A subestimação do distanciamento social no enfrentamento da Covid-19 levou o governo chileno a adotar a quarentena tardiamente – e ainda assim de forma restrita a algumas regiões – na quinta-feira (26). Com isso, disparou o número de infectados e o país lidera a tabela de casos positivos por cada milhão de habitantes na região. O sistema de saúde não está dando conta de atender o grande número de doentes e a mercantilização do acesso aos cuidados médicos tornar-se uma tragédia na situação de pandemia atual.

Os números oficiais até esta terça-feira apontavam que a pandemia gerou uma crise sanitária que já havia deixado 12 mortos e 2.738 contaminados, obrigando uma urgente – mas tardia – intervenção estatal para cobrir as enormes brechas e insuficiências do sistema de saúde privado.

“O sistema de saúde em nosso país foi desmantelado desde a ditatura até agora. Aqui os direitos são um negócio”, sintetizou a deputada do Comunes, Camila Rojas Valderrama.

A privatização da saúde e a inação de Piñera fez com que os prefeitos agissem, determinando quarentenas, suspendendo aulas e fechando centros comerciais. Pressionado, o governo decretou “Estado de Exceção” a partir de 18 de março, determinando o toque de recolher e fechando as fronteiras, mas mantendo a quarentena circunscrita às regiões mais afetadas – e nem sequer para a sua totalidade.

“Em Santiago estamos de quarentena desde a última quinta-feira, mas apenas em sete bairros, o que coincide com a área mais rica. É uma medida irrisória, porque no final há pessoas de outros bairros entrando e saindo normalmente”, declarou a diretora Programática de Saúde da Fundação Progresso, Oriele Núñez. Médica e mestre em saúde pública da Universidade do Chile, Núñez critica o fato de que mesmo o transporte público não tenha sido suspenso, “somente o seu horário de funcionamento”. “Isso gera aglomeração de pessoas desesperadas por chegar a seu lugar de trabalho”, explicou.

Na avaliação da deputada Rojas Valderrama, o governo agiu de forma lenta e somente depois de uma enorme pressão social. “Há alguns dias, Piñera disse que estávamos melhor preparados que a Itália, porém se analisamos os números de camas e ventiladores já se vê que estamos numa situação bem crítica”, alertou.

Conforme o senador Juan Ignacio Latorre, do partido Revolução Democrática, integrante da Frente Ampla, a situação é dramática: “em muitos hospitais públicos há problemas de insumos, falta de médicos e de equipamentos etc. Aí é onde aparecem as dificuldades para a grande maioria da população que se socorre no sistema público, tendo que enfrentar infinitas listas de espera. Caso não seja de urgência, uma intervenção cirúrgica pode demorar meses”. Latorre esclarece que é “isso é o que vem ocorrendo nos últimos 30 anos com as políticas neoliberais”, tanto com os governos de direita como os da pretensa esquerda. “Aprofundaram a transferência de recursos públicos para comprar serviços ao setor privado. É um esquema de Estado subsidiário, em que na prática se privatiza a saúde a partir dos recursos estatais”, sublinhou o senador.