou

Os EUA e outros estados membros da Otan iniciaram uma “campanha tóxica” de acusações falsas a Moscou em resposta às garantias de segurança da Rússia, assinalou no sábado (22) o Ministério das Relações Exteriores (MRE) russo.

“Em vez de fazerem uma pausa e se concentrarem em respostas substantivas às questões colocadas nos documentos russos [propostas de medidas inadiáveis de segurança], a Casa Branca e seus aliados ocidentais lançaram uma campanha informativo-propagandítica altamente tóxica, pintando nosso país como ‘agressor’, ‘inimigo da Europa civilizada’ e ‘ameaça’ à estabilidade internacional”.

Ainda segundo a declaração, a publicação desse tipo de ‘relatório’ pelos EUA às vésperas das negociações entre o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, e o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, em Genebra, “é uma provocação aberta”.

“O próprio fato de o Departamento de Estado publicar tais ‘diretrizes instrucionais’ imediatamente antes das conversas entre o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Lavrov, e o secretário de Estado americano Blinken, em Genebra, não pode ser chamado senão de ‘provocação aberta’”, deixou claro a chancelaria russa.

“Incessantes ameaças de sanções ‘dolorosas’ destinadas a drenar nossa economia doméstica e solidificar um desafio sistemático à Rússia” têm se somado a provocações como essa, acrescentou o MRE russo.

“Impossível de ler”

Na coletiva de imprensa após a reunião com Blinken, o ministro Lavrov já considerara o apanhado de mentiras compilado pelos EUA como “impossível de ler”, de tão cretino, e facilmente desmascarado. Segundo ele, basta abrir “aleatoriamente” qualquer página do texto para entender que o conteúdo não resiste “a nenhuma crítica”.

As propostas russas para a restauração da segurança coletiva e indivisível na Europa foram entregues a Washington há mais de um mês (no dia 15 de dezembro), e tornadas públicas dois dias depois, após telefonema entre os presidentes Vladimir Putin e Joe Biden.

Três reuniões de esclarecimentos sobre as propostas se realizaram entre os dias 10 e 13, envolvendo discussões Rússia-EUA, Conselho Rússia-Otan e plenária da OSCE (Organização para a Segurança e Cooperação Europeia).

Apenas nesse último encontro Lavrov-Blinken o lado norte-americano respondeu à exigência russa de resposta “por escrito” e detalhada sobre as propostas de Moscou para segurança e estabilização da Europa, prometendo entregar até o dia 30 de janeiro.

A declaração observa, também, que desde que recebeu oficialmente as minutas sobre garantias juridicamente vinculantes de segurança e medidas para garantir a segurança tanto da Rússia quanto dos EUA/Otan, Washington vem fazendo “tentativas óbvias” de esticar o processo de negociação de parâmetros específicos proposto pela Rússia em vários níveis e formatos de especialistas.

Também a porta voz da chancelaria russa, Maria Zakharova, desancou o manual de fake news do Departamento de Estado sobre a ‘invasão da Ucrânia’. Ela disse que o relatório foi fabricado “com base em cenários separados fora de contexto” e abordagens atribuídas à Rússia “que não têm nada em comum com a realidade”, embora não soubesse se havia “mais mentira ou ignorância”.

“De uma coisa eu tenho certeza, isso só poderia ser publicado pelo ‘Ministério da Verdade’”, ironizou, em referência ao conhecido livro 1984.

Em Kiev, diante dos boatos sobre o iminente esvaziamento da embaixada norte-americana, o presidente-comediante Volodymir Zelensky correu a asseverar que estava havendo uma “reação exagerada” em torno a qual seria a situação real na Ucrânia.

No sábado, a embaixada dos EUA em Kiev, registrou, pelo Twitter, a chegada à Ucrânia de mais 90 toneladas de “ajuda letal”, que chamou de “primeiro carregamento de assistência recentemente ordenado pelo presidente Biden”, e fez questão de notar que incluía “munição para os defensores da linha de frente da Ucrânia”. Ou seja, a linha de demarcação que deveria, pelos acordos de Minsk, endossados pelo Conselho de Segurança da ONU, estar sendo desmilitarizada.

As propostas russas têm como objetivo restaurar na Europa o princípio da segurança “coletiva e indivisível”, segundo o qual, não pode haver uma preferência “seletiva” para a segurança de uns – que é o que a Otan alega ter por direito quiçá divino – em detrimento da segurança de outros.

Desde que Rússia e Otan assinaram o “ato fundador” em 1997, a Otan já realizou cinco ondas de anexações e hoje seus sistemas de ataque e tropas estão às portas das fronteiras russas, contrariando o compromisso, no processo de reunificação alemã, de que a aliança bélica controlada por Washington não se moveria “um centímetro” para leste.

Já que não cumprem a palavra, a Rússia agora exige “garantias juridicamente vinculantes”.

Também quer que os sistemas de armas ofensivas e as tropas instalados pela Otan para leste após 1997, retrocedam – o que inclui a Romênia e Bulgária, que não eram então membros da Otan.

Que mais nenhum estado ex-soviético seja anexado pela Otan, particularmente a Ucrânia e Geórgia, mas também se aplicando à Ásia Central e Cáucaso.

É como disse o presidente Putin em resposta a um jornalista norte-americano em sua coletiva anual: não somos nós que instalamos nossas armas nas fronteiras dos EUA, mas, pelo contrário, eles que já estão à nossa porta com suas armas. “Não temos como recuar”.

Com os novos mísseis hipersônicos, um míssil armado nuclearmente posicionado na Ucrânia levaria 4-5 minutos de voo para chegar a Moscou.

Os EUA, nos anos recentes, se retiraram, dando na prática fim, aos dois tratados que impediram nas últimas três décadas a guerra nuclear no teatro europeu. O Tratado INF, que proibiu mísseis de alcance intermediário, e o Tratado Open Skies, que permitia o monitoramento aéreo mútuo.

A proposta do presidente Putin de uma moratória da instalação de mísseis intermediários foi ignorada por Washington. Sem a segurança “coletiva e indivisível”, a ameaça de hecatombe nuclear estará de volta ao dia a dia na Europa, como já aconteceu nos anos 1980.