Marx: os homens fazem a história, mas não escolhem como
Marx e Engels escreveram, no livro “A Sagrada Família“, publicado em 1844, que os homens fazem sua história; era uma crítica aos jovens hegelianos e tinha, como complemento do título, uma expressão irônica: “A crítica da crítica crítica, contra Bruno Bauer e consortes“.
Por José Carlos Ruy*
A tese foi aprofundada, no ano seguinte, no importante livro, embora não publicado durante a vida dos autores, “A Ideologia Alemã” (1845), e ampliada, com sentido social e político, no “Manifesto do Partido Comunista” (1848): “A história de todas as sociedades que existiram até nossos dias é a história das lutas de classes” (Marx/Engels: 1975).
A ideia inicial de que são os homens que fazem a história começava a ficar mais precisa.
Em “A Ideologia Alemã” Marx e Engels indicaram a condição para que possa haver história: a produção material da vida. “Devemos lembrar que há um primeiro pressuposto de toda a existência humana, a saber, que os homens devem estar em condições de poder viver a fim de ‘fazer história’. Mas, para viver, é necessário antes de mais nada beber, comer, ter um teto onde abrigar-se, vestir-se, etc. O primeiro fato histórico é, pois, a produção dos meios que permitem satisfazer essas necessidades, a produção da própria vida; trata-se de um fato histórico (…) que é necessário (…) executar dia a dia, hora a hora, a fim de manter os homens vivos”.
Satisfeita a primeira necessidade, “a ação de a satisfazer e o instrumento utilizado para tal conduzem a novas necessidades”. São ações necessárias para a sobrevivência pessoal de cada um – mas é preciso também garantir a reprodução da espécie em seu conjunto: os homens não renovam apenas sua própria vida, mas se reproduzem, e renovam a espécie criando outros seres humanos, que igualmente precisam ser alimentados, abrigados, educados, etc. (Marx/Engels: 1976).
Marx e Engels introduziram uma visão da história que trouxe para o centro do esquema explicativo a atividade prática, o trabalho, a práxis, e as relações objetivas, materiais, reais, dos homens com os outros homens e com a natureza.
Um esquema explicativo que trouxe a história dos céus para o chão. Afastou sua compreensão do mundo das ideias e a baseou no estudo e investigação da atividade dos homens reais e concretos.
Pierre Villar lembra que, em seu tempo, os fundadores do marxismo traçaram os fundamentos do materialismo histórico: a estreita ligação entre as forças produtivas e a divisão do trabalho, que determina as formas que as relações sociais assumem; a articulação entre a realidade social e as representações que os homens fazem dela; e, finalmente, a contradição entre as relações de produção e as forças produtivas (Villar: 1983).
Foi crescendo a compreensão de que o comportamento e a ação dos indivíduos é condicionado socialmente pelos acontecimentos e contradições que ocorrem na sociedade onde vivem.
Em 1852, em “O 18 Brumário de Luis Bonaparte“, Marx tornou mais precisa essa ideia numa formulação famosa: “Os homens fazem sua própria história mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado. A tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos” (Marx: 1969).
Como o rio referido por Marc Bloch, os homens, em seu desenvolvimento, contornam obstáculos e abrem passagem através das barreiras que a natureza, o meio ambiente, a geografia, as formas de produzir e distribuir a riqueza gerada pelo trabalho, o pensamento e o conflito entre as classes e os grupos sociais, colocam no caminho da sociedade.
Como escreveu Engels em 1890, a “história se faz de tal modo que o resultado final sempre deriva dos conflitos entre muitas vontades individuais, cada uma das quais, por sua vez, é o que é por efeito de uma multidão de condições especiais; são, pois, inumeráveis forças que se entrecruzam umas com as outras, um grupo infinito de paralelogramos de força, das quais surge uma resultante – o acontecimento histórico – que, por sua vez, pode ser considerado produto de uma potência única que, como um todo, atua sem consciência e sem vontade” (Engels: 1975).
Referências
- Engels, Friedrich. “Ludwig Feuerbach y el fin de la filosofia clasica alemana”. In Marx/Engels. “Obras escogidas”, T. II. Madri, Editorial Ayuso, 1976.
- Engels Friedrich, “Carta a Josepf Bloch” (21.09.1890). In Marx e Engels, “Obras Escogidas“, T. II. Madrid, Editorial Ayuso, 1975.
- Marx,Karl. “O 18 Brumário de Luiz Bonaparte“. Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra, 1969.
- Marx, Karl, e Engels, Friedrich. “A Sagrada Família, ou a crítica da critica crítica”. Lisboa, Presença, 1976.
- Marx, Karl, e Engels, Friedrich. “A Ideologia Alemã”, vol. I. Lisboa, Editorial Presença, 1976.
- Marx, Karl, e Engels, Friedrich.”Manifesto do Partido Comunista“. In Obras Escogidas, T. I. Madrid, Editorial Ayuso, 1975.
- Neder, Gizlene. “Marx e a história – a prática do método”. In Konder, Leandro e outros (orgs). “Por que Marx?“. Rio de Janeiro, Edições Graal, 1983.
- Villar, Pierre. “Marx e a história”, in Hobsbawn, Eric (org), “História do Marxismo”, Vol. I (“O marxismo no tempo de Marx”). Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1983
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José Carlos Ruy* é jornalista, escritor, estudioso de história e do pensamento marxista.
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