São 53 fábricas paradas no país inteiro

Montadora oferece 2% de reajuste e aumenta desconto por saúde dos atuais 3% para 15%. A greve exige também o fim do sistema de dois níveis: novos trabalhadores recebem por igual trabalho US$ 17/hora em vez de US$ 30/hora

A greve dos quase 50 mil metalúrgicos da General Motors começou no domingo (15) e já ultrapassou uma semana de duração diante da intransigência da maior montadora norte-americana, que na prática está propondo redução de salário, ao ameaçar aumentar drasticamente o desconto para o plano de saúde de 3% do salário para 15%, enquanto o reajuste ficaria em torno de 2%, mais bônus de US$ 8.000. São 53 fábricas paradas no país inteiro – 31 de montagem de automóveis, SUVs e caminhões e 22 de autopeças e outras instalações.

A greve já superou os dois dias da paralisação de 2007, a última que ocorrera. A greve de 1998 durou 54 dias. O contrato coletivo de quatro anos terminou no domingo, em meio ao impasse nas negociações, com os líderes sindicais votando unanimemente pela greve. Na paralisação de 12 anos atrás, eram 73 mil trabalhadores da GM em 89 fábricas, segundo o Wall Street Journal.

Outra motivação central da greve é a recusa da GM em mexer de forma significativa no sistema de contratação de dois níveis, imposto desde o socorro de Obama à montadora para que não falisse, em que os trabalhadores que ingressaram depois de 2008 (‘os em regime de progressão’) recebem quase a metade do pagamento dos mais antigos por trabalho igual.

Há ainda um terceiro nível, o dos temporários, que recebem ainda menos e quase não têm direitos e sujeitos a cronogramas de trabalho imprevisíveis e disciplina arbitrária. O que os metalúrgicos da GM querem é a volta do salário igual para trabalho igual, superando esse enorme retrocesso para os trabalhadores, que foi uma pré-condição de Obama para resgatar a GM à beira da bancarrota. Na época, os trabalhadores da GM também tiveram de aceitar grandes perdas nas aposentadorias.

Como o colunista do The New York Times, Steve Greenhouse, assinalou, “a greve dos trabalhadores da indústria automotiva é maior do que a GM”, numa constatação de que as greves chegaram ao operariado norte-americano. É a primeira greve dos metalúrgicos das montadoras desde o crash de 2008.

Ele registrou que a greve da GM faz parte de uma onda de greves nos últimos dois anos por professores, trabalhadores de supermercados, de hotéis e outras categorias, que “foi alimentada pela consternação generalizada dos americanos com a estagnação salarial e a desigualdade de renda, mesmo quando os lucros das empresas estão nas alturas”.

Como o acordo coletivo também caducou na Ford e na Fiat Chrysler, o embate na GM é uma antessala do que pode vir a suceder nas outras duas grandes montadoras norte-americanas. Ao todo, são 150 mil trabalhadores.

Como um operário especializado da fábrica de motores da GM em Flint assinalou, “não há como esse acordo [proposto pela GM] passar”. “Não somos trouxas”, acrescentou. “15% de nosso salário iria para o aumento dos custos com saúde. Isso significa que teríamos um corte salarial. De jeito nenhum, é uma empresa que ganha bilhões”.

Terry Dittes, vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Montadoras de automóveis (UAW) e chefe dos negociadores da categoria, denunciou que a GM está se recusando “a ceder uma polegada” às demandas dos trabalhadores.

“Enquanto lutamos por melhores salários, assistência médica de qualidade acessível e segurança no emprego, a GM se recusa a colocar os trabalhadores à frente de seus lucros recordes de US $ 35 bilhões na América do Norte nos últimos três anos”, acrescentou, lembrando que “nós defendemos a General Motors quando mais precisou de nós”.

Com o peso que o voto dos trabalhadores brancos e do Cinturão da Ferrugem em geral teve para a vitória de Trump, o embate, a um ano da disputa pela reeleição, chama a atenção, com o site Político dizendo que o presidente bilionário está tentando interferir em busca de dividendos eleitorais. Seus operadores da guerra comercial, Larry Kudlow e Peter Navarro, estariam agindo por trás dos panos.

O chefe da Casa Branca já chegou a dizer que a GM estaria se metendo com “o cara errado”, mas a verdade é que, depois de aquinhoada com o corte de impostos de Trump, a montadora sem a menor cerimônia transferiu fábricas para o exterior e em novembro passado anunciou o fechamento de mais quatro fábricas nos EUA. A China já é o maior mercado da GM.

Durante a campanha de 2016, o então candidato Trump asseverou aos trabalhadores das montadoras de Michigan que, se eleito, “vocês não perderão uma só fábrica, haverá fábricas entrando neste país, haverá empregos novamente”. Mas a GM mudou a produção do Chevy Blazer para o México e a fábrica de Lordstown, em Ohio, foi fechada em março.

RETALIAÇÃO: GM CORTA PLANO DE SAÚDE

A GM divulgou uma cínica mensagem lamentando a greve e dizendo que negociara de “boa fé” e apresentara “uma forte proposta que melhora os salários, os benefícios e gera empregos nos EUA de maneira significativa”.

A “boa fé” da GM voltou a aparecer na terça-feira, quando a montadora cortou o plano de saúde dos funcionários, ação que o jornal Detroit Free considerou que ia “jogar gasolina no fogo” da mobilização.

Represália que foi denunciada por parlamentares que defendem o ‘Medicare para Todos’, a extensão da saúde pública para idosos, que já existe. para toda a população. Eles apontaram que a arbitrariedade era mais uma prova de quão urgente é o ‘Medicare para Todos’.

O ex-presidente do Conselho Nacional de Relações do Trabalho, William Gould IV, avaliou o ato como uma “decisão calculada” para pressionar o sindicato. “Mas é como atirar uma bandeira vermelha diante de um touro”, advertiu.

Uma fonte do sindicato denunciou a medida como uma “tática de apavoramento” e “desnecessária”. “Os trabalhadores ajudaram a salvar esta companhia quando ia falir e aqui eles estão em greve por um dia ou dois e a companhia faz isso?”, questionou.

Um metalúrgico de Cleveland resumiu o porquê da recusa dos trabalhadores de terem um corte de salário brutal disfarçado de custo da assistência médica. “Se um robô quebra, eles pagam para consertá-lo. Eles nos tratam como robôs. Eles nos quebram, devem pagar para nos consertar”.

ENÉSIMA ‘REESTRUTURAÇÃO’

Quanto à manutenção dos empregos, desde novembro do ano passado a executiva-chefe da GM, Mary Barra, anunciou uma ‘reestruturação’ para ‘cortar custos’, com fechamento de oito fábricas no mundo inteiro – sendo quatro nos EUA – e mais de 14 mil demissões.

Nas negociações que não foram adiante, a GM se limitaria em abrir um pequeno número de postos de trabalho nas fábricas de Lordstown, em Ohio, (atualmente ociosa) e Detroit-Hamtramck, Michigan, enquanto as fábricas de transmissão de Warren, no estado de Michigan, e Baltimore, em Maryland, permaneceriam fechadas.

O plano da GM foi rechaçado por Sean Crawford, operário da montagem de SUVs em Flint. “A GM não se importa com a América, não se importa com o que acontece com nossas comunidades. Cidades inteiras estão sendo dizimadas pelo desinvestimento. Eles podem abanar a bandeira em seus anúncios de TV tanto quanto quiserem, mas destruíram comunidades inteiras cujas pessoas apenas tentavam criar suas famílias”.

Ao Lansing State Journal, o grevista Alex Hernandez, de 38 anos, que trabalha na GM Lansing Delta, relatou que “a maioria de nós não tem como comprar os veículos que nós fazemos”. “Isto é o que acontece em países do Terceiro Mundo. Nós não estamos em um país do Terceiro Mundo”. O que deve fazer Henry Ford se remexer na tumba.

Hernandez disse ainda que, se contratado, “eu poderia ter um futuro aqui”. “[As pessoas] não sabem se vão ser demitidas. Não sabem mais se terão segurança no emprego”, acrescentou.

Enquanto o piso dos trabalhadores antigos é de US$ 30 a hora, o dos contratados pós-2008 é de US$ 17 – apenas US$ 2 a mais que o salário mínimo que os sindicatos norte-americanos estão pleiteando, de US$ 15. Para subirem ao patamar de US$ 30 a hora, esses trabalhadores nível 2 levam 8 anos. E vários ultrapassam os 8 anos e continuam esperando a vez. Ainda mais espremida é a situação dos temporários de tempo parcial. O que os trabalhadores querem é que seja cumprido o preceito de pagamento igual para trabalho igual, que segue sendo violado há uma década, e que o prazo para efetivação como trabalhador permanente seja de 90 dias.

QUEDA DE BRAÇO

A GM já está apelando para fura-greves tentando manter em operação suas principais instalações, incluindo as de Flint, Arlington e Wentzville. De acordo com avaliação do Citigroup, a corporação está perdendo até US$ 100 milhões por dia de greve. Já há escassez de peças e desaceleração da produção no Canadá e no México. Na fábrica canadense de Oshawa, 1200 foram mandados para casa temporariamente devido à falta de peças.

Há rumores de que a GM quer aumentar o número de trabalhadores temporários, hoje de 7%-10%, com salários e benefícios irrisórios e rapidamente demissíveis caso a crise bata de frente. Relatório da OCDE divulgado na quinta-feira não foi nada otimista sobre o que espera o mundo no próximo ano.

@realDonaldTrump já foi para sua torre no Twitter para dizer que “aqui vamos novamente com a General Motors e o United Auto Workers. Unam-se e façam um acordo!” – e até já ofereceu sua mediação às partes.

Conclamação que possivelmente vem sendo reforçada pela nada discreta sucessão de incursões, acusações e até prisões desencadeadas pelo Departamento de Justiça de Trump, pelo Imposto de Renda e pelo FBI contra a cabeça do sindicato, às vésperas das negociações do novo acordo coletivo das montadoras e já agora em plena greve. Até a casa do presidente Gary Jones foi revistada.

Enquanto isso, o senador Bernie Sanders lembrou que a GM recebeu um resgate de US $ 50 bilhões, bancado pelos contribuintes dos EUA, há uma década. “Nossa mensagem para a General Motors é simples: acabe com a ganância, sente-se com o UAW e elabore um acordo que trate seus funcionários com o respeito e a dignidade que eles merecem”, afirmou em comunicado.

ANTONIO PIMENTA