A pré-candidata do PCdoB à Presidência da República, Manuela d’Ávila defendeu que o principal propósito de sua campanha é ganhar as eleições fazendo um debate com o povo sobre as saídas para a crise econômica que o Brasil vive, em entrevista à Revista Marie Claire.

“Concorro para ganhar. Mas, fazer política, para mim, é mais do ganhar. É a principal forma de apresentar um projeto de Brasil desenvolvido e sem injustiça”, declarou.

Leia na íntegra a entrevista da Manuela d’Ávila abaixo ou acesse pelo PDF: Revista marie clair Manu

MARIE CLAIRE: Há dois meses, em Curitiba, o apoiador de um candidato adversário gritou, em público, contigo. Teme ser agredida? 

MANUELA D’ÁVILA: Recebo ameaças pela internet há tempos, mas as agressões não ficam mais só nas redes sociais. Vivo a vida de forma muito livre e isso incomoda. Faço a minha parte denunciando as ameaças a mim e a minha filha.
Quando a Laura tinha 2 meses foi agredida. Assistíamos a um show do meu marido, no interior do Rio Grande do Sul, e ela estava no sling mamando. Uma mulher começou a dar tapas no sling perguntando se era feio em Cuba. Levei semanas para assimilar essa agressão e me senti muito culpada por expor a Laura. Demorou para voltar a sair com ela.

MC: Hoje, quais cuidados toma para protege-la da exposição?

MD: Sou a única mãe de Laura e exerço a maternidade de forma ativa e consciente. Quando ela crescer, vai saber que dedico minha vida ao combate ao ódio, à misoginia, ao preconceito. Não vou abrir mão de ser mãe dela; ter um filho foi uma opção que fiz. Não posso ser penalizada por um sistema de ódio. Divido com meu marido os compromissos da Laura e não vou fazer com ele o que meus colegas fazem com suas mulheres, que é viver sem administrar a casa e nem os filhos.

MC: Como o episódio em que você foi duramente criticada por postar uma foto amamentando sua filha na Assembleia Legislativa, há dois anos, mexeu contigo?

MD Foi muito doído ouvir que não tinha o direito de amamentar porque era deputada, que devia me dar ao respeito. Mas, antes desse episódio, quando a Laura tinha 4 meses, postei em meu perfil fechado, de 200 Seguidores, em que ela estava mamando em minha cama e eu dormindo. Comentaram que era um absurdo uma deputada mostrar o peito, ”depois reclamam do machismo e quer ser respeitada”. Vivemos numa sociedade onde o espaço público ainda não pode ser ocupado pela mãe, a maternidade é colocada como prisão. A Organização Mundial de saúde diz que devemos amamentar até o sexto mês do bebê e prolongar a amamentação até os 2 anos. Mas não te deixam fazer isso publicamente.

MC: O parto dela também foi motivo de crítica na internet.

MD: Passei 26 horas em trabalho: comecei as sentir contrações em casa, fui para o hospital e só estava com 1 centímetro de dilatação. Quando cheguei em 7 centímetros, me deram anestesia para alcançar os 10, mas não pegou. Fui levada para fazer cesárea e a anestesia também não funcionou. Então, me doparam e apaguei. Não lembro do momento em que a Laura nasceu. Na manhã seguinte, meu obstetra entrou no quarto e contou que uma médica do hospital tinha postado um relato de como tinha sido. Ela dizia: “Como você, que defende o parto normal, fez cesárea? ” Nunca fui contra a necessidade de uma cesárea. Escolhi ter a Laura em um hospital simples da rede privada porque nos grandes hospitais não há quartos preparados, são minúsculos. Passei 20 dias me culpando por não ter aguentado. Depois, o parto vira uma irrelevância, você ganha uma força enorme. Quando processei a médica, o juiz disse que eu era obrigada a conviver com isso porque era deputada.

MC: Outros ataques machistas acontecem porque é bela. Pouca gente sabe, no entanto, que você pesava cem quilos na adolescência. Como essa mudança de rótulo te afetou?

MD: A sociedade machista valoriza as mulheres pelo corpo. Eu era a gorda que depois virou musa. Quando questionava esse rótulo, era hostilizada. As pessoas diziam: “ Como você é chata, quem não gosta de ser bonita?”. Lembro de uma revista semanal publicar uma coluna dizendo que, se a Dilma [Rousseff, ex-presidente] arranjasse um namorado, os problemas do Brasil acabariam. Imagine o escândalo que seria dizer que o país poderia retomar seu crescimento econômico se o [presidente Michel]Temer fosse um homem mais viril? É a mesma coisa.

MC: Você era gorda numa época em que a discussão sobre o respeito a diversos tipos de corpo não existia…

MD: Nunca tive problema na escola, desenvolvi minha sexualidade como gorda. Mas a vaidade era outra, mais intelectual. Vestia Legging, camiseta de banda e tênis, não pintava a unha. Hoje, consigo ver o lugar que ocupava: para fugir do bullyng , era a engraçada, a líder da turma. Só recentemente percebi, assistindo ao documentário Embrace (da australiana Taryn Brumfitt, 2016, sobre os impactos dos padrões de beleza na vida das mulheres) e com a ajuda da terapia, que desenvolvi um transtorno de imagem. Me vejo magra em foto e, quando olho no espelho, me acho gorda. Não consigo me enxergar com o peso que tenho.

MC: Como trabalha isso?

MD:  Me sinto melhor hoje. Depois que identifiquei o transtorno, passei a lidar melhor com meu corpo. Se comer mal, sei que vou ter enxaqueca; se for sedentária, como estou, sinto dor nas costas. Me vigio para não incutir neuroses na Laura. Não me reprimo quando estou comendo alguma coisa, não valoro as pessoas como magras ou gordas.

MC: O que fez para emagrecer?

MD: Aos 17 anos, copiei a reeducação alimentar de uma de minhas irmãs, a Carolina. Não precisei tomar remédios, não tinha uma questão genética. Emagreci parando de comer dois cachorros-quentes, quatro pães de queijo e quatro Chokitos no intervalo da escola. Em oito meses, perdi 40 quilos. Mas não me livrei da compulsão. Me cuido comendo coisas saudáveis, troquei os litros de refrigerante que tomava por água.

MC: Como seus pais influenciaram em sua formação?

MD: Minha mãe trancou a faculdade de direito em 1968 para casar com o pai das minhas irmãs- sou filha do segundo casamento dela. Separou-se ante da Lei do Divórcio e foi tratada como uma “mulher da vida”. Demorou para ser aceita de volta na faculdade, dava aulas de violão. Conseguiu se formar, conheceu meu pai, que era de esquerda mas não militante, teve a mim e meu irmão e só depois foi aprovada num concurso para juiz. Muita gente diz, em tom pejorativo, “a Manuela é filha de juiz”, sem conhecer a história. Minha mãe sofreu muito preconceito por ser mulher.

MC: Você já se considerava feminista?

MD: Não achava que o feminismo era importante porque pensava que só na década de 70 as mulheres passavam pelo que minha mãe passou. Queria debater economia, geopolítica, feminismo era questão menor. Quando entrei para o Parlamento, vi como era o sistema, o preconceito. Já fazia política, era militante do PCdoB havia seis anos, mas não enxergava a dimensão do machismo.

MC: Se eleita presidente, o que vai fazer pelas mulheres?

MD: O primeiro tema será equiparar a remuneração salarial. No Brasil, uma mulher ganha, em média, 20% amenos. Também vou repensar a estrutura de creches na educação infantil. A ausência de espaços para mães deixarem os filhos faz com que elas optem por sair do mercado de trabalho . Estou elaborando uma proposta de renda mínima para mulheres e homens em situação de desemprego durante a primeira infância dos filhos. Outro conjunto de medidas é na segurança. Nossas polícias não são dotadas de capacidade investigativa e os homicídios e crimes sexuais têm baixíssimo índice de esclarecimento. Precisamos garantir que os criminosos sexuais estejam presos e que as mulheres consigam viver com dignidade e liberdade.

MC: O que pensa sobre a legalização do aborto no Brasil?

MD: É um tema de saúde pública e tem que ser tratado assim.

MC: Você acha que vai ganhar as eleições?

MD: Se a população perceber o conjunto de injustiças as quais estamos submetidos , e que existem responsáveis pela situação de desigualdade que vivemos , sim, posso ganhar a eleição.

MC: Qual é o principal propósito de sua campanha?

MD: É ganhar as eleições, fazendo um debate com a sociedade sobre as saídas para a crise econômica, sobre um caminho de saídas para a crise econômica, sobre um caminho de desenvolvimento que permita combater a desigualdade. Concorro para ganhar. Mas fazer política, para mim, é mais do que ganhar: é a principal forma de apresentar um projeto de Brasil desenvolvido em sem injustiça.

MC: Que erros a esquerda cometeu nos últimos anos?

MD: Faltou um projeto de desenvolvimento nacional e nitidez no rumo econômico do país. Os governos foram comprometidos com a diminuição da desigualdade social, a democratização do acesso ao ensino superior, a valorização do salário mínimo. Mas não fizemos a reforma tributária e não enfrentamos a questão da violência, considerando que eram de responsabilidade constitucional dos estados. Já tínhamos quer ter adotado medidas nacionais de segurança pública, investimento em inteligência, feito o debate da tributação de drogas e a utilização do recurso para a reparação de áreas que vivem sob violência.

MC: A corrupção aumento nos governos do PT?

MD: O combate à corrupção cresceu com o PT e, por consequência, sua visibilidade. Lula investiu na criação de superintendência, a Polícia Federal foi equipada, deu autonomia à Procuradoria-Geral da República e aprovou leis de transparência. Algumas pessoas participaram de esquemas de corrupção, foi provado e elas foram julgadas. A ideia generalizada de envolvimento de todo o partido abstrai o fato de que foram alguns indivíduos e a maior parte em proveito próprio.

MC: Você se questiona sobre a aliança que fez com o partido?

MD: Não tem porque me questionar porque a aliança é fruto de um programa, de projetos em comum, e as divergências sempre foram apresentadas. O PCdoB, por exemplo, desde 2003 apresentou críticas à política macroeconômica.

MC: Você ficou ao lado do ex-presidente Lula no Sindicato dos Metalúrgicos, em São Bernardo dos Campo, nos dias que antecederam sua prisão. Como foram esses momentos?

MD: Na quinta-feira à noite, no dia 5 de abril, era aniversário do Duca. Estávamos jantando em casa, parei tudo e fui abraçar o presidente em São Paulo. Na sexta-feira, às 23h, voltei para Porto Alegre e busquei Laura, tinha prometido a ela que a gente viajaria. Embarcamos às 5h da manhã de volta a São Bernardo, no sábado. Chorei na missa que ele fez para a Marisa. Até o último minuto, vi o Lula igualmente forte, fazendo as mesmas brincadeiras. As pessoas que estavam ao lado dele foram as que estiveram a vida inteira, eram metalúrgicos, trabalhadores; estes, inclusive, cuidavam do entra e sai dos portões. Levei uma mochila enorme com banana, uva, biscoito de polvilho, mamadeira, brinquedo, marinha de modelar, era um kit de sobrevivência. No sábado, às 16h, uma hora antes de o Lula sair do prédio, imaginando que teria resistência de alguns militantes, como teve, fui embora com a Laura. No último contato que tivemos, estava preocupado se eu tinha almoçado a feijoada que serviram.

MC: Qual foi o maior episódio de machismo pelo qual passou?

MD: No congresso, em 2013, num debate que envolvia o ex-ministro José Eduardo Cardozo (PT), meu ex-namorado, um deputado de São Paulo [Duarte Nogueira (PSDB)] me provocou dizendo que “o coração tem razões que a própria razão desconhece”. Ocupei espaços que poucas mulheres ocuparam, fui líder de bancada, presidente da Comissão de Direitos Humanos, relatora do Estatuto da Juventude e continuo sendo julgada. É cansativo. Eu e o Zé namoramos por três anos, tínhamos 22 de diferença. Sofri muito machismo. Se a gente está solteira, é mal-amada ou está dando para todo mundo; se está casada, está fora do mercado.

MC: Já foi vítima de assédio sexual?

MD: Em diversas ocasiões. Em um dos episódios, logo que tomei posse como vereadora, em 2004, chegou um político [já falecido], que era baixinho, colocou o nariz perto do meu peito e disse: “Que decote, hein, vereadora?” Falei algo que não me lembro e saí para chorar no banheiro.

MC: Você faz terapia?

MD: Procurei terapia dez anos atrás, por causa da morte da minha avó paterna. Estava trabalhando muito na época [como deputada federal] e a via menos do que gostaria. Esse é o meu maior arrependimento da vida, ela era muito importante para mim. Com a morte dela, passei a cuidar mais das pessoas que amor. Quando comecei a namorar o Duca [em 2012], me apeguei ainda mais a esse propósito.

MC: Já teve experiências com drogas?

MD: Toda a minha geração fumou um baseado alguma vez na vida, né? A droga que demorei sete anos para me livrar foi o cigarro. Fumei dos 13 aos 29 anos, muitas vezes três maços por dia. É uma droga lícita, larguei sem remédio, foi sofrido. Mas do debate sobre drogas no Brasil não pode ser moral. Perdemos 40 mil vidas por ano na guerra às drogas. Acho simplista dizer que legalizar resolve. Temos que buscar outros caminhos.