Vítimas do descontrole quando a Covid grassou nos Estados Unidos (foto extraída de vídeo)

O jornal chinês Global Times chamou, em editorial publicado na segunda-feira (2), os Estados Unidos de “o maior disseminador da pandemia” de Covid-19, após a Fox News divulgar no domingo o teor de um relatório em preparação por deputados republicanos, cravado de mentiras, ilações e difamações, para jogar a culpa sobre a China.

O jornal chinês advertiu ainda que a politização das origens do vírus “minou a solidariedade mundial contra a pandemia” e vem “interferindo constantemente” na luta contra o novo coronavírus.

“Deve-se ressaltar que os EUA são grandes responsáveis pela disseminação global da pandemia [do SARS-CoV-2]. Todo aspecto do que os EUA fizeram em termos de prevenção da epidemia é decepcionante. O governo anterior [do republicano Donald Trump] se comportou como um vilão fútil, enquanto o atual só joga com hipocrisia e palavras vãs”, sublinha o editorial.

Para ser mais preciso, [Washington] merece ser repreendido pelos quatro pecados que cometeu. Ser “o maior disseminador da pandemia” por ter o maior número de casos e mortes decorrentes da Covid-19 no mundo; contribuir “pouco para a luta global contra o vírus”; o sistema político do país fez com que os EUA muitas vezes “ignorassem a ciência, combatendo o vírus de forma caótica”; e, finalmente, fizeram da China um “bode expiatório”, registra o GT.

A versão completa do relatório republicano deverá vir a público em setembro, em paralelo com o já famoso ‘parecer’ prometido pela CIA à Casa Branca. A Fox News, que fez o maior estardalhaço sobre a coletânea de fake news compilada pelos trumpistas com seu característico rigor científico, admitiu que o ‘relatório’ não contém nenhuma “arma fumegante”. No jargão jurídico norte-americano, aquela prova que é incontestável.

Admissão que só confirma que se trata de uma nova versão do ‘vidrinho com antraz’ – que continha detergente em pó -, que coroou a carreira de secretário de Estado de Colin Powell, embora inexplicavelmente não tenha recebido um Oscar pela interpretação perante o Conselho de Segurança da ONU em 2003, que serviu de senha para a invasão do Iraque.

O ‘relatório’ vem se somar à escalada de fake news do trumpismo, que vai do “vírus chinês que vazou do laboratório de Wuhan” ao “Trump só perdeu a eleição porque foi roubado”. Com a qual pretendem manter coesa sua base de xenófobos, supremacistas brancos, negacionistas em geral e delirantes do Q-Anon, rumo às eleições intermediárias do próximo ano, que coloca em jogo o controle do Congresso.

Fake news

O Ministério das Relações Exteriores chinês repudiou o relatório republicano, assinalando que “é inteiramente baseado em mentiras fabricadas e fatos distorcidos, não conseguiu fornecer quaisquer provas e carece de credibilidade e rigor científico”.

“As ações dos congressistas americanos envolvidos são motivadas apenas por interesses egoístas com o objetivo de difamar e desacreditar a China, opomo-nos veementemente e condenamos firmemente suas ações imorais e desprezíveis”, sublinhou o MRE chinês.

Quanto às pesquisas sobre ‘ganho de função’ dos coronavírus – alegada no relatório trumpista -, os Estados Unidos são “o maior patrocinador de tais estudos”, esclarece Pequim. A chancelaria chinesa recomendou aos políticos norte-americanos realizarem uma investigação “em seu próprio país”.

“Apelamos aos EUA para respeitarem os fatos e a ciência, para se focarem na luta contra a epidemia e em salvar vidas, pararem de usar a epidemia para manipulação política e para responsabilizar os outros”, concluiu a chancelaria chinesa.

Em última instância, diante do espantoso desenvolvimento da China em curso, a narrativa do governo Biden de que os “EUA estão de volta”, a superpotência única, a luz na colina, e que o embate no mundo hoje é entre “as democracias e as autocracias”, fica bastante prejudicada pelo desempenho evidentemente muito melhor da China, diante da pandemia,

do que o dos Estados Unidos, seja no aspecto científico, no aspecto sanitário, no aspecto da participação popular e da unidade no enfrentamento da pandemia e no aspecto da governança – e, daí, também no aspecto econômico.

De acordo com o relatório trumpista, que não contém quaisquer provas, o vazamento do laboratório de Wuhan teria ocorrido em “algum momento antes de 12 de setembro de 2019”, quando, asseveram, as autoridades chinesas teriam trazido um especialista militar em armas biológicas e reforçado os sistemas de segurança, ventilação e desinfecção do ar. Ainda segundo a narrativa da Fox News, naquele dia o banco de dados de seqüência viral do WIV desapareceu da internet, o que coincidiu com um “anúncio de serviços de segurança” no laboratório para lidar com a “chegada de pessoal estrangeiro”.

Também faz parte do enredo um “ex-oficial sênior dos EUA” que, sob anonimato, garantiu que no final de 2019 o controle do laboratório de nível 4 de biossegurança do WIV foi entregue ao “General Chen Wei”, um especialista em biologia e armas químicas.

O que significaria, conforme os trumpistas, que o Partido Comunista da China “sabia sobre o vírus mais cedo, e que o surto começou mais cedo”.

As denúncias que surgiram na China sobre integrantes norte-americanos dos Jogos Militares Mundiais de Wuhan em outubro de 2019 que apresentaram sintomas semelhantes aos da Covid, foram torcidas para apresentar isso como uma ‘indicação’ sobre o ‘vazamento do laboratório’.

Outro “elemento circunstancial”, disse a Fox News, seria um projeto de “renovação significativa” no laboratório de Wuhan, meses antes do surto, já que a instalação estava em operação há menos de dois anos.

Fort Detrick

Por sua vez, o porta-voz da chancelaria chinesa, Zhao Lijian, enumerou as quatro ações que os EUA deveriam fazer para provar a sinceridade na questão do rastreamento das origens da Covid-19.

Publicar seus dados sobre os primeiros casos da Covid-19, convidar a Organização Mundial da Saúde para investigar Fort Detrick e a Universidade da Carolina do Norte e publicar dados sobre soldados doentes que compareceram aos Jogos Mundiais Militares de Wuhan, “se realmente querem ser transparentes sobre as origens da Covid-19”, enfatizou Zhao.

Ele assinalou que, “a fim de fugir da responsabilidade de sua resposta falha à Covid-19 e para alcançar seu objetivo político de difamar outros países, os EUA politizaram a pandemia, estigmatizaram o vírus e transformaram o rastreamento das origens do Covid-19 em um instrumento político, tomando a mentira, o descrédito e a coerção como seus meios, sem mostrar respeito à ciência e à justiça”.

A página feia do comportamento dos EUA certamente ficará registrada nos anais da luta global contra a Covid-19, disse Zhao. “Você não pode se limpar manchando os outros. Se os EUA realmente querem ser transparentes e responsáveis, comecem com essas quatro coisas”, acrescentou.

Transparência

Em relação aos primeiros casos de Covid-19 nos EUA, Zhao lembrou que houve relatos sobre surtos inexplicáveis de doenças respiratórias no norte da Virgínia em julho de 2019 e, em seguida, surtos de EVALI [pneumonia atribuída a cigarros eletrônicos] em Wisconsin. Em setembro de 2019, os casos de EVALI dobraram em Maryland, onde o laboratório de Fort Detrick está localizado.

Em segundo lugar, os EUA deveriam convidar a OMS para investigar Fort Detrick e seus mais de 200 laboratórios biológicos no exterior. A sociedade internacional há muito expressa suas preocupações sobre as práticas ilegais, inseguras e não transparentes de Fort Detrick.

“O laboratório que há muito se dedica à investigação do coronavírus foi encerrado em 2019 devido a graves incidentes de segurança pouco antes de um surto doméstico de uma doença que partilhava sintomas semelhantes com Covid-19”, disse Zhao, observando que os EUA “nunca explicaram ao mundo ou a seus próprios cidadãos”.

Terceiro, os Estados Unidos deveriam convidar especialistas da OMS para escrutinar a Universidade da Carolina do Norte. “Os EUA têm difamado o Instituto de Virologia de Wuhan, dizendo que criou a Covid-19 conduzindo estudos de coronavírus. Na verdade, os Estados Unidos são os maiores financiadores e realizadores da pesquisa do coronavírus, especialmente a equipe de Ralph Baric na UNC”, disse Zhao.

“Com a investigação da equipe de Baric e de seu laboratório, ficará claro se a pesquisa do coronavírus produzirá o novo coronavírus ou não”, disse Zhao.

Por último, os EUA deveriam publicar dados de soldados doentes que participaram dos Jogos Mundiais Militares de Wuhan 2019, disse Zhao. “Os EUA enviaram 300 pessoas para Wuhan. Algum deles foi encontrado com sintomas semelhantes aos da Covid-19? Os EUA deveriam tornar públicos esses casos”, concluiu Zhao.