Marcha em Cajamar com o lápis que simboliza a campanha do professor Castillo

Milhares de pessoas se manifestaram no sábado (19) em Lima, capital do Peru, para exigir o respeito à vontade das urnas que elegeu presidente o professor Pedro Castillo e em repúdio à derrotada Keiko Fujimori, herdeira da ditadura, e suas manobras golpistas. “Em defesa da democracia e da pátria, não ao golpe”, exigiram os manifestantes.

A eleição foi no dia 6 e completaram-se 14 dias sem que o resultado, já conhecido, seja proclamado. A Plaza San Martín foi tomada à noite por delegações que vieram de todas as partes do país. “Você pode ver bandeiras das regiões de Tacna, Chimbote, Ancash, Pisco, Puno, Oxapampa, Arequipa, Callao, Vraem, Apurímac, trajes tradicionais, bandeiras vermelhas e brancas do Peru, o lápis que simboliza Castillo”, registrou o portal Sputnik em espanhol.

Unidade

Na mobilização, a ex-candidata do Juntos pelo Peru, Verónika Mendoza, afirmou que “chegou a hora de unidade, unidade do povo, unidade para defender a democracia, unidade para promover este processo de mudança”.

“Dizem que na montanha o voto foi manipulado, que houve fraude, quando nós na montanha e em todo o país votamos com memória, com dignidade e com esperança de dignidade”, acrescentou.

“Não vamos permitir que ignorem a vontade popular, o resultado eleitoral, vamos defender a democracia, unidos, com um só punho”, sublinhou. De acordo com a mídia peruana, ela vem sendo cotada para primeira-ministra no governo do presidente Castillo,

A convocação foi feita por entidades populares, a Central Geral dos Trabalhadores do Peru, estudantes, organizações em defesa dos direitos humanos e partidos de oposição, diante dos intentos de Fujimori e da carta de militares da reserva propugnando pelo esbulho ao voto. Presença também da Associação das Vítimas da Esterilização Forçada e da campanha “Não a Keiko”.

“Estamos aqui porque diante do esquecimento de muitas autoridades durante anos, as comunidades, principalmente as Rondas Campesinas [nome dado às organizações comunitárias de defesa dos camponeses peruanos], estão aqui para defender um voto rondero, um voto de esquecimento, um voto desses abandonados, e é por isso que estamos aqui exigindo pacificamente que se faça justiça”, disse Hortencio Julcahuanca Orozco, integrante da Coordenação Nacional de Rodadas Camponesas do Peru à Sputnik.

Ao lado de Orozco, uma coluna de ronderos, com seus chapéus tradicionais: “são as patrulhas camponesas que administram a justiça em sua comunidade, são autoridades de seu lugar, viemos de todo o país, viemos do norte, de Cajamarca”, acrescentou. Castillo, em quem eles votaram e defendem, também era patrulheiro.

A um quarteirão de distância, prossegue a vigília diante do prédio do Júri Eleitoral Nacional (JNE), que já dura dias, para exigir que a vitória do novo presidente seja oficialmente reconhecida.

“Estamos exigindo que o JNE proclame já Castillo como presidente”, afirmou Gladys Jará, uma comerciante de Lima, que compareceu ao ato político. Ela conclamou o JNE a não dar ouvidos “àquela máfia de Fujimori”.

A estratégia da herdeira do fujimorismo é ignorar os resultados, com mentiras e mais mentiras sobre fraude inexistente. Mas foi rechaçada pelos 35 Júris Especiais Eleitorais (JEE) encarregados de tramitar os 943 recursos de anulação apresentados pelo Força Popular, partido de Keiko. O resultado foi claro: todos os recursos foram declarados inadmissíveis ou improcedentes.

Fujimori voltou à carga, com mais 312 recursos de contestação até a tarde de sábado, que terão de ser revistos pelo plenário do JNE. Processo para o qual não há prazo definido.

A insistência de Keiko Fujimori, entre outras razões, se explica pelo fato de que, se não virar presidente, provavelmente se tornará presidiária, sob o escândalo dos subornos da Odebrecht.

Garcia Belaúnde, advogado do Força Popular, anunciou que pretende pedir um hábeas corpus para ter acesso às atas eleitorais em poder do órgão encarregado das eleições, o ONPE, sob pretexto da “transparência”.

A ex-Ministra da Justiça, Ana Neyra, contestou a pretensão do fujimorismo, apontando que “embora haja o direito de acesso à informação pública, a própria lei estabelece uma proteção de dados pessoais que não podem ser compartilhados com um partido político. Informações pessoais, como endereço, impressão digital ou foto, não podem ser fornecidas.”

Por fim, Fujimori, junto com partidos aliados no Congresso, como Ação Popular e Descentralização Democrática, solicitou uma moção de censura à ONPE, principalmente de Mirtha Vázquez, sua presidente e integrante da Frente Ampla, organização progressista, por suposta “violação do equilíbrio de poderes”.

Analistas apontaram que inexistem motivos para censura, e que a manobra se explica porque Vázquez se tornou um obstáculo à estratégia fujimorista de capturar o Tribunal Constitucional (TC) para impedir que Pedro Castillo tome posse em 28 de julho.

No sábado, o presidente interino Francisco Sagasti se dirigiu ao país para rechaçar a incitação, de parte de ex-altos mandos militares, agora na reserva, à quebra da ordem constitucional. Posteriormente, se descobriu que algumas das assinaturas da carta eram de oficiais já falecidos. “Rejeito este tipo de comunicação que não é apenas contrário aos valores e instituições democráticas, mas são atos em desacordo com a Constituição e as leis”, enfatizou Sagasti.