Presidente da Fundação Palmares, Sérgio Nascimento, disse que a escravidão foi "benéfica". Gravura de Jean-Baptiste Debret da série “Viagem pitoresca e histórica ao Brasil, 1834-1839”

Seis ex-presidentes da Fundação Cultural Palmares divulgaram manifesto em defesa da instituição e condenaram o racismo.
A manifestação dos ex-presidentes acontece após as declarações do atual presidente da Fundação, Sérgio Nascimento de Camargo.
Sérgio Nascimento de Camargo afirmou que no Brasil não existe “racismo real”, que a escravidão foi ‘benéfica para os descendentes” e que o movimento negro precisa ser “extinto”. No dia 15 de setembro, ele publicou que no Brasil existe um racismo “nutella”, ao contrário dos Estados Unidos, onde existiria um racismo “real”.
“A negrada daqui reclama porque é imbecil e desinformada pela esquerda”, disse. Em 27 de agosto, havia escrito que a escravidão foi “terrível, mas benéfica para os descendentes” porque negros viveriam em condições melhores no Brasil do que na África.
No dia 16 do mesmo mês, afirmou que o movimento negro precisa ser “extinto” porque “não há salvação”. Em outra ocasião, escreveu que “merece estátua, medalha e retrato em cédula o primeiro branco que meter um preto militante na cadeia por crime de racismo”. Também já disse sentir “vergonha e asco da negrada militante”.
Leia a íntegra do manifesto:
MANIFESTO DOS EX-PRESIDENTES DA FUNDAÇÃO CULTURAL PALMARES
“Reconhecemos que a escravidão e o tráfico escravo, incluindo o tráfico de escravos transatlântico, foram tragédias terríveis na história da humanidade, não apenas por sua barbárie abominável, mas também em termos de sua magnitude, natureza de organização e, especialmente, pela negação da essência das vítimas; ainda reconhecemos que a escravidão e o tráfico escravo são crimes contra a humanidade e assim devem sempre ser considerados, especialmente o tráfico de escravos transatlântico, estando entre as maiores manifestações e fontes de racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata; e que os Africanos e afrodescendentes, Asiáticos e povos de origem asiática, bem como os povos indígenas foram e continuam a ser vítimas destes atos e de suas conseqüências;”
Inspirados na Declaração de Durban, transcrita acima, e adotada como marco referencial no mundo na luta contra o racismo, tendo sido publicada quando da realização da III Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, em 2001, na África do Sul, nós que tivemos a honra de presidir a Fundação Cultural Palmares, em períodos os mais distintos, consideramos que a continuidade da luta pela promoção da igualdade racial no Brasil é um imperativo de toda e qualquer pessoa ou instituição que acredite na democracia, nos direitos humanos, na cidadania e na liberdade.
A Fundação Cultural Palmares foi criada, em 1988, ano do Centenário da Abolição da Escravatura com este propósito: “promover a preservação dos valores culturais, sociais e econômicos decorrentes da influência negra na formação da sociedade brasileira”, visto que as sequelas oriundas do período escravocrata em nossos país, deixou um legado de racismo, exclusão e discriminações que persistem até os dias atuais, vitimando milhões de pessoas em particular a juventude negra que tem sido alvo de um verdadeiro genocídio, reconhecido até mesmo pela Nações Unidas.
O momento atual que estamos vivendo é preocupante e requer coragem, ousadia e determinação na defesa do processo civilizatório, tanto no Brasil como em grande parte do mundo. Por isto mesmo, devemos recusar com toda a veemência quaisquer ideias ou propostas que ponham em risco conquistas duramente alcançadas nos últimos anos no campo da promoção da igualdade e dos direitos humanos, em particular no que diz respeito a Educação (cotas no ensino superior), a terra (reconhecimento dos quilombos), a cultura (reconhecimento das manifestações culturais de origem negra enquanto patrimônio cultural brasileiro e mundial) e o direito à liberdade religiosa.
A Fundação Palmares, é uma instituição do Estado brasileiro e não um biombo para servir a interesses contrários aos objetivos para os quais ela foi criada. Neste sentido, expressamos nossa preocupação com o fato de que, além do racismo estar ganhando terreno no Brasil, as formas e manifestações contemporâneas do racismo, da intolerância e do fascismo, estão se empenhando para recuperar o reconhecimento político, moral e, até mesmo, legal das mais variadas maneiras, inclusive, por meio de plataformas de partidos políticos e organizações que têm disseminado o ódio, a violência e a negação dos direitos mais elementares do nosso povo.
Por fim, ao tempo em que nos manifestamos de forma contundente contra a tentativa de criminalização dos movimentos sociais, dentre eles o movimento negro brasileiro, a destruição das instituições tão duramente conquistadas como a Fundação Cultural Palmares e as Políticas Públicas de Cultura decorrentes de suas iniciativas, reafirmamos o nosso compromisso com a democracia e conclamamos a todos os democratas, progressistas, anti-racistas e a comunidade negra brasileira a se unirem na defesa do nosso bem maior que o é o Estado Democrático de Direito e claro, a defesa da Promoção da Igualdade Racial em nosso país.
Brasília, Novembro de 2019
Carlos Moura;
Zulu Araujo;
Dulce Pereira;
Eloi Ferreira;
Hilton Cobra;
Erivaldo Silva.