Martin Guzmán, ministro da Economia do governo de Alberto Fernandez deixou claro que a Argentina não pretende promover nenhum tipo de arrocho com a finalidade de juntar dinheiro para pagar a dívida, seja com o FMI, seja com os titulares de títulos adquiridos em plena crise detonada pela política de retração econômica macrista.
“O ajuste fiscal [terminologia dos economistas para a aplicação do arrocho sobre o povo] que seria requerido para pagar os compromissos assumidos com o FMI para os próximos anos levaria à destruição total da economia argentina”, afirmou Guzmán em seu encontro com os deputados no dia 13, já com a missão do FMI em Buenos Aires.
O ministro destacou que “esta é uma crise na qual todas as partes têm responsabilidade. A Argentina a tem, assim como os titulares de títulos que decidiram apostar cobrando taxas altas. E o FMI tem responsabilidade, ao outorgar o maior empréstimo de sua história utilizado para financiar outras dívidas, em um marco de evidente insustentabilidade e para financiar a fuga de capitais”.
“Assim como é importante não esquecer, também é importante olhar para diante”, acrescentou Guzmán em sua exposição aos deputados argentinos, referindo-se aos danos que a relação com o fundo e especuladores produziu no país.
A vice-presidente argentina, Cristina Kirchner, diante da recusa do Fundo Monetário Internacional (FMI) de aplicar uma redução “substancial” ao crédito de 57 bilhões de dólares acordado pelo governo anterior encabeçado por Mauricio Macri, assinalou que o órgão deveria rever sua posição.
Desde Washington, o porta-voz do FMI, Gerry Rice rechaçou o pedido de uma diminuição formulada poucos dias atrás por Cristina, que observou que esse crédito foi “ilegal”. Sem levar em consideração a situação real em que o empréstimo foi concedido, Rice respondeu: “A capacidade do FMI para reestruturar sua dívida, adiar os reembolsos e as recompras está limitada por nossos marcos legais e políticos”.
“Sem comentários. Os argentinos e as argentinas sabemos ler”, expressou a vice-presidente em sua conta de Twitter citando o artigo IV do Convenio Constitutivo do FMI que se refere às transferências de capital: “Nenhum país membro poderá utilizar os recursos gerais do Fundo para fazer frente a uma saída considerável ou contínua de capital”. E detalhou que, no caso em questão, só em 2019, a fuga de capitais da “era Macri” chegou a 26, 865 bilhões de dólares, a metade da totalidade da dívida com o organismo, e durante toda a gestão do ex-presidente foram tirados do país 88, 371 bilhões, cifra bem maior que todo o empréstimo.
Desde Cuba, onde apresentou seu livro ‘Sinceramente’, Cristina questionou a decisão do Fundo de realizar o maior empréstimo de sua história à gestão de Macri e insistiu: “Eu me pergunto, quando dizem ‘não, não se pode fazer uma redução no crédito do FMI porque seu estatuto proíbe fazer diminuições’, como é que o estatuto do FMI proíbe fazer diminuições? Também proíbe que se forneçam empréstimos para permitir expatriação do dinheiro. E por que vamos fazer valer uma proibição e a outra não?”.
“Pelo menos deveria estabelecer uma diminuição substancial porque se fez esse empréstimo violando as obrigações que tem o próprio FMI”, afirmou.
O presidente Alberto Fernández respaldou a postura de Cristina Kirchner. Em entrevista ao jornalista Oscar González Oro, na Rádio Rivadavia, afirmou que “A observação de Cristina é muito pertinente, porque muitas vezes eu disse que o Fundo descumpriu com o fato de que o estatuto proíbe emprestar dinheiro para cobrir corridas cambiais. O que Cristina diz é que se não cumpriram isso, que façam um desconto. É absolutamente pertinente”.
Cristina apontou ainda que o estatuto do FMI também assinala que esse organismo deve pedir ao país a aplicação de “medidas de controle” de capitais. “Não só o Fundo não o fez, como Macri não aplicou os controles que a oposição lhe exigia até pouco antes de abandonar o poder após sua derrota eleitoral de 2019”.
Uma delegação do Fundo chegou a Buenos Aires na quarta-feira, 12, e permanecerá no país até dia 19 de fevereiro. Daniel Arroyo, ministro de Desenvolvimento Social, recebeu os representantes do FMI na sexta-feira, 14. Os delegados pediram a reunião para ouvir do governo a avaliação sobre a situação. O ministro a descreveu como “uma catástrofe social”, para a qual esse empréstimo, sem nenhum controle nem regra, contribuiu.
Arroyo lhes ofereceu um detalhado quadro da situação, assinalando a deterioração das condições de vida que chega a até milhares de pessoas passando fome, a situação crítica de algumas regiões, e a intervenção fundamental que o Estado deve assumir para minorar os problemas sociais, investir na produção, aumentar os salários e as aposentadorias, tudo com o objetivo de superar a recessão. “Parece-me que ficou claro que não há espaço para mais arrocho e ajustes”, sintetizou o ministro referindo-se às questões tratadas na reunião.
O ministro de Economia, Martín Guzmán, também se reuniu com a delegação do Fundo. “O encontro se desenvolveu em um clima construtivo e forma parte das consultas que os técnicos do organismo levam adiante no país para intercambiar opiniões com os funcionários argentinos sobre o programa de sustentabilidade da dívida”, disse o Ministério a través de um comunicado.
A delegação do FMI está encabeçada pela diretora adjunta do Departamento do Hemisfério Ocidental, Julie Kozack. Na próxima semana se reunirão com o presidente do Banco Central, Miguel Pesce, e com Mercedes Marcó del Pont, titular da Administração Federal de Ingressos Públicos, Afip, equivalente à nossa Receita Federal.