Manuela: É preciso interromper o ciclo de abandono em Porto Alegre
Para Manuela D’Ávila (PCdoB), “abandono” é a palavra que melhor define a situação da cidade de Porto Alegre hoje. Ela define seu desafio como candidata à Prefeitura da capital gaúcha como dar expressão a um sentimento que vê presente junto à população da cidade: é preciso interromper o ciclo político de abandono marcado por gestões pertencentes a um mesmo bloco que nesta eleição se apresenta dividido, ao menos no primeiro turno. Manuela já foi candidata a prefeita de Porto Alegre duas vezes, em 2008 e 2012. Desta vez, porém, ela conta com um aliado de peso, que não esteve com ela nestas duas tentativas: o PT, que é vice na chapa majoritária com o nome de Miguel Rossetto, ex-vice-governador e ex-ministro do Desenvolvimento Agrário.
Em entrevista ao Sul21, Manuela apresenta sua visão sobre os principais problemas de Porto Alegre, hoje, e suas propostas para enfrentá-los. Ela também fala sobre os desafios de enfrentamento da pandemia de covid-19 que devem adentrar 2021 e exigir da Prefeitura respostas rápidas em um cenário de crescente crise social. Líder nas primeiras pesquisas divulgadas desde o início da campanha eleitoral, Manuela lembra que pesquisa não ganha eleição. Prefere extrair delas o significado político da eleição em Porto Alegre:
“Creio que as pesquisas representam a conjugação de dois fatores: o projeto que nós representamos e o sentimento de que é preciso interromper esse ciclo de abandono. Do outro lado, a gente tem a turma que nos governou até agora neste último período. Estão divididos, fracionados, batendo boca, envolvidos numa guerra fratricida, mas representam um bloco. É o atual prefeito e o vice dele, e o ex-prefeito e o ex-vice dele, que representam os governos da última década inteira e que nos trouxeram para a situação que vivemos hoje.
Sul21: Qual o teu diagnóstico sobre a situação, hoje, de Porto Alegre e dos principais problemas que afetam a população da cidade?
Manuela D’Ávila: Porto Alegre é uma cidade que foi abandonada no último período. Na nossa visão do que é uma cidade, ela é uma infraestrutura urbana, mas, sobretudo, ela é constituída por pessoas. Porto Alegre é uma cidade que foi sendo abandonada, cada vez com uma intensidade maior. A pandemia encontrou Porto Alegre com esse cenário, como se tivesse encontrado um solo fértil para se desenvolver. A destruição do SUAS (Sistema Único de Assistência Social), a ausência da gestão democrática nas escolas, a ação de desmonte do IMESF (Instituto Municipal de Estratégia de Saúde da Família) e de privatização da saúde, tudo isso propiciou um terreno fértil para a pandemia.
A pandemia encontrou uma cidade abandonada, com suas comunidades absolutamente esquecidas. O prefeito teve a sinceridade de chamar essas pessoas de “os invisíveis”, que, são, na verdade, aqueles que foram invisibilizados por ele. Dos empresários da Cidade Baixa, ao padre Sérgio, da Paróquia de São Jorge, ou à turma do movimento em defesa da Saúde Pública, todos falam que a Prefeitura não escuta ninguém, não dialoga. Temos, então, uma cidade abandonada, com um prefeito encastelado, que não dialoga para construir soluções, para ouvir as expectativas da população.
Diante desse cenário, qual a estratégia central que sua campanha e seu programa de governo propõem para enfrentar esses problemas?
Nós temos quatro proposta que consideramos prioritárias para recuperar a cidade e cuidar das pessoas. A primeira delas é uma política bastante ampla de geração de trabalho e renda para as pessoas. A situação econômica da cidade é um tanto assustadora e enseja preocupação. Temos 224 mil porto-alegrenses que vivem, hoje, da renda emergencial e, a partir do dia 1o de janeiro não terão mais essa renda. Além disso, 18% de nossos desempregados buscam trabalho e renda, de forma contínua, há mais de dois anos. Esse programa de geração de trabalho e renda é focado, em primeiro lugar, em uma política de microcrédito. Vemos hoje, na periferia sobretudo, um conjunto de mulheres e homens que passam a empreender, seja em função do desemprego, seja em função do trabalho muito precarizado após a Reforma Trabalhista. Acreditamos que, com o fundo garantidor da Prefeitura, podemos alcançar a soma de R$ 200 milhões em um programa de microcrédito. Para termos um exemplo, Santa Catarina, com R$ 220 milhões gerou 20 mil empregos diretos.
A segunda proposta está associada aquilo que, teoricamente, é chamado de economia do uso comum, que é a construção de circuitos econômicos mais curtos. Nós acreditamos que as compras públicas governamentais têm um papel estratégico para garantir trabalho, renda e desenvolvimento econômico para a nossa cidade. A Prefeitura gasta hoje cerca de R$ 1,7 bilhões em compras governamentais e só 8% desses recursos beneficiam micro e pequenas empresas, e muitas delas não são daqui. Nós queremos passar a gastar 20%, o que significa R$ 340 milhões para a economia da cidade. Estamos falando, por exemplo, do pão que vai para a escola ou para a creche conveniada ser produzido na padaria do bairro, ou das frutas e hortaliças produzidas por nossos agricultores abastecerem as nossas escolas. Isso significa ainda, para citar outro exemplo, o EPI dos nossos profissionais de saúde ser produzido por cooperativas da economia solidária formadas por mulheres de nossas comunidades. Acreditamos que é possível, por meio das compras públicas governamentais, garantir um volume significativo de trabalho para a nossa população.
Outra prioridade nossa está relacionada à recuperação do ano letivo. Aqui, há duas preocupações. Uma delas é a recuperação do ano letivo em si. O CNE (Conselho Nacional de Educação) já preconizou que 2021 será um ano de ensino híbrido continuado. Mas há também o tema da evasão escolar para enfrentar. Uma das razões que explicam a nota do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), que foi tão amplamente, repercutida, é o fato de termos um grande número de alunos que reprovam. Na verdade, esses alunos que reprovam são alunos que mantém a matrícula, na sua maioria, e vão nas escolas eventualmente para se alimentar. A maior parte deles acaba rodando por faltas. Com a crise na educação e na economia, as crianças voltarão a trabalhar. Já estamos vendo isso nas sinaleiras. Voltamos ao Brasil da década de oitenta. Eu nunca fui adulta com crianças trabalhando nas sinaleiras. Eu era criança na época em que isso acontecia nesse volume que estamos voltando a ver agora. Então, no nosso entendimento, o tema da recuperação do ano letivo passa, em primeiríssimo lugar, pelo programa Nossa Renda Emergencial, uma política vinculada à primeira infância e à infância. É uma renda vinculada à permanência de crianças nas escolas. Isso representa, ao mesmo tempo, combate ao trabalho infantil e a possibilidade de recuperarmos o ano letivo na rede municipal.
Em cima disso, queremos trabalhar com a ampliação de horas aulas, mas como sabemos que o ensino será híbrido, temos um segundo problema: 88% das crianças da rede não tem internet. Nós temos um programa que chamamos de “Mil pontos de wi-fi gratuitos”, a partir dos pontos de internet que já estão conectados em escolas e unidades básicas de saúde e que podem, com um investimento de R$ 18 milhões da Prefeitura, virar transmissores de internet nas suas comunidades. Isso tem a ver com a escola, mas também tem a ver com geração de trabalho e renda. Assim, além da ampliação das horas-aula, que é o centro da recuperação presencial, temos essas ideias para assegurar que esses estudantes permaneçam vinculados à escola e não sejam obrigados a sair para trabalhar, como crianças que são, e que tenham a possibilidade de acessar a internet.
Outra proposta prioritária de nossa programa é o que estamos chamando de Plano Emergencial de Assistência Social. E dentro desse plano há o programa Fome Zero municipal. A nossa leitura da cidade tem relação com o empobrecimento muito veloz do nosso povo. O Fome Zero municipal pretende descentralizar restaurantes populares e estabelecer parcerias com cozinhas comunitárias, garantindo que ninguém passe fome na cidade. Se eu conseguir depois de quatro anos ser a prefeita de uma cidade em que as crianças não estão evadindo da escola e onde as pessoas não passam fome, já será algo muito simbólico e importante para a vida dessas famílias. Não foi por acaso que, quem levou o Nobel da Paz esse ano, foi justamente a ação da ONU de combate à fome. Para mim, esse não é um tema irrelevante.
Por fim, outra prioridade do nosso programa é o tema da gestão própria da vacina. Lamentavelmente, o governo Bolsonaro, além de não fazer uma gestão da vacina, produz crises diplomáticas com países que são muito importantes neste debate, como é o caso da China. Nós, evidentemente, queremos que a vacina seja objeto do SUS (Sistema Único de Saúde) para garantir, assim, a imunização de todo o povo brasileiro. Hoje, temos o Estado de São Paulo fazendo a sua gestão, a Bahia e outros estados do Nordeste fazendo a sua gestão. Precisamos garantir que Porto Alegre entre na fila. A vacina não vai ficar nos esperando. Quando ela for protocolada, o mundo entrará numa nova disputa. Precisamos garantir nossa posição neste processo até porque o SUS vem sendo destruído por um ministro que sequer sabia que ele existia até assumir.
Os novos prefeitos e prefeitas que forem eleitos esse ano enfrentarão, tudo indica, um cenário de desemprego em alta e insegurança social, para não falar da crise sanitária causada pela pandemia de covid-19, que deve entrar 2021 adentro. Você já mencionou alguns dos programas que pretende implementar, caso eleita, para gerar renda e trabalho na cidade. Qual é a capacidade, na sua avaliação, de as prefeituras darem conta desses problemas, considerando, principalmente, a postura do governo federal até aqui? Como vê essa relação institucional entre municípios, estados e União na atual conjuntura?
Acho que não é possível imaginar uma Prefeitura que não dialogue. É preciso ter uma Prefeitura ativa na busca da garantia dos direitos do povo da nossa cidade. Eu e o Miguel Rossetto defendemos um projeto diferente deste que está governando o Brasil e acreditamos que Porto Alegre pode ser uma alternativa concreta a isso, como fomos nos anos 90 uma alternativa concreta ao neoliberalismo. Nós não derrotamos o neoliberalismo em Porto Alegre, mas nós mostrávamos, por exemplo, que era possível ser mais democrático, que era possível ter uma empresa pública de transporte coletivo, que era possível governar em parceria com a comunidade, com o conveniamento das creches, antes ainda da existência do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Eu uso esses exemplos como referência para afirmar que é possível construir alternativas. Isso tem relação com método de governo, com as prioridades do governo e com aquilo que nós projetamos para a cidade e para as pessoas que vivem aqui. Ao mesmo tempo, também precisamos mudar a atitude da Prefeitura em relação aos governos estadual e federal. Hoje, nós temos uma administração que fica parada, esperando que a União e o Estado se lembrem que Porto Alegre existe. Eu vou disputar recursos para a nossa cidade, no Estado, na União e internacionalmente.
Vou dar um exemplo concreto relacionado ao governo do Estado. Na Vila Cruzeiro, nós temos uma das situações de maior vulnerabilidade na cidade. É a esquina do abandono com aquela obra da Tronco aberta desde 2010. O que o prefeito ou a prefeita tem que fazer? Disputar cada jovem. A gente sabe qual é a realidade daquela comunidade, uma realidade de desemprego e de violência. Pois o que foi que aconteceu? O governo do Estado fechou a Escola Alberto Bins, que era a única escola de ensino médio que os jovens da Tronco e daquela região da Cruzeiro podiam ir sem pagar ônibus. Nós temos a tarifa de ônibus mais cara do país entre as capitais. Os jovens que estavam ali estudavam à noite, depois do trabalho. Vocês ouviram algum barulho do prefeito em relação ao fechamento dessa escola? Eu iria conversar com o governador para garantir a manutenção da escola. É preciso dialogar com uma postura ativa. O dinheiro do povo de Porto Alegre, os investimentos que podem ser feitos aqui são um direito das pessoas que vivem na cidade.
As pesquisas vêm apontando tua candidatura em primeiro lugar na preferência do eleitorado de Porto Alegre. Como avalia esses resultados e o que eles significam do ponto de vista político?
Em primeiro lugar, eu sei que pesquisa não ganha eleição. O que ganha eleição é trabalho. É por isso que hoje, às quatro da manhã, eu estava com o Miguel lá na Carris conversando com os trabalhadores, como tenho feito todos os dias por meio de agenda de rua ou agendas pela internet para fazer com que nossas ideias cheguem ao maior número de pessoas. Até porque eu conheço a força financeira, os interesses que movem nossos adversários, e conheço muito bem, lamentavelmente, o jogo sujo que eles são capazes de produzir contra nós e, mais especificamente, contra uma mulher como eu. Fui vítima central do gabinete do ódio de Bolsonaro em 2018 e sei que jogam toda energia aqui em Porto Alegre. Já estamos vendo isso acontecer com as baixarias promovidas pelo Olavo de Carvalho, o astrólogo fake do presidente da República.
Tenho dois sentimentos em relação às pesquisas. Pessoalmente, elas indicam que o povo de Porto Alegre conhece a minha trajetória e não acredita no volume de mentiras que eles dispararam a meu respeito. Todo o processo de tentativa de destruição da minha imagem é baseado na misoginia, no ódio e na mentira. Então, esses resultados das pesquisas me trazem um sentimento de conforto. Foi esta cidade que me fez vereadora lá em 2004, sem que eu tivesse um sobrenome de político tradicional, pertencendo a um partido pequeno, sendo uma mulher jovem num momento em que nem mulheres nem jovens estavam na crista da onda da luta política. Também foi essa cidade que, depois, me fez deputada. Embora eu tenha tido votações muito expressivas em todo o Estado, sempre saí eleita deputada federal (e mais recentemente deputada estadual) com a votação de Porto Alegre.
Mas as pesquisas também tem uma dimensão política que me parece importante. Elas indicam o reconhecimento de que nós representamos o campo da democracia, da participação e da inclusão social em Porto Alegre. O nosso povo identifica, no gesto do PT em me apoiar, esse sentido de campo de unidade. O gesto do PT é muito relevante nacionalmente. O gesto do PT de Porto Alegre é de muito compromisso com a nossa cidade. Em segundo lugar, acho que existe um sentimento na população da necessidade de nós interrompermos esse ciclo político do abandono. Creio que as pesquisas representam a conjugação desses fatores: o projeto que nós representamos e o sentimento de que é preciso interromper esse ciclo de abandono. Do outro lado, a gente tem a turma que nos governou até agora neste último período. Estão divididos, fracionados, batendo boca, envolvidos numa guerra fratricida, mas representam um bloco. É o atual prefeito e o vice dele, e o ex-prefeito e o ex-vice dele, que representam os governos da última década inteira e que nos trouxeram para a situação que vivemos hoje. São eles que estão lutando contra nós.
Como é que está sendo a experiência de fazer campanha nesta situação de pandemia? E como está percebendo o sentimento das pessoas com as quais tem conversado, em relação ao atual momento que estamos vivendo?
Há várias coisas a dizer sobre isso. A primeira é que é muito difícil fazer campanha na pandemia. Mais difícil ainda é o trabalho para garantir os cuidados sanitários de todos os envolvidos neste processo. Como a gente sabe, quando eu mantenho uma distância das pessoas eu estou cuidando dessas pessoas e de mim mesma. É um cuidado coletivo, em cada gesto, em cada momento, que impõe um autocontrole muito grande por parte da nossa campanha. Eu até brinco dizendo que a gente tem um diretor de cena, pois tenho uma pessoa só pra me ajudar a garantir que as pessoas mantenham a distância umas das outras, pois essa não é uma situação natural, menos ainda o meu natural. É algo que exige muita disciplina para ser correto com as pessoas que estão se relacionando com a gente. Estou tentando ser criativa, vendo que lugares posso ir de modo que possa garantir a proteção das pessoas e de todos os que trabalham comigo. Tenho uma vantagem que é o trabalho que realizo nas redes sociais há muitos anos, mas a gente sabe que isso é insuficiente. Esse cuidado todo que estamos tendo a é uma postura responsável em relação à cidade também, pois a pandemia não acabou.
Outra característica desta campanha é que esta situação que estamos vivendo deixa muito visíveis os contrastes e contradições da cidade. Desde antes das eleições eu já visitei quase todos os galpões de reciclagem, por exemplo. A gente vê dentro dos galpões as pessoas trabalhando com máscaras, mas elas estão lidando com resíduos, muitas vezes sem o equipamento adequado. Esse tipo de situação expõe como a desigualdade social é cruel.
Antes de começarmos a entrevista, você comentou que está fazendo testes para covid-19 praticamente todas as semanas…
Temos feito o teste de dez em dez dias. Nós circulamos mais, a equipe toda da campanha. Então nós não podemos ser fatores de contágio para a cidade. Se alguém de nós for identificado com covid, isso, evidentemente, representará um prejuízo para a campanha, mas é um prejuízo maior para a cidade alguém ir a um programa de TV, por exemplo, e contaminar outras pessoas. Por isso, eu e todos os que circulam comigo estão fazendo os testes regularmente.
Como avalia a relação entre os desafios colocados para garantir a segurança sanitária da população em meio à pandemia e a pressão de diversos setores econômicos pela flexibilização ou mesmo pelo fim do distanciamento social? Pelo que estamos vendo acontecer em diversas cidades europeias, a possibilidade de termos aqui também uma segunda onda de contágio está no horizonte de 2021 para quem assumir a Prefeitura.
Em primeiro lugar, acho natural que os setores econômicos pressionem a Prefeitura. O que não é natural é que a Prefeitura não tenha um comitê de crise permanente para debater com o conjunto da cidade decisões que são tão impactantes. Lá atrás, no dia 20 de março, eu escrevi para o prefeito e para o governador me colocando à disposição e dizendo que achava que era necessário um comitê de crise amplo para conseguir pactuar as decisões com a cidade. O tema da volta às aulas, por exemplo, está relacionado às escolas, mas também a um público mais amplo, formado por professores, funcionários, pais e mães. Não há um lado só neste debate e ninguém elegeu nenhum prefeito para tomar decisões dessa natureza complexa que enfrentamos agora, pois elas não estavam colocadas no radar.
Então, de um lado, acho que os empresários têm razão quando falam da ausência de estabilidade e de critério nas decisões da Prefeitura. Há um mito segundo o qual o prefeito conduziu a crise sanitária de forma exemplar e que essa é a razão dos problemas econômicos que a cidade enfrenta agora. Na minha avaliação, ele não conduziu a crise de forma exemplar. Não teve política de testagem, que era o que permitira que abríssemos antes ou que mantivéssemos fechado. Nem os profissionais da área da saúde foram testados. Hoje eu estava lá na porta da Carris e vi o pessoal da empresa circulando e sem testagem. Isso é que gera o contágio. O não controle é que expande o contágio e, portanto, o período de isolamento e as decisões que trazem impacto econômico.
Outro problema, na minha avaliação, é que o prefeito Marchezan não teve um gesto de debate na direção dos setores econômicos. E, quando falamos de setores econômicos, no caso de Porto Alegre, estamos falando fundamentalmente de micro e pequenos empresários. Não somos uma cidade de empresários gigantescos. Somos uma cidade de serviços. Estamos falando de quem tem um bar ou restaurante na Cidade Baixa ou da mulher negra que é dona de um salão de beleza no Sarandi ou na Restinga. Não houve nenhuma política de debate com esse setor sobre, por exemplo, o tema do não pagamento ou de uma renegociação das taxas municipais. É importante assinalar que a Prefeitura não sofreu impacto nas suas finanças este ano por conta do aumento do IPTU e do repasse de dinheiro da União relacionado ao enfrentamento da covid. Poderia ter ocorrido uma negociação dessas taxas com esses pequenos empresários, até porque os nossos maiores empresários mantiveram seus negócios abertos. Também não tivemos nenhum debate público sobre a postergação do aumento do IPTU de 2021, que, aliás, é uma bandeira nossa. Quem paga IPTU não é quem especula com imóveis
Então, acho que o prefeito não teve uma postura de enfrentamento sanitário adequada, pela falta de testes, para não falar da falta de diálogo com as escolas e a ausência de políticas de assistência social. Houve uma política do achismo, que gerou instabilidade, e não houve diálogo para tentar minimizar o impacto nos setores econômicos. Nem sequer sobre a renda emergencial a gente viu o prefeito levantar a voz. Nós temos hoje 224 mil pessoas que estão vivendo a renda emergencial na cidade. São pessoas que passaram a viver com 600 reais e que agora tem que viver com 300 reais, em função da redução do auxílio pelo governo Bolsonaro, e que em breve passará a viver sem nada, com o fim do auxílio. A pauta econômica e de trabalho não foi um tema para o atual prefeito.
Nós defendemos o isolamento sabendo do seu impacto econômico. Por que no dia 20 de março, o meu instituto já estava vendendo livros e comprando cestas básicas? A gente sabia que a nossa posição em defesa da Ciência, em um país desigual como o Brasil, traria impactos para os mais pobres. O discurso de que nós defendíamos a Saúde e Bolsonaro e os seus defendiam a economia é um discurso falso. Nós sabíamos do impacto econômico, mas defendemos que as pessoas estejam vivas para poder trabalhar. Não existe como trabalhar depois de morrer. Isso pode parecer uma obviedade, mas para alguns setores parece que não é. O fato de a ONU ter recebido o Prêmio Nobel da Paz, por sua ação de combate à fome, nos traz essa reflexão. A Prefeitura de Porto Alegre combateu a fome durante a pandemia?
Qual é, na tua avaliação, o significado das eleições municipais no contexto da atual conjuntura nacional. Em que medida, as eleições podem servir para ampliar os espaços de resistência às políticas do governo Bolsonaro?
Acho que a eleição municipal sempre é o momento mais importante de conexão com as pessoas. Afinal, as pessoas vivem nas cidades. Na minha avaliação, o desafio destas eleições para o nosso campo é conseguir mostrar para o nosso povo o que representa o bolsonarismo em suas rotinas. O discurso ideológico de enfrentamento ao Bolsonaro que nós fazemos precisa ser pautado para as mulheres e homens que vivem nas comunidades. Quando falamos da Emenda Constitucional 95 lá atrás, no governo Temer, estávamos falando do fim do SUAS, que teve impacto agora, durante a pandemia, com a inexistência de redes de proteção social nas cidades. Quando falamos da destruição do SUS, estamos falando de um país que não conseguiu montar brigadas nas cidades para impedir o contágio da pandemia.
Na campanha eleitoral de 2018, o Mano Brown disse que a esquerda precisava se reconectar. A eleição municipal é uma oportunidade de reconexão com as pautas reais do nosso povo. Não que não estejamos conectadas, mas precisamos traduzir as nossas pautas para a vida real das pessoas. Uma esquerda que não coloca, hoje, o combate à fome na centralidade e como nossa prioridade está desconectada da vida real das nossas comunidades. Do mesmo modo, devemos colocar, hoje, no centro das nossas ações a geração de trabalho e renda, bem como a garantia de que nossas crianças não sairão das escolas para irem para as sinaleiras. Talvez nunca tenha sido tão importante, no último período, vencer eleições municipais, como agora. Estamos no ápice de uma política de abandono total das mulheres e dos homens trabalhadores em nosso país.
Pelas articulações e frentes que se concretizaram até agora, nas principais cidades do país, envolvendo partidos de esquerda, você diria que houve um avanço no debate e na prática da unidade da esquerda, apontada como fundamental para enfrentar as políticas do governo Bolsonaro?
Nacionalmente, nós temos uma unidade muito grande. Essa unidade é maior na prática do que no discurso, o que talvez nos interesse bastante, porque, como já disse um famoso revolucionário, a prática é o critério da verdade. No Congresso Nacional, foi a unidade do nosso campo político que garantiu a renda emergencial de R$ 600,00, a Lei Aldir Blanc, o novo Fundeb ou, um pouco mais atrás, a suspensão do Enem. Esses exemplos são muito expressivos. Não é pouca coisa. São vitórias da nossa luta comum. Então, apesar as rusgas, do debate precipitado, na minha avaliação, sobre 2022, nós tivemos unidade em batalhas centrais para o nosso povo e isso para mim é o que é mais importante.
Em relação às eleições municipais deste ano, penso que existiram avanços em algumas cidades e em outras isso, infelizmente, não foi possível. A nossa unidade em Porto Alegre foi a unidade possível. Do mesmo modo, no Rio de Janeiro, a nossa unidade foi a unidade possível. Em São Paulo, cada um de nós tem a sua candidatura. Em outras cidades, como Belém e Florianópolis, o PCdoB e o PT estão apoiando o PSOL, que tem a cabeça de chapa. Evidentemente, gostaríamos de estar todos juntos aqui em Porto Alegre, mas acho que não existe espaço para não estarmos juntos no segundo turno, justamente porque há uma unidade de ação muito grande entre nós. Sou frontalmente contraria à ideia de que existem dois campos na esquerda brasileira hoje enfrentando o governo Bolsonaro. O que temos é uma unidade muito ampla para resistir à toda destruição que significa esse governo. Por isso, eu acredito que onde a esquerda estiver presente no segundo turno teremos uma ampla unidade daqueles que já estão juntos no Congresso Nacional.
Por Marco Weissheimer
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