Walid Al Moallem se dirige à Assembleia Geral da ONU

Walid Moallem, principal diplomata sírio, ministro das Relações Exteriores e vice-primeiro-ministro da Síria, faleceu no dia 16, aos 79 anos, em Damasco.

Moallem foi o mais destacado defensor, em nível diplomático, da soberania da Síria durante a luta contra a agressão arquitetada e fomentada pelos Estados Unidos que teve início em 2011 e se estendeu até a declaração de vitória sobre as forças terroristas em 2019. A ocupação de trechos do território sírio por tropas norte-americanas ainda prossegue.

Formado em economia pela Universidade do Cairo, fez carreira diplomática passando pelos mais diversos cargos na diplomacia síria, atuando em diversas embaixadas, como a da Tanzânia, até chegar à função de embaixador, em primeiro lugar na Romênia e, mais tarde, de 1990 a 1999, nos Estados Unidos. Depois foi elevado à posição de ministro das Relações Exteriores e Expatriados, função que ocupava no momento em que bandos terroristas mal disfarçados de ‘oposição armada’ iniciaram uma série de ataques paramilitares por todo o território sírio, atingindo militares e civis em março de 2011.

INVASÃO

Com a finalidade clara de derrubar pela força o governo do presidente Bashar Al Assad, essas forças se mostraram, na verdade, bandos terroristas que, de início, partiram de bases montadas pelos EUA na Turquia, onde receberam treinamento, soldo e apoio em armas e dinheiro, para invadir a Síria.

Era uma agressão que se baseava nas fantasias de uma oposição antinacional que informava os Estados Unidos de uma suposta insatisfação generalizada contra Assad e que desenhava um quadro de passeio para a tomada do poder e a divisão do país para repartir entre os dispostos a vender a Síria por uma fatia de seu território.

Respaldado pela grande maioria do povo e com uma disposição heroica de luta de seu exército, alargado com a o voluntariado de civis que marcharam para a defesa do país, o governo sírio passou, com o presidente Assad à testa, a comandar uma resistência titânica à maior invasão terrorista (que, segundo Walid Moallem, abrangeu 160 bandos e, de acordo com o ministro da Defesa da Rússia, Sergei Shoigu, mais de 100 mil terroristas de 80 nacionalidades, arregimentados pela CIA, pela Arábia Saudita e pelo Qatar e ainda com o vergonhoso apoio de governos europeus a serviço dessa agressão, principalmente a França e a Inglaterra).

Coube a Walid Moallem, a quem o ministro das Relações Internacionais da Rússia, Sergei Lavrov, chamou de “sábio diplomata”, centralizar o amplo trabalho da diplomacia síria de esclarecimento, denúncia da invasão e busca de suporte entre países contrários à intervenção externa em seu país.

Graças a sua vontade patriótica e enérgica argumentação, assim como ao apoio do corpo diplomático da Síria com destaque para o embaixador da Síria na ONU, Bashar Al Jafari e os embaixadores e cônsules sírios por todo o mundo, inclusive no Brasil, com o embaixador Mohamed Khafif à frente, a Síria foi capaz de ir arregimentando uma ampla rejeição internacional à agressão comandada pelos Estados Unidos.

Desde o início da invasão fomentada pelos Estados Unidos, as delegações diplomáticas e parlamentares não pararam de chegar a Damasco; a Rússia e a China se posicionaram firmemente contra a ingerência estrangeira na ONU e em todos os fóruns internacionais. Países árabes, como o Líbano e a Argélia, estiveram entre aqueles que, desde o início enfrentaram as pressões sauditas na Liga Árabe e manifestaram apoio ao governo sírio. Foram seguidos pelo Iêmen e Iraque, país a quem Bashar Al Assad sempre prestou solidariedade exigindo a retirada das tropas de ocupação norte-americanas que ali se encontram desde outra invasão norte-americana a um país árabe. A Autoridade Nacional Palestina e a Jordânia se somaram ao apoio árabe.

Em 2015, depois de quatro anos de resistência à invasão por suas próprias forças, a Rússia declara e põe em prática apoio militar, principalmente aéreo, para ajudar a Síria a ampliar a contra-ofensiva contra os invasores. O governo sírio obteve respaldo militar também do Irã e dos combatentes libaneses, em especial do Hezbolá, como retribuição ao apoio da Síria, quando o Líbano foi invadido por Israel em 2006. À época, Moallem participou ativamente do esforço árabe de repúdio contra a invasão, logo rechaçada e derrotada. Naquela jornada diplomática, declarou em entrevista a um jornalista libanês: “Neste momento, eu gostaria de estar na trincheira ao lado dos guerrilheiros que resistem à invasão do Líbano”.

Seu patriotismo se expressava na busca pelo domínio dos fatos que usava para argumentar e desmascarar as falsas denúncias forjadas a serviço da invasão, que iam desde supostos massacres de civis a ataques com armas químicas, desmentidos por peritos e respeitados jornalistas de diversos países chamados a visitar a Síria.

Em todas os enfrentamentos mantinha uma postura ao mesmo tempo tranquila, altiva e firme com a qual ia ganhando o debate em favor das justas razões de seu país.

PAZ

“As bases para um acordo de paz”, costumava dizer, “são a garantia da integridade, soberania, independência, não interferência externa e o fim da presença terrorista na Síria”.

“Essa paz”, destacava, “tem que resultar de um diálogo entre os sírios, sem interferência estrangeira. Cabe aos sírios decidir sobre o futuro de seu país”.

Walid Moallem participou da elaboração e da divulgação dessas bases para o entendimento que acabou por isolar politicamente as forças invasoras e seus apoiadores.

A posição síria foi apresentada ao governo da Índia e depois relatada ao jornalista Siddharth Varadarajan, em entrevista à tv Rajya Sabha, em 2016, pouco antes de uma das rodadas internacionais de negociações de paz que se realizaria em Genebra, sob os auspícios da ONU.

Os pontos centrais foram elencados por Moallem nesta entrevista:

– Diálogo entre as correntes sírias que preservassem a integridade, a soberania e a independência da Síria.

– Não participariam no diálogo representantes dos grupos terroristas ou forças com vínculo com eles. “Nós não diferenciamos entre terroristas moderados e não moderados. Os sírios são vítimas de todo e qualquer terrorista”, declarou, numa rejeição a uma formulação divulgada pela mídia norte-americana depois que os bandos Daesh (Estado Islâmico) e Al Nusra filmaram a integrantes seus cortando cabeças de prisioneiros ou comendo fígado de combatentes sírios mortos, de que haveriam grupos armados “moderados”.

Aos grupos e indivíduos armados (à exceção da Al Nusra e do Daesh), o governo passou a oferecer duas alternativas: deposição das armas com anistia ou integração com o exército sírio para ajudar a combater o terrorismo no país.

– Do diálogo proposto pela Síria, resultaria a redação de uma Constituição a ser referendada pelo povo sírio.

– Posterior convocação de eleições parlamentares com a participação legalizada de todas as forças que participassem do entendimento entre os sírios.

Quando questionado sobre a sua expectativa para as negociações de Genebra naquele ano, pelo jornalista indiano, Moallem foi claro: “Depende. Se os governos estrangeiros decidirem não interferir, e eu me refiro especialmente aos Estados Unidos, Arábia Saudita e o Qatar, se eles deixarem os sírios resolverem suas questões, eu sou otimista”.

Infelizmente para Walid e o povo sírio, a interferência externa ainda prosseguiria por anos. Mas os avanços, tanto no terreno político, como no militar prosseguiram. Os terroristas foram sendo varridos de Alepo, Homs, Hama, Palmira, Maalula, Ghouta e muitas outras cidades, aldeias e povoados.

Na fase atual, embora o diplomata não vá poder acompanhar os passos finais que devem levar à Carta Magna, seus preparativos estão se adiantando com base nos alicerces que construiu. A elaboração da Constituição ensejou reuniões ao longo deste ano com integrantes do Comitê Constitucional que vem se reunindo sob auspícios da ONU e apoio da Rússia e da Turquia. Há uma nova reunião marcada para dentro de alguns dias.

NA ONU

Dois anos antes da entrevista ao jornalista indiano, um incidente, envolvendo Moallem e o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, mostra com clareza a disposição de combate do diplomata sírio quando se tratava de defender sua pátria.

Em uma reunião do Conselho de Segurança da ONU, Walid Moallem, fazia um pronunciamento sobre a situação na Síria, quando o secretário-geral pediu que ele finalizasse, pois já falava por 20 minutos. Moallem, alegando ter questões importantes a acrescentar pediu mais cinco minutos para finalizar sua declaração e Ban Ki-moon negou-se a conceder o tempo. Com decisão e firmeza, mas sem cair qualquer laivo de grosseria, Moallem admoestou o secretário: “O senhor mora em Nova Iorque, eu vivo na Síria. Viajei 12 horas de avião desde o meu país vítima de uma invasão. Eu tenho o direito de apresentar a versão síria neste fórum”. Moallem acabou por conseguir finalizar seu discurso.