Manuela: Amazônia é parte das saídas para o desenvolvimento nacional
A pré-candidata do PCdoB à Presidência da República, Manuela D’Ávila, defendeu que a Amazônia é parte estruturante das saídas para o desenvolvimento nacional, em entrevista à BBC Brasil, divulgada nesta quarta-feira (9). Para ela, a floresta em pé é alternativa para o desenvolvimento brasileiro. “Nela podem estar riquezas para que a gente desenvolva uma indústria de saúde ou beleza, que gerem empregos, agreguem valor”, ressaltou.
Confira na íntegra a entrevista da pré-candidata do PCdoB:
BBC Brasil – Desde 1989, o PCdoB apoia o PT. O que levou o partido a mudar de posição e sair da sombra do PT?
Manuela d’Ávila – Não é sair da sombra. Desde 1989, estávamos empenhados na continuidade desse projeto (do PT). Avaliamos que, com o impeachment – que qualificamos como golpe, porque não houve crime de responsabilidade – abriu-se um novo ciclo político. As eleições são o espaço mais importante para apresentarmos perspectivas de rumos para o país enfrentar as crises econômica e política.
BBC Brasil – Lula a elogiou muito no último ato antes de ser preso. A senhora se vê como herdeira de seu legado político?
Manuela – Óbvio que qualquer pré-candidato da esquerda gostaria de dizer que sim. Mas não seria uma resposta verdadeira. Vejo os elogios como um gesto político de reconhecimento do presidente à nossa solidariedade e à nossa luta de defesa da democracia. Mas o legado do Lula não é um legado do PT. O que o presidente Lula construiu, ele construiu com o esforço de gerações do povo brasileiro, anteriores a ele e que seguirão posteriormente a ele. Eu, num certo sentido, faço parte de uma geração que já recebe o legado de múltiplos atores do meu campo político – Lula entre eles.
BBC Brasil – A senhora tem entre 1 e 3% das intenções de votos, segundo as pesquisas mais recentes. Seria uma candidatura para marcar posição?
Manuela – Evidentemente não. Sou candidata há pouquíssimo tempo. Nosso resultado nas pesquisas é melhor do que isso. Temos excelente performance entre os jovens, que são quem já têm acesso à candidatura em função da única ferramenta que temos agora, as redes sociais. Entre quem tem 16 e 24 anos, por exemplo, temos 5% no território nacional. No meu Estado, na região Sul, já chegamos a 7 ou 8%.
BBC Brasil – O governador Flavio Dino, membro do seu partido, defendeu a unidade da esquerda na eleição. Foi um recado para a senhora? Existe unidade do seu partido em torno da sua candidatura?
Manuela – A unidade é absoluta. Meu nome foi escolhido por aclamação pela direção nacional do PCdoB. Já temos esforço gigantesco para a construção dessa unidade a partir dos programas de governo. PCdoB, PT, PDT, PSB e PSOL construíram um programa mínimo para desenvolvimento nacional. Isso é inédito. Mas qual caminho o PT seguirá? E o PSOL? Não depende só de nós construir essa unidade, muito embora nos esforcemos para que se materialize.
BBC Brasil – A senhora diz representar uma renovação na política, mas já disputou seis eleições, é representante de um partido tradicional e que até há pouco tempo estava na base do governo. Não é uma contradição?
Manuela – Não. A renovação da política só pode ser feita por quem não a nega. Não acredito que o Brasil vai ser transformado a partir de tuítes de magistrados, por rompantes de personalidades que acham que vão salvar a pátria. Concorri todas as minhas eleições por um partido que nunca tinha eleito ninguém para os cargos que disputei. Renovar a política não é fazer cara feia para ela. É estar lá dentro enfrentando, como fiz por dez anos em Brasília sem me corromper.
BBC Brasil – A senhora disse recentemente ser contrária à “sustentabilidade ingênua” e que não se pode tratar a Amazônia como um santuário enquanto outros países se desenvolvem explorando os nosso recursos. De que maneira eles podem ser explorados? Minérios? Acha válido desmatar em alguma circunstância?
Manuela – A gente precisa entender que a região amazônica não é um bibelô do restante do Brasil. Quem vive em Porto Alegre, São Paulo, Rio, com acesso a posto de saúde e escola, não pode olhar para a população indígena, para os ribeirinhos como se eles tivessem que se sustentar do ar. Não admito que exista uma terra absolutamente rica com um povo absolutamente pobre em cima dela.
Para mim, a Amazônia é parte estruturante das saídas para o desenvolvimento nacional. Quando falo da visão santuarista da Amazônia, me refiro a deixar a floresta simplesmente ali, ignorando as carências dos seus povos, a ausência do Estado e da integração asfáltica daquela região com o resto do Brasil – mesmo que ela se integre por terra até o Canadá. A floresta em pé é alternativa para o desenvolvimento brasileiro. Nela podem estar riquezas para que a gente desenvolva uma indústria de saúde ou beleza de ponta, que gerem empregos, agreguem valor. A Zona Franca de Manaus é uma prova emblemática disso.
BBC Brasil – Esse discurso sobre a integração da Amazônia não remete ao lema “integrar para não entregar” (da ditadura militar)? De que maneira suas visões diferem desta visão, que é muito presente em círculos militares e inclusive parte da proposta do deputado Jair Bolsonaro?
Manuela – Acho que é forçado tentar um vínculo com o período militar e o deputado Jair Bolsonaro, que não apresenta propostas, tanto que não é respeitado pelo conjunto das Forças Armadas que tem compromisso com a Constituição. Os militares fizeram governos antidemocráticos, que perseguiram meu partido, mas tinham algumas visões mais nacionalistas que o governo atual.
BBC Brasil – Isso é positivo?
Manuela – Foi um ciclo que trouxe a indústria para o país, por exemplo. Olhar de forma maniqueísta a história do Brasil não vai ajudar o país a sair da crise. A Zona Franca de Manaus data dos períodos militares. É o que mantém a floresta em pé. Vou dizer que sou contra a Zona Franca por isso? Agora, não tem como não colocar o tema da sustentabilidade em primeiro plano. O desenvolvimento do século 21 foca no combate a desigualdades e na sustentabilidade ambiental.
BBC Brasil – Quando a senhora diz “solo mais rico do mundo com uma população miserável em cima”, isso pressupõe explorar minérios? Mesmo em terra indígena?
Manuela – Em alguns Estados, como o Pará, essa exploração pode ser feita garantindo a sustentabilidade. Não trato populações indígenas e ribeirinhas como se fossem acessórias dos brancos do centro do país. São homens e mulheres que precisam viver com dignidade. Quantos estão abordando o fato de a população indígena ter o maior índice de aumento de suicídio na crise? Poucos.
BBC Brasil – A senhora diz que há interesses internacionais travestidos de outras causas operando na Amazônia. Quais são esses interesses e como eles operam?
Manuela – A Amazônia é a região mais rica do planeta. Nós compramos fármacos no Brasil produzidos com as riquezas naturais do nosso país que não temos condições técnicas de explorar. O principal fixador de perfumes do mundo é produzido a partir do que existe na Amazônia. Mas destruímos nosso sistema de ciência, tecnologia e inovação, que poderia garantir mais aporte de recursos com uma indústria vinculada a ele.
BBC Brasil – Alguns dos maiores escândalos de corrupção da história do país, como o mensalão e a Lava Jato, vieram à tona durante o governo do PT. Mesmo assim o PCdoB manteve seu apoio. Por quê?
Manuela – Os casos de corrupção investigados, que passam pelo processo legal com provas, precisam ser punidos. Assistimos nos ciclos do PT a estruturação de um sistema de controle da corrupção. Não é casualidade que Lula esteja preso numa superintendência da Polícia Federal construída no seu governo.
Houve um investimento massivo em pessoal, equipamentos, na ampliação da capacidade investigativa e da autonomia das operações, a não ingerência política. O mensalão e a Lava Jato são dois episódios que, de um lado, resultam dessas estruturas, mas, de outro, ganharam contornos políticos em seus julgamentos. É o caso de Lula. Não se apresentou nenhuma prova contra ele.
As estruturas existem, e as pessoas estão sendo punidas. Mas o projeto construído com Lula e Dilma era superior a isso. Tiramos 16 milhões de pessoas da pobreza extrema. Garantimos a criação do ProUni. Tivemos a política externa comercial mais avançada do Brasil. Estabelecemos relações com todos os países do mundo. O G-20 foi criado em função do protagonismo do Brasil.
BBC Brasil – Esses avanços que a senhora menciona justificam os erros que foram cometidos e o apoio do PCdoB ao governo?
Manuela – Alguma vez apoiamos algum erro?
BBC Brasil – Mas se mantiveram na base.
Manuela – Sim, porque o projeto antagônico ao que nós representamos é esse que nós vivemos agora. É o projeto que entrega o pré-sal, que quer vender a Eletrobras, que gera quase 14 milhões de desempregados, em que 1,2 milhão de casas não cozinham mais com gás, porque não conseguem pagar. Que os bancos têm seu maior lucro da história. Enquanto era feito o combate à corrupção, existia um projeto acontecendo.
BBC Brasil – A senhora defende a independência total da Polícia Federal e do Ministério Público?
Manuela – Não, acho que todas as instituições do país têm de estar vinculadas a um projeto. A Polícia Federal, se eu for presidente, continuará atuando no combate à corrupção, mas terá atuação também centrada no controle de armas.
Se é independência total, o presidente não tem como dizer “precisamos atuar nessa área”. São instituições do Brasil, não são neutras. A atuação do Ministério Público é um debate antigo entre os operadores do direito. Já foi algo discutido no Congresso, e nunca se chegou a bom termo, mas é um debate que a sociedade fará. Não existe instituição que não deva fazer parte de um projeto de país.
BBC Brasil – A senhora desvalorizaria o câmbio?
Manuela – A política macroeconômica tem de estar a serviço do desenvolvimento do Brasil. O tripé macroeconômico é tratado quase como a Santíssima Trindade. Ninguém pode questionar. Mas o tripé macroeconômico só serve para economias que já são desenvolvidas.
A política de câmbio que mantivemos quebrou a indústria nacional. Por qual razão alguém abre uma fábrica e gera um emprego se a pessoa ganha mais pegando seu dinheiro e investindo na especulação? Ficaremos eternamente reféns das mil famílias mais ricas do país?
Continuaremos tributando de forma absolutamente intensa a população mais pobre, a classe média? Não tributaremos as grandes fortunas? Tributaremos para sempre de forma tímida as grandes heranças que poderiam inclusive ser uma forma de financiamento dos Estados em crise?
BBC Brasil – A senhora disse que a política do BNDES no governo do PT foi boa. Não foi essa mesma política que privilegiou grandes grupos empresariais e permitiu tantos desvios e escândalos de corrupção no exterior?
Manuela – Nada disso do que você está falando foi comprovado na CPI do BNDES. Os acertos nunca são integrais. Tivemos falhas em algumas políticas do BNDES. Por exemplo, não cobramos com muita nitidez as contrapartidas da política de campeões nacionais, mas nós tivemos acertos também.
É preciso ou não investir na indústria nacional? Qual país do mundo não investe? Que país não tem mecanismo de fomento à indústria? Vocês acham que a infraestrutura brasileira é suficiente? Como a gente garante infraestrutura nacional sem passar por empreiteiras nacionais? Sem falar disso, vira um debate idealista. A gente precisa ter indústria, precisa gerar emprego. E os delitos das empresas têm de ser apurados.
BBC Brasil – A senhora diz defender um novo projeto de desenvolvimento nacional. Que modelo propõe?
Manuela – Não defendo nenhum modelo. Temos problemas únicos no tema de violência, e às vezes falam: “Vamos legalizar as drogas igual ao Uruguai”. É diferente. O Brasil precisa construir um caminho próprio.
Não existe economia ou país que se desenvolveu sem o Estado conduzindo um projeto nacional. Os liberais brasileiros inventam que os Estados Unidos, Israel e a Coreia do Sul não têm participação do Estado na economia. (risos) É piada, né? Assim como a China tem. São políticas diferentes em que o Estado tem um papel central na sua elaboração. Precisamos recompor a capacidade de investimento do Estado brasileiro com a reforma tributária e a reforma do Estado, que é amarrado, para reduzir a desigualdade.
BBC Brasil – Os empresários e brasileiros mais ricos devem temer uma presidente Manuela comunista?
Manuela – Não gosto dessa palavra “temer”. Quero governar para 99% do povo, para quem não ganha especulando, para quem paga imposto. Amo meu país e dediquei minha vida a tentar transformar o Brasil, mas tenho um lado: o do povo.
BBC Brasil – A senhora defendeu a construção de presídios federais nos Estados. Isso não contraria críticas da esquerda ao encarceramento em massa? Por que a senhora defende uma pauta vista como de direita?
Manuela – Porque não é de direita. Meus mandatos foram dedicados ao combate ao encarceramento em massa e ao uso excessivo de força policial. Passo os dias recebendo famílias de policiais mortos e de vítimas do uso abusivo de força da polícia. Só que nós não vamos resolver o problema da violência no Brasil ignorando determinados temas.
Não existe política de segurança pública sem polícia. Mas também existe um medo da polícia entre as pessoas mais pobres que é justificado. O que eu faço? Fico só falando “a polícia mata”? A polícia mata, mas também morre, e os dois lados são pobres. Os ricos não morrem nessa guerra.
Minha proposta dos presídios faz parte de um projeto maior que prevê priorizar o combate aos crimes de homicídio e crimes sexuais. Mas essas pessoas vão ficar nos presídios que temos hoje? A parte da esquerda que me critica por isso acha bom submeter preso à máquina de tortura que são nossos presídios? Se está bom pra eles, para mim, não está.
Quero homicidas e estupradores presos, mas em presídios com segurança, que não fomentem a criação de facções como ocorre hoje. Por fim, defendo uma nova política de drogas, que é o centro do enfrentamento ao encarceramento em massa. A gente precisa debater a guerra às drogas. Não conheço ninguém que ache que deu certo. Defendo a tributação das drogas e que isso seja usado na prevenção do consumo abusivo e na reparação às comunidades que ficaram 40 anos submetidas à guerra.
Jamais defendi construir presídio para encarcerar mais, mas tem muita gente precisando inventar fake news, na direita e, infelizmente, às vezes, na esquerda.
BBC Brasil – A senhora é favor da descriminalização do aborto?
Manuela – Acho que o Brasil precisa tratar desse tema como um tema de saúde pública e que isso resultará na descriminalização.
BBC Brasil – Como seria conduzida essa descriminalização? Hoje temos um Congresso de maioria conservadora.
Manuela – Um presidente tem relevância política no Brasil e precisa construir um diálogo com a sociedade e com o Congresso. E deve aceitar ganhar ou perder.
O Uruguai fez um plebiscito sobre a redução da maioridade penal, e todo mundo achou que o campo político do governo, contra a redução, perderia. Fizeram um amplo debate popular e ganharam. No tempo em que nós vivemos, é possível radicalizar a democracia.
Quando relatei o Estatuto da Juventude, as pessoas podiam opinar no texto, e 30% do relatório veio de iniciativas populares. É possível fazer política assim. Não pretendo fazer transformações sem ouvir o povo, mas só serei presidente se o povo acreditar no que eu defendo.
BBC Brasil – Como a senhora lidaria com bancada ruralista, bancada evangélica, bancada da bala, três forças do Congresso, para avançar suas propostas?
Manuela – Em algumas causas, estaremos juntos, em outras, não. Tenho uma experiência nisso. O Estatuto da Juventude, em que constam a liberdade sexual e religiosa, foi aprovado com o apoio da bancada evangélica e da Frente LGBT. É possível dialogar sem abrir mão dos nossos princípios.
BBC Brasil – Nas duas eleições majoritárias que a senhora disputou, foi derrotada. O que muda agora?
Manuela – Muda o sistema de financiamento de campanha, que teve bastante relação com minhas derrotas, porque os rivais eram bem financiados. Também sempre fui atacada pela pouca idade. A eleição é meu elixir da juventude, nunca fico velha. E continuo muito nova perto dos meus adversários, mas tenho mais maturidade.
Também muda a conjuntura política. Um momento de crise favorece uma eleição menos uniforme, em que as diferenças dos projetos são mais perceptíveis. Isso me ajuda.
BBC Brasil – Dentre os candidatos que estão cotados, quais que a senhora poderia apoiar se não fosse para o segundo turno?
Manuela – Essa é uma eleição estruturada em campos opostos, basicamente entre direita e esquerda. Ainda não conheci o centro nesta eleição. O próximo governo do Brasil terá de fazer reformas, que serão para um lado ou para outro. Será a reforma que entregará a Eletrobrás e a nossa condição de desenvolver a indústria de forma soberana ou que não privatizará. Uma reforma tributária que garanta a capacidade de investimento do Estado ou uma reforma que entregará a Previdência pública para os bancos.
São decisões que pautarão os rumos do Brasil, e não apoiarei ninguém que esteja do outro lado.
BBC Brasil – A senhora afirma que a diferença salarial entre homens e mulheres é uma chaga nacional e que vai acabar com ela. Como?
Manuela – Fazendo ser lei. As empresas não podem praticar salários diferentes para homens e mulheres que exercem o mesmo trabalho, com as mesmas atribuições. Meu governo não contratará nenhuma empresa que faça isso.
Um governo precisa ter obsessão em combater essa diferença salarial. Como duas pessoas trabalham no mesmo lugar, uma é homem, outra é mulher, e um recebe 20% a menos? Quando é mãe, chega a 40%. Tem algo errado. Não é uma casualidade que as nações que mais se desenvolvem no mundo respeitam o posicionamento das mulheres na economia. Não acredito que o Brasil se desenvolverá se as mulheres não tiverem protagonismo nisso.
BBC Brasil – Tem algum país que a senhora tenha como exemplo de modelo econômico e de desenvolvimento?
Manuela – Faço minha pós-graduação estudando tipos de Estado de bem-estar social. Cada um tem vantagens e desvantagens. Se você pega o caminho que a China percorreu, para o seu povo, realidade, história de guerras e fome, é um caminho que tem dado certo.
Se você pega o caminho dos países nórdicos, isso tem resultados bons para seu povo. Precisamos saber qual será o nosso caminho. Não dá pra importar nada.