A Marinha dos EUA afastou sumariamente do comando do porta-aviões nuclear USS Theodore Roosevelt o capitão Brett Crozier na quinta-feira (2), dois dias após este ter escrito uma carta pedindo a evacuação do navio devido a um surto de covid-19 a bordo.

Na carta, o capitão pedia uma evacuação imediata do porta-aviões para “impedir resultados trágicos”, tendo uma centena marinheiros contagiados a bordo, o que forçou o Roosevelt a atracar em Guam, uma colônia dos EUA no Pacífico.

O coronavírus avançou rapidamente. Na semana passada eram três casos da doença, já na última quarta-feira (1) testaram positivo 93 pessoas e outras 1.273 aguardavam por exames. Ao todo, o navio tem cerca de 4.800 tripulantes.

Os marinheiros começaram a adoecer duas semanas depois de uma escala em Da Nang, no Vietnã. Na época, cerca de 100 casos de covid-19 haviam sido registrados no Vietnã, a maioria perto de Hanói, bem ao norte de Da Nang.

“Nós não estamos em guerra. Marinheiros não precisam morrer. Se não agirmos agora, não conseguiremos cuidar adequadamente de nosso ativo mais confiável”, afirmou o capitão Crozier na carta, que acabou vazando no “San Francisco Chronicle”.

Em comunicado, a Marinha afirmou que o capitão Crozier fora retirado de seu posto por “causar alarme” com uma carta enviada diretamente a integrantes do alto mando sobre o contágio de covid-19 no porta-aviões, o que supostamente teria pulado vários degraus da cadeia de comando (além de provavelmente também ferir o regulamento pela falta de uma dezena de carimbos).

Na carta, Crozier defendia seu plano de que todos, com exceção de dez por cento da tripulação, desembarcassem do navio e fossem colocados em quarentena em isolamento o mais rápido possível em Guam, com os demais membros da tripulação permanecendo como um “risco necessário” para higienizar e proteger o navio enquanto ancorado.

O capitão do porta-aviões também assinalou a impossibilidade de cumprir a bordo as normas de distanciamento social e isolamento dos diagnosticados com o coronavírus. “Devido ao pouco espaço necessário em um navio de guerra e ao número atual de casos positivos, todos os marinheiros, independentemente da posição, a bordo do devem ser considerados ‘contato próximo’”, alertara Crozier.

Como o capitão registrou, navios de guerra “exigem que grandes quantidades de marinheiros morem e trabalhem juntos em um espaço confinado 24 horas por dia, com dormitórios compartilhados, banheiros, espaços de trabalho e computadores, um refeitório comum, restrições de movimento que requerem contato comum com escadas e escotilhas e fluxos de trabalho complexos que requerem contato próximo”.

“A estratégia atual apenas retardará a expansão”, reiterou Crozier. Ele acrescentou que o plano atual em execução no porta-aviões, “não alcançará erradicação de vírus em nenhuma linha do tempo”.

Embora o pedido de evacuação apresentado por Crozier tenha sido finalmente concedido no início da quinta-feira, o alto mando asseverou que sua destituição do comando do porta-aviões foi “no melhor interesse da Marinha e da nação”.

Crozier estaria “absolutamente correto” em levantar preocupações sobre o surto de coronavírus a bordo, mas teria sido questionado, segundo a Marinha, pela “maneira” como fez isso.

No entanto, ao invés do plano delineado por Crozier, e preocupado centralmente com a tripulação, o plano do secretário interino da Marinha, Thomas Modly, é de deixar a bordo do porta-aviões contaminado 1 mil tripulantes, mais do dobro.

Antes disso Modly, manifestou todo seu incômodo pelo fato de a covid-19 ter encalhado o navio de US$ 6 bilhões de custo, 100 mil toneladas, dois reatores nucleares e dezenas de aviões a bordo.

“A nação precisa saber que o big stick é destemido e imparável … nossos adversários precisam saber isso também. Eles respeitam e temem o big stick e deveriam. Não permitiremos que nada diminua esse respeito e medo.”, disse Modly. Ele acrescentou que “não estamos em guerra pelas medidas tradicionais, mas também não estamos em paz”.

A imagem do “big stick” – fale manso mas com um porrete bem grande à vista – é do presidente que deu nome ao porta-aviões, e um dos responsáveis para os EUA assumirem sua condição de imperialista.

Na carta, o capitão Crozier também criticou as promessas feitas na semana anterior por oficiais militares seniores de que todos seriam testados a bordo, quando era evidente que as apertadas instalações de um porta-aviões só fariam exacerbar a propagação do vírus.

“Manter mais de 4.000 rapazes e moças a bordo do Theodore Roosevelt é um risco desnecessário e quebra a fé dos marinheiros confiados a nossos cuidados”, enfatizou.

A Marinha dos EUA anunciou na quarta-feira que começou a transferir 3 mil marinheiros para hotéis em Guam. Por falta de camas disponíveis na ilha, Modly disse que a Marinha iria criar “instalações do tipo barraca” quando necessário. Em entrevista coletiva, o governador de Guam, Lou Leon Guerrero, confirmou que os marinheiros ficariam em hotéis, sob certas restrições, e estritamente monitorados pela Marinha.

“PÂNICO A ESTIBORDO”

Modly denunciou a carta de Crozier como um “lapso de julgamento incomum” que criou um “pânico”. “E é isso que é frustrante, criou a percepção de que a Marinha não está no trabalho e o governo não está fazendo o seu trabalho”, acrescentou, deixando transparecer o que o preocupava realmente.

Um ex-porta-voz do Pentágono, o coronel da reserva dos marines David Lapan, disse ao DefenseOne que era difícil acreditar que a carta de Crozier causasse mais pânico do que o que já existia.

“A ideia de que isso surgiu e criou pânico entre as famílias – você não acha que as famílias ainda não sabiam o que estava acontecendo naquele navio? Você não acha que os marinheiros já não estavam contando às famílias o que estava acontecendo no navio?” “Isso é ridículo … É mais crível que a famílias ficassem chateadas com o fato de a Marinha não tomar as medidas certas para proteger seus entes queridos”, disse Lapan.

Outra razão por trás de tanto incômodo pode ser encontrada na compilação, feita pelo portal military.com, dos casos de covid-19 nas fileiras do Pentágono: 1638 casos no total. Sendo 893 militares, 256 dependentes, 306 civis e 95 contratados. 85 exigiram hospitalização e cinco morreram.

A questão acabou chegando à Casa Branca, levantada por um repórter, que indagou de Trump se estava sendo “punido” por enviar uma carta diretamente às altas autoridades, pedindo-lhes que salvassem a vida de seus tripulantes. “Não, eu não concordo com isso”, retrucou Trump, acrescentando que o problema ficará por conta dos militares.