Em abril, fascistas exibem armas pesadas contra medidas da OMS de combate à pandemia | Paul Sancya/AP

Os milicianos de extrema direita que planejaram sequestrar e assassinar a governadora do Michigan, Gretchen Whitmer, presos na semana passada, também discutiram o assassinato do governador democrata de Virgínia, Ralph Northan. A revelação foi feita pelo agente especial do FBI, Richard Trask, ao tribunal federal que investiga o caso.

Virgínia, ao lado de Michigan e, ainda, de Minnesota, fizeram parte da célebre convocação de Trump de abril a “libertar” Estados que praticavam uma política de contenção da pandemia de Covid, que ele dizia ser só “uma gripe comum”. “Libertem Michigan”; “Libertem Virginia”, “Libertem Minnesota”, tuitara, então, sucessivamente, Trump.

O ataque ao governador Northan esteve em pauta numa reunião realizada pelos milicianos em junho, em Dublin, no estado de Ohio, segundo o agente Trask.

À medida que as investigações avançam, surgem novos indícios das ligações desses milicianos com trumpistas de carteirinha.

Como registrou a CNN, figurinhas carimbadas do trumpismo vêm defendendo abertamente os milicianos, alegando que o que eles estavam planejando era tudo “legal”. O xerife do condado de Barry, Dar Leaf, da Associação de Xerifes Constitucionais e Oficiais da Paz (AXCOP), disse cinicamente que “muitas pessoas estão zangadas com a governadora e querem que ela seja presa”.

A AXCOP é uma associação fundada pelo ex-xerife do Arizona, Joe Arpaio, conhecido pelo racismo e por perseguir imigrantes. Condenado por desacato a um tribunal, ele recebeu perdão presidencial de Trump em 2017.

“Então, [os milicianos] estavam tentando prendê-la ou foi uma tentativa de sequestro?”, questionou Leaf. Ele insistiu que “em Michigan, se for um crime, você ainda pode fazer uma prisão por crime” e acrescentou que não seria por estar “em um cargo eleito que está isento dessa prisão” – como se a criminosa fosse a governadora, e não os fascistas. “Eu tenho que olhar por esse ângulo”, asseverou.

Leaf admitiu ter participado de comícios com dois dos réus, Michael e William Null, [foram fotografados juntos] e defendeu as milícias. “Bem, você olha a própria mídia e as origens da milícia. Eles têm mais legitimidade neste país do que as agências que os prenderam”, enfatizou. Em 2016, a AXCORP premiou Leaf como o “Xerife do Ano”

NEGROS DO TRUMP

Outro membro proeminente da AXCOP, é o ex-xeerife do condado de Milwaukee, David Clarke, um negro que virou sensação na Convenção Republicana de 2016 por sua adesão a Trump, de quem é desde então notório porta-voz nos círculos policiais.

O ex-xerife viajou para Michigan em abril para se dirigir a uma aglomeração de milicianos contrários às medidas contra a Covid, conforme relatou o jornal Urban Milwaukee, que perguntou no título da matéria: “será que David Clarke inspirou a milícia de Michigan?”.

De acordo com o artigo, “em meados de abril, quando os manifestantes se reuniram em Lansing para pedir resistência às restrições à pandemia postas em prática por Whitmer, Clarke foi o orador principal.” Vários dos conspiradores agora presos estavam presentes no “comício”.

Em setembro, quando o diretor do FBI, Christopher Wray, testemunhou perante o Congresso que o principal perigo doméstico eram as milícias de extrema direita, apoplético, o “Xerife do Ano de 2013’, David Clarke, exigiu sua demissão nas redes sociais, acusando-o de minimizar a ameaça da “esquerda radical”. “É dever do FBI abordar essa ameaça terrorista e sufocá-la”, afirmou ainda Clarke, repetindo o espantalho acenado por Trump. “Estes são os Estados Unidos da América. Será que vamos ficar parados enquanto os terroristas correm soltos nas nossas ruas ?! Isso é o que os americanos estão perguntando enquanto o diretor do FBI, Christopher Wray, parece estar dormindo enquanto os terroristas atacam mais uma vez em uma grande cidade dos EUA.

Outro foco das investigações é a loja de armas Huron Valley Guns, que contratou em fevereiro o ex-soldado do exército Paul Edward Bellar, que está sendo acusado de cumprir o papel de “sargento” nos Wolverine Watchmen, por seus conhecimentos específicos sobre armas de fogo e treinamento tático. Ele foi preso na semana passada na Carolina do Sul.

O proprietário da Huron, Ed Swadish, é um feroz apoiador de Trump e opositor de Whitmer, com conexões com as forças policiais, a força anti-imigração (ICE, na sigla em inglês) e o Partido Republicano.

A prisão de Bellar acabou estragando um comício que iria ocorrer na Huron, com a presença do filho de Trump, Eric. O proprietário, pelo Facebook, responsabilizou Whitmer pelo percalço: “A governadora iria acusar o governo [Trump] de enviar seu filho para uma instalação onde terroristas trabalham e treinam.” Oficialmente, a campanha de Trump passou a considerar o local “pequeno”.

Conforme registros públicos, a Huron Valley Guns foi favorecida com contratos de dezenas de milhares de dólares para treinar policiais e oficiais anti-imigração de toda a região no campo de tiro da empresa. Outro contrato é de treino de policiais designados para o Departamento de Assuntos de Veteranos.

As instalações da Huron incluem, ainda, restaurante e salão de banquete, local utilizado para arrecadação de fundos para os candidatos republicanos. Também é cenário de reuniões de associações de policiais de cunho extremista.

Entre as figuras flagradas nesses regabofes, estão a deputada estadual republicana Kathy Crawford, o xerife do condado de Oakland, Mike Bouchard, e o deputado estadual republicano de Milford, Matt Maddock.

Maddock é fundador da Coalizão Conservadora do Michigan, que financiou as aglomerações de gente empunhando armas de grosso calibre, adeptas do contágio de rebanho. Note-se que Michigan chegou a ser o terceiro pior Estado em matéria de infectados e mortos do coronavírus. Já sua esposa, Meshawn, atua no conselho consultivo da campanha de Trump em Michigan e é líder da organização “Mulheres por Trump”.

ENTRELAÇAMENTO

Segundo uma denúncia de 2017 da revista Rolling Stone, a AXCOP “compartilha a gestão e os membros do conselho com os ‘Oath Keepers’” – esta, outra alentada organização paramilitar norte-americana.

A Associação de Xerifes tem ainda um diretor operacional, Sam Bushman, que é apresentador de um programa de rádio de extrema direita que atende pelo nome de ‘Mesa Redonda da Liberdade’. Nos meses anteriores à eleição de 2016, Bushman entrevistou dois filhos de Trump, Donald Jr e Eric, o faz-tudo Roger Stone, o ex-diretor da CIA James Woosley e, claro, o “Xerife do Ano” Clarke.

O programa de Bushman também distribui um programa do negacionista do Holocausto, o neonazista norte-americano James Edwards. O programa de Edwards é exibido no Stormfront, um site abertamente nazista.

Os ‘Wolverine Watchen” não são a única milícia merecedora dos acenos trumpistas. A convocação de Trump aos ‘Proud Boys’ para que “recuassem e ficassem de prontidão”, feita durante o tumultuado primeiro debate com Biden, chamou novamente a atenção sobre a deferência de Trump para com essa escória. Há ainda os ‘Patriotas Que Rezam’ e muitos outros.

A mídia tem denunciado que Roger Stone – a quem Trump perdoou em julho – tem se dedicado a estreitar os laços com os Proud Boys e com o delirante QAnon, cujos integrantes acham que o presidente bilionário chefia uma cruzada contra uma seita satânica de pedófilos, que agem em conluio com os democratas e com Hollywood.
São “gente boa” e que “gostam de mim”, já disse Trump a repórteres. Foi ele também que asseverou haver “gente boa” dos dois lados, quando em 2017 manifestantes nazistas em Charllotesville atropelaram e mataram uma manifestante antifascista.

Em outra frente, a da fraude, na Califórnia o Partido Republicano acintosamente instalou caixas falsas de coleta de votos pelo correio e diz que vai “manter o programa”, apesar de advertido de que se trata de violação da lei estadual – além de ser uma tentativa de ludibriar eleitores incautos.

Não apenas as caixas instaladas pelos republicanos não foram estabelecidas por nenhuma autoridade, como há denúncias de caixas piratas fraudulentamente rotuladas como “oficiais”.

Em uma coletiva de imprensa conjunta com o procurador-geral Xavier Becerra (D), o secretário de Estado da Califórnia, Alex Padilla afirmou que as únicas urnas legais são aquelas operadas por funcionários eleitorais estaduais.

“Meu escritório está coordenando com as autoridades locais para lidar com os vários relatos de urnas não autorizadas. Os californianos só devem usar urnas oficiais que foram distribuídas e protegidas por seu escritório eleitoral do condado.”

É legal na Califórnia a coleta de votos, desde que os eleitores autorizem os coletores, que devem assinar cada envelope e registrar sua relação com o eleitor. Nessas urnas piratas não há uma pessoa identificada autorizada por cada eleitor para coletar os formulários.

Ainda de acordo com a lei estadual, uma “urna eleitoral por correio” é definida como “um receptáculo seguro estabelecido por um funcionário eleitoral de condado ou cidade e condado”.