“Marighella”, longa metragem dirigido por Wagner Moura, ganhou nova data de estreia no Brasil. O filme, que deveria ter estreado em 20 de novembro – Dia da Consciência Negra, mas foi impedido por meio de censura realizada pela direção bolsonarista da Agência Nacional de Cinema (Ancine) chega aos cinemas em 14 de maio.
O filme foi adiado após a Ancine negar os pedidos da produtora O2 para antecipar um reembolso do Fundo Setorial do Audiovisual e o redimensionamento de orçamento, para viabilizar a distribuição da obra. Para o diretor do filme, Wagner Moura, a negativa a um trâmite considerado normal e os entraves subsequentes ocorreram por “questão política”.
“Como grande empresa, a [produtora] O2 não pode chegar e dizer que a Ancine censurou o filme. Mas eu posso. Sustento o que já disse. É uma censura diferente, mas é censura, que usa instrumentos burocráticos para dificultar produções das quais o governo discorda. Não há uma ordem transparente por parte do governo para que isso aconteça, no entanto já vimos Bolsonaro publicamente dizer que a cultura precisa de um filtro. E esse filtro seria feito pela Ancine”, afirmou o artista em entrevista ao jornalista Leonardo Sakamoto, em sua coluna no portal UOL.
“Não tenho a menor dúvida de que Marighella não estreou ainda por uma questão política”, destacou Wagner Moura, acrescentando que o órgão vinculado à Secretaria Especial de Cultura “negou pedidos da produção que possibilitariam o lançamento”.
Para o ator, a decisão da Ancine não foi tecnicamente ilegal, mas não havia razão para isso. “Ou seja, essa negativa tem a ver com o contexto em que estamos vivendo”, avaliou o artista, afirmando que “a forma que o governo escolheu para censurar a cultura no Brasil foi aparelhar instituições”, já que o cinema e o teatro nacional ainda são dependentes de recursos públicos. “Quando a Ancine é aparelhada pelo bolsonarismo, qualquer pedido com relação a um filme como o Marighella será negado”, declarou.
Apesar de terem surgido rumores de que a O2 tivesse irregular, Wagner Moura negou. “Há boatos de que a O2 estaria impedida de lançar Marighella porque deu um calote relativo a recursos de outro filme. Primeiro, não estou aqui para defender a O2, mas a produtora não deu calote em ninguém. Não existe nenhuma dívida financeira com relação à Ancine. O que aconteceu é que um documentário, ‘O Sentido da Vida’, ainda não ficou pronto. Qual a praxe? As produtoras pedem à agência uma prorrogação para entrega do documentário. Como a instituição está acéfala, com um vácuo interno, não houve resposta. Com isso, a empresa entrou com um mandado de segurança”, explicou o ator.
“Mas o atraso na conclusão do documentário ‘O Sentido da Vida’ ocorreu apenas em novembro de 2019, enquanto a negativa do pedido relativo ao Marighella veio em agosto. Ou seja, uma coisa não tem a ver com a outra”, acrescentou.
Para garantir o lançamento do filme Wagner Moura disse que pretende “abrir mão do fundo de complementação no valor de R$ 1,72 milhão” que teria direito de receber para cobrir os custos. “Embora tenhamos esperança da Ancine honrar esse compromisso, uma vez que já havíamos sido contemplados pelo fundo”, disse.
Até agora, o orçamento total do filme foi de R$ 10,13 milhões. O Fundo Setorial do Audiovisual já investiu R$ 3,2 milhões.
“A cultura não é algo que interessa a esse governo”
Questionado sobre a situação do audiovisual e da cultura do país no último ano, Moura explicou que “a cultura não é algo que interessa a esse governo”.
“Esperar que ele entenda o valor simbólico e a importância da cultura para o país seria pedir demais. Até porque uma das primeiras coisas que eles fizeram foi acabar com o Ministério da Cultura. O mais preocupante é que não entendem a cultura como um setor economicamente importante, que emprega um monte gente, que gera renda e imposto. É burrice. Isso passa pela ignorância de ver a cultura como máquina de propaganda”, salientou.
Essa gente da Secretaria de Cultura diz “vamos criar uma arte conservadora e de direita, não vai ter fomento para gente de esquerda”. Para Moura, Bolsonaro age de forma vingativa pela falta de apoio que teve da classe artística brasileira durante a campanha eleitoral.
“Nós artistas fomos uma base grande de resistência à eleição de Bolsonaro e a grande maioria segue se opondo ao governo. Por isso, ele age com vingança, é um governo que se notabiliza por ser um governo vingativo. Mas quebrar um setor econômico importante por vingancinha não faz sentido. Porque não somos nós artistas apenas, é a pessoa que dirige o caminhão, a que faz a marcenaria da cenografia, quem cozinha para todo mundo, são uma série de ramos produtivos que estão envolvidos na indústria criativa. Muitos podem quebrar com isso”, disse.
As manobras da Ancine que inviabilizaram o lançamento do filme Marighella fazem parte desta postura adotada por Bolsonaro.
“Depois que a Ancine negou os pedidos feitos pela O2, o cancelamento da estreia foi comemorado pelos filhos de Bolsonaro nas redes sociais. Bolsonaro já gastou tempo para detonar o filme e a mim. Quando o presidente de um país se declara pessoalmente contra uma obra cultural específica e um setor específico, não dá para não dizer que não é perseguição política”, disse o diretor.
Moura entende que o ataque ao filme que retrata a verdade sobre a ditadura, defendida por Bolsonaro, não é um caso isolado, reflete a política atual.
“O fato de não termos estreado o filme é fruto de um contexto político no qual o governo se apropriou das agências de fomento à cultura – das quais somos dependentes, infelizmente, ainda no Brasil – e fez com que através da burocracia, os filmes malvistos por ele fossem censurados. Marighela não é um caso isolado, a cultura está sob censura. Não estou apenas defendendo meu filme, estou aqui como um cidadão que está vendo o que está acontecendo no Brasil”, ressaltou Wagner Moura.