Após bater o recorde de registros de novos agrotóxicos em 2019, o Ministério da Agricultura
inovou e publicou uma portaria que determina a autorização automática de agrotóxicos.
A pasta, chefiada pela líder da bancada ruralista, Teresa Cristina, orienta que o uso dos novos
venenos seja liberado caso o produto não seja avaliado pela Secretaria da Defesa Agropecuária
em um período de 60 dias.
Em 2017, Teresa Cristina foi apelidada pelos membros da bancada ruralista como a “Musa do
Veneno”, por defender a liberação indiscriminada do uso de agrotóxicos nas plantações
brasileiras.
A análise feita pela secretaria é a última etapa do processo de aprovação dos agrotóxicos, que
também precisam passar pelo crivo do Ministério da Saúde, do Ministério do Meio Ambiente e
do Ibama, que medem, respectivamente, impactos na saúde humana e impactos no meio
ambiente. Atualmente, o prazo do órgão é de 120 dias. A medida, que passará a valer a partir
do dia primeiro de abril.
A portaria engloba 86 atos, dentre eles estão o registro de produtos para uso veterinário, com
o prazo de 720 dias, até casos como registro de produtos de origem animal que, na prática,
passam a ser automáticos, já que o prazo de dias estipulado para regulamentação é zero.
Num desses atos, está o “registro de agrotóxicos e afins”, com o prazo de 60 dias — a metade
do dedicado ao registro de fertilizantes, corretivos, substratos de plantas etc.
MEDIDA PREOCUPANTE
O engenheiro agrônomo Leonardo Melgarejo, integrante da Associação Brasileira de
Agroecologia para a Região Sul, classifica como muito preocupante a decisão do Ministério da
Agricultura, apesar de uma coisa como essa não ser surpreendente dentro do governo
Bolsonaro.
“Está dentro desse padrão em que há uma clara sinalização da ascendência do Ministério da
Agricultura sobre a Saúde e o Meio Ambiente. São vários movimentos para acelerar essa
liberação. Um ministério que não ampliou sua capacidade de análise, o número de analistas,
os laboratórios, como poderia reduzir o prazo das análises? Que análises seriam essas que
podem admitir dispensa?”, disse à Reuters.
A preocupação com o curto prazo se dá por conta da complexidade das análises feitas por
Anvisa e Ibama. Os processos tocados pelos Ministérios da Saúde e do Meio Ambiente, que
acontecem simultaneamente, são mais demorados que a etapa final, que cabe ao Ministério
da Agricultura.
“Os analistas desses órgãos avaliam um conjunto muito grande de dados, com milhares de
páginas para cada produto. O processo é inevitavelmente moroso pela quantidade de
informação”, diz o toxicologista Claud Goellner. “É um trabalho de grande responsabilidade
feito por pessoas que têm muito conhecimento”, completa ele.

Se o prazo limite afetar as análises dos órgãos ambiental e toxicológico, a medida preocupa os
especialistas. “A Anvisa definiu um prazo de quatro anos por produto a ser analisado, a
secretaria colocou 60 dias e o Ibama não fixou nada. Não há harmonia entre os órgãos”,
pontua José Otávio Mentel, professor da Escola Superior de Agricultura da USP e presidente do
Conselho Científico Agrosustentável, que defende uma regulamentação melhor do processo.
“É preocupante que o agrotóxico seja aprovado se estourar os 60 dias mesmo sem um parecer
dos órgãos que fazem o registro, porque eles precisam ser ouvidos. E não está claro em lugar
nenhum quanto tempo Anvisa e Ibama precisam para que o estudo seja bem feito”.
A portaria tem como objetivo agilizar o processo de aprovação dos agrotóxicos e aumentar o
número de permissões no Brasil, mas a medida preocupa até o diretor da Associação Brasileira
dos Defensores Genéricos, Túlio de Oliveira. “A maioria do setor de agroquímicos não quer [a
nova regra] porque é um prazo muito curto para qualquer análise de agrotóxicos”, diz Oliveira
Para o diretor, a decisão é ruim para a imagem do setor na sociedade porque possibilita a
entrada de “empresas aproveitadoras de qualidade discutível”.
Túlio Oliveira ainda aponta que “tem mais de 1.000 produtos há anos na fila para serem
regularizados aqui. Se eu sou um diretor de uma empresa dessas, entro amanhã com um
recurso para expedir o meu registro. Isso vai causar um tumulto”. “A empresa poderá
comercializar um produto enquanto a análise sobre o registro ainda está em andamento. Eu
defendo os direitos dos genéricos agrícolas, mas isso vai trazer muitas críticas ao setor”, opina
ele.
PL DO VENENO
A portaria ainda causa preocupação de ambientalistas diante de uma possível aprovação do
que chamam de “PL do Veneno”. O Projeto de Lei 6299/2002, aprovado em 2018 em uma
comissão especial na Câmara, pretende transferir o poder de aprovação dos agrotóxicos ao
Ministério da Agricultura, tornando Anvisa e Meio Ambiente apenas órgãos consultivos. O PL
está parado no Congresso, mas se aprovado com a nova portaria vigente, será a festa liberada,
open bar de agrotóxicos em solo brasileiro.
Em 2019, foram liberados 467 novos produtos, incluindo agrotóxicos com 46 novos
componentes que ainda não apareciam em autorizações anteriores, de acordo com dados da
Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e Pela Vida (CPAV).
Com a publicação da portaria, a CPAV questionou publicamente as intenções do governo.
“Qual motivo da pressa para colocar no mercado mais agrotóxicos com princípios ativos
perigosos e já banidos na União Europeia e outros países? Porque o Ministério da Agricultura
não contrata mais técnicos para fazer a avaliação em menor tempo, ao invés de simplesmente
abolir a avaliação? É mais fácil suspender as regulações e normativas do que realizar os
processos necessários de avaliação? Quantos agrotóxicos até hoje foram avaliados em 60 dias?
Quem se responsabiliza pela segurança e eficácia de um agrotóxico aprovado “tacitamente”?
O prazo vale também para o Ibama e para a Anvisa? Ou a Portaria já adianta o Pacote do
Veneno, e exclui de uma vez por todas os órgãos de Saúde e Meio Ambiente?”.
“Esta medida, em conjunto com a Resolução 2080/2019 da Anvisa, que reduziu a classificação
toxicológica da maior parte dos agrotóxicos no Brasil, abre caminho em nosso país para um
verdadeiro festival vale-tudo das empresas transnacionais vendedoras de venenos.
Repudiamos de forma veemente e nos comprometemos diante da sociedade brasileira a lutar

contra mais esta medida absurda do Governo Bolsonaro e sua Ministra dos Agrotóxicos, Tereza
Cristina”, destaca a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida.