"O corte de verbas em universidades federais e na educação em geral é uma medida absolutamente anti-Brasil", diz Manuela.
A ex-deputada Manuela d’Ávila que está em agenda pelo Brasil para lançar o seu livro “Revolução Laura” foi entrevistada nesta segunda-feira (13), pelo jornal mineiro O Tempo. Na entrevista, Manuela trata sobre vários temas, como a questão das manifestações do Lula Livre, fala também sobre a esquerda e as medidas retrógradas do governo Bolsonaro. Para ela, a esquerda consegue fazer oposição ao governo Bolsonaro, mas é preciso buscar mais parceiros para barrar tais medidas.
Como tem sido a receptividade durante suas viagens para o lançamento de “Revolução Laura”?

Nesses dois meses, nós viajamos por todas as regiões do país, demos esse giro nas capitais e grandes cidades do interior, e tem sido extraordinário por várias razões. Em primeiro lugar, porque ele não tem pretensão de ser um livro teórico e explicativo sobre a realidade, mas talvez por ser um livro de uma experiência absolutamente pessoal e, como toda experiência pessoal única, ele acaba dialogando com a experiência de muitas mulheres, ou faz com que muitas outras que são mães de outras crianças se coloquem e vejam que coisas que elas vivem não são de culpa ou responsabilidade delas, mas fazem parte da maneira como a maternidade é construída no Brasil.É possível dizer que é uma espécie de caravana pelo Brasil?

Sim, é uma espécie de caravana, tem sido, tanto que em dois meses acabei viajando mais, numericamente, embora não repetisse tantas cidades, mas viajei mais proporcionalmente do que no ano inteiro em que ficamos em campanha eleitoral.Como vê a falta de protagonismo da esquerda, que não consegue fazer oposição ao governo Bolsonaro?

Essa pergunta já tem uma resposta dentro, uma premissa com a qual não concordo. Acho que consegue fazer oposição, acho que talvez o limite esteja em querer fazer oposição sozinha. Penso que nós precisamos buscar mais parceiros para vetar determinadas medidas. Por exemplo, o corte na educação que atingirá todos os níveis, desde as universidades até a educação infantil, não é possível que nós achemos que sozinhos seremos os porta-vozes da resistência a isso. É preciso que a gente construa uma posição que, em primeiríssimo lugar, se una a partir da defesa da democracia e depois em causas que faça com que a gente dialogue com mais pessoas.

Parte da esquerda reclama de manifestações de Lula Livre em atos sem ligação com o ex-presidente. Como vê isso?

Acho que é justo que todas as pautas façam parte das manifestações, mas precisamos aceitar que nem todas elas unem todos os setores que estão na oposição. Imaginar que toda oposição tem que concordar em tudo é querer uma oposição menor. Temos intersecções, uma parte da oposição é contra a reforma da Previdência, uma parte defende a liberdade, são partes, e nós precisamos ter uma parte maior que integre diferentes campos ou partidos políticos que defendam a democracia e consigam se posicionar em defesa da dignidade humana. A medida que libera armas e cursos de armas para crianças e adolescentes no Brasil, por exemplo, é uma medida que junta muito mais gente do que só oposição. É preciso ter uma compreensão de que, para barrar medidas sobretudo no Congresso, é preciso ampliar e colocar a democracia em primeiro lugar.

O filósofo Slavoj Zizek argumentou em um debate que as pautas identitárias têm feito a direita “nadar de braçada” pelo mundo. Você concorda? Acha que isso tem ocorrido no Brasil?

Eu gosto muito do trabalho do Zizek, só que é preciso ter um pensamento originário brasileiro, porque a mera reprodução desse pensamento centrado na formulação do que é a realidade dos Estados europeus não responde ao que é o processo de desigualdade no Brasil. Então, um europeu falar sobre o que é a desigualdade de gênero no mundo do trabalho nos seus países com Estados que garantem um conjunto de políticas públicas que por fim emancipam as mulheres, é uma realidade. Tentar com essa teoria explicar o fenômeno de ascensão das forças no mundo inteiro, para mim não é o suficiente. O Brasil, especificamente, que é o país que eu vivo, que eu estudo – e é uma das razões de eu defender a universidade pública no Brasil, para que ela pense o Brasil, assim como a universidade alemã pense a Alemanha –, o Brasil é um país que tem a desigualdade econômica construída a partir de algumas questões. A questão regional sempre foi muito pesada, o Nordeste sempre recebeu um olhar menos atento do Estado do que a região Sul, por exemplo. Outra questão que estrutura a desigualdade brasileira é a questão racial e de gênero. Se o Zizek estivesse certo para ler o Brasil, ele teria que conseguir me responder por qual motivo um trabalhador brasileiro, quando é branco e homem, no mesmo lugar recebe 100% do salário e uma trabalhadora negra no mesmo trabalho recebe 53%. Eu compreendo, e ele está certo quando fala isso sobre determinados países em que ser mulher não faz tanta diferença quanto fazem alguns assuntos, mas não é tão desestruturante da desigualdade quanto é no Brasil.

Por que há tanta dificuldade em se unir as lideranças de esquerda? A hegemonia do PT atrapalha? Como vê as críticas de Ciro Gomes ao partido?

Eu acho que a realidade, os problemas do Brasil é que devem pautar a construção da nossa unidade e qualquer outra questão é menor que isso. O Brasil vive uma crise econômica muito severa, tem um governo absolutamente incapaz de responder ao principal problema do povo brasileiro, que é o emprego. Temos quase 15 milhões de desempregados e, para mim, estar a altura desse momento é necessariamente conseguir garantir a nossa unidade e a unidade com setores mais amplos do povo. Eu, particularmente, me relaciono muito bem com o PT, me relaciono bem com Ciro Gomes, e acho que a realidade vai impor a construção da unidade.

O fato de não ter sido citada na entrevista do ex-presidente Lula, que na verdade não deu espaço para nenhuma outra liderança, impede o surgimento de novos líderes?

Eu me filiei aos 16 anos ao PCdoB, fui eleita com 22 anos vereadora, com 25 deputada federal, reeleita com meio milhão de votos. Não acho que alguém tenha condições de impor um teto para o surgimento de novas lideranças. Eu sou uma liderança do meu partido e acho natural que o Lula fale e se relacione com as lideranças do partido dele, que é o PT, que nunca foi minha opção partidária. Embora minha relação com ele e com conjunto de dirigentes de partidos políticos que defendem a democracia no Brasil seja uma relação muito antiga, sólida, solidária e de muitas convergências, e algumas divergências. Então, não vejo que existe alguém tentando impedir o surgimento de novas lideranças.

O que acha dos temas mais polêmicos do início do governo Bolsonaro, como a reforma da Previdência e a facilitação para a posse e o porte de armas?

Estou muito preocupada com a facilitação do porte de armas no Brasil. Essa é mais uma medida que mostra a incapacidade do presidente de ouvir as pessoas, seus assessores, de fazer as coisas com uma certa parcimônia, parece que está sempre correndo para salvar alguém. Como que alguém faz uma medida que libera armas para 20 atividades profissionais num “canetaço” só? Ouvi alguns estudiosos falando sobre o impacto disso na diminuição de pena, quer dizer, ele que criticava tanto que os bandidos saem cedo da cadeia no Brasil, assinou uma medida que vai tirar gente de dentro da cadeia, porque ao regularizar armas, que eram de uso exclusivo das polícias, das forças armadas para os cidadãos comuns e para essas categorias profissionais, quando os meliantes forem pegos com armas como as que ele liberou, apenas vão responder por posse ilegal de arma, e não por posse de arma de uso restrito das Forças Armadas, e isso diminui a pena à metade, e todos terão diminuição da pena depois da assinatura do decreto. Da mesma forma, o ensino de tiro para criança é uma absoluta loucura. Não existe. Os países avançados do mundo estão colocando restrições para arma, ele não se deu conta, e não é possível que tome uma medida que coloque presos na rua, se uma das bandeiras dele de campanha era justamente ao contrário. Imagina um presidente que estimula a violência política e que libera a população para se armar. É a inversão de valores, responsabilizando os cidadãos por uma segurança que quem tem que garantir é o governo. Tem debates muito sérios sobre segurança para serem feitos, e o presidente fica fazendo arminha com a mão, liberando arminha para jornalista e não resolve os problemas reais do nosso povo.

O que tem achado da atuação Tabata Amaral, do partido do Ciro? Pode-se dizer que é uma nova face da esquerda liberal, ou você compartilha da ideia de outros que é mais do mesmo da direita?

Gosto muito da Tabata, a conheço desde que estudava astrofísica na Universidade de Harvard, ela é uma deputada federal dentro de um Congresso com 513 parlamentares, uma jovem começando sua vida parlamentar. Eu já comecei a minha vida parlamentar e ela vai acertar bastante, vai errar, vai ter opiniões divergentes e vai apanhar quando tiver essas opiniões de quem pensa diferente dela, vai ter opiniões convergentes e vai ser elogiada. Mas a Tabata nunca se reivindicou uma jovem de esquerda, sempre se reivindicou uma pessoa progressista, ela tem uma origem muito humilde e, a partir de sua capacidade e das políticas públicas, e conhecedora disso, foi parar na maior universidade do mundo. Uma menina genial, ela tem uma trajetória brilhante, e acho que faz parte ter uma social democracia, ou o que ela chama de progressista no Brasil, e é o que ela se reivindica. Só acho que é estranho tentarem tornar ela o centro das atenções. O centro das atenções é quem governa o Brasil, que parece ser absolutamente incapaz de resolver os problemas do nosso povo,e a Tabata, com certeza, será uma aliada nossa na maior parte das questões. O Brizola tinha uma frase que dizia: “A gente deve se unir com quem pensa diferente, porque quem pensa igual, em tese, já está unido”. Não dá trabalho dialogar com quem pensa igual, e se a gente quer que o Brasil tome um rumo de crescimento econômico, vai ter que aceitar que as pessoas concordam, e ter que dialogar com as pessoas que concordam com a gente na maioria dos temas e que discordam eventualmente em alguns. Tenho expectativa de que a Tabata será nossa parceira na maior parte dos assuntos, e a vida é assim. A gente nem casa com quem pensa completamente igual, imagina fazer política e pensar os rumos de um país complexo, continental com 26 Estados e o Distrito Federal absolutamente diverso culturalmente, esse país fantástico tem essa pluralidade, e a política também vai ter e a esquerda, centro-esquerda, a oposição ao governo Bolsonaro também tem que ser plural, diversa para a gente pensar o Brasil dessa maneira.

O que acha do corte de verbas nas universidades?

O corte de verbas em universidades federais e na educação em geral já falei, mas é uma medida absolutamente anti-Brasil. Não existe país que consiga gerar emprego e renda sem pesquisa, e o caminho que o Brasil escolheu para sua produção em ciência básica foi a partir das universidades públicas. Outros países, diferente do que o presidente e sua equipe mentem, Estados Unidos, Israel, desenvolvem pesquisas também com financiamento público dentro de outras estruturas como são o Ministério de Defesa por causa das indústrias de armas, uma parte grande da produção de tecnologia é vinculada a indústria de armas no mundo. Não é o caso do Brasil. O caminho do Brasil, que escolheu a muito tempo, não foi o PT que escolheu esse caminho, ele persistiu mesmo a ditadura militar, que é o caminho de produção de ciência básica dentro da universidade. Isso é o fim da ideia de um Brasil desenvolvido, da retomada da atividade industrial nesse mundo. O que cada vez mais vale é o conhecimento e o que está dentro do celular, e não a maquininha do celular. O que o presidente fez é uma medida antipátria, antidesenvolvimento do Brasil que comprova que esse nacionalismo dele, essa bandeira verde e amarela é tudo fake. Que Brasil vai existir se não existir emprego com qualidade para nosso povo? Pelo amor de Deus, vê o que a Alemanha está fazendo, ela aumentou bilhões em seu Orçamento em pesquisa com financiamento público essa semana. E o governo está acabando com a pesquisa, com os pesquisadores brasileiros. Talvez o governo não saiba disso, mas os países desenvolvidos do mundo buscam pesquisadores no mundo inteiro para fazer pesquisas para seus países e suas empresas. Hoje há uma legião de jovens da tecnologia na Coreia do Sul, na China, nos EUA, na Alemanha, e é o que vai acontecer, a gente vai perder todo mundo, todos nossos cérebros – não gosto de falar assim porque parece que a pessoa só o cérebro que conta – mas todo mundo que está produzindo pesquisa no Brasil vai para fora, vai acabar contribuindo com o desenvolvimento de outras nações.

Por fim, quais os seus planos políticos? É candidata à Prefeitura de Porto Alegre? Vai voltar ao Legislativo?

Eu hoje não tenho nenhum plano político. Estou lançando um livro, escrevendo um segundo livro, que devo entregar para a editora no fim desse semestre, criamos no final do ano o instituto para trabalhar justamente com ódio e mentira nas redes sociais com a conscientização da população sobre isso. Estou muito animada, estamos desenvolvendo algumas plataformas educacionais para facilitar a formação de professores, pais, alunos e permitir esse diálogo, tanto entre alunos e professores, quanto entre pais e filhos, sobre a mentira nas redes sociais e ódio, como fazer com que a população seja nossa parceira no combate a isso, e não parceira no compartilhamento de informações que só provocam problemas, pessoais, para quem é alvo delas, e problemas políticos para o Brasil, porque as pessoas acabam acreditando em inverdades e isso vai justificando medidas, como o corte de gastos nas universidades baseados em supostas festas que as pessoas estão peladas. O presidente disse que é paraquedista. Meu marido é paraquedista, já pensou se começasse a inventar que, dentro dos aviões, os paraquedistas fazem isso e aquilo? Pouca gente frequenta um avião de paraquedismo, talvez alguém possa imaginar muito sobre o que é o ambiente do paraquedismo, porque as pessoas ignoram, e o presidente joga essas informações no ar a partir de pessoas que não convivem nesse ambiente, e tenta legitimar medidas como essa, um verdadeiro absurdo, um crime contra o Brasil que está acontecendo, por isso que hoje tenho me dedicado a isso, ao estudo e combate das redes de mentira e de ódio na internet.

Com informações do jornal O Tempo