Milhares de pessoas ser reuniram na Praça da Liberdade, no centro da cidade alemã de Hanau, que fica perto de Frankfurt, no sábado (22), para repudiar o massacre de quarta-feira em que dez pessoas foram mortas a tiros por um racista delirante, que depois se matou, deixando um ‘manifesto’ e um vídeo marcados pelo ódio, racismo, xenofobia e paranoia.
Os manifestantes portavam uma grande faixa “racismo e fascismo matam por toda a parte” e “A AfD atirou junto”. A Alternativa para a Alemanha (AfD) é o partido de extrema direita que inchou promovendo uma caça às bruxas contra refugiados e imigrantes em geral.
Foi o terceiro ataque extremista em nove meses na Alemanha, o que inclui o assassinato do parlamentar Walter Lübcke na cidade de Kassel, por se recusar a perseguir refugiados (em junho), dois mortos em um ataque a uma sinagoga em Halle (em outubro) e, agora, a chacina de Hanau, em que as vítimas eram imigrantes ou filhos de imigrantes.
Desde a carnificina, que atingiu dois bares de narguilé e um quiosque, manifestações, homenagens com flores e vigílias têm ocorrido em muitas cidades alemães, como Hamburgo, Berlim, Colônia, Bonn, Düsseldorf, Dortmund e Bielefeld. No ato em Marburg, o prefeito Thomas Spies classificou o racismo como “um veneno perfeitamente quotidiano”, contra o qual “precisamos agir conjuntamente”.
Na manifestação de Hanau, familiares das vítimas também falaram ao público denunciando o ato bárbaro e chamando à unidade contra o extremismo. “A ferida não vai sarar, mas a solidariedade nos ajuda”, disse um parente ao Guardian: as vítimas todas nasceram e cresceram na cidade, “eram todas filhas de Hanau”.
Entre os nove mortos nos dois bares e um quiosque, havia uma mulher grávida, mãe de outras duas crianças. O assassino, depois identificado como Tobias Rathjen, de 43 anos, antes de se suicidar, matou a própria mãe de 72 anos.
A multidão se dirigiu até um dos locais do crime. No monumento aos Irmãos Grimm, na Markplatz, durante o dia inteiro cidadãos depositaram flores, acenderam velhas ou prestaram homenagem em silêncio.
No ato, o deputado do Partido Verde, Cem Özdemir, de origem turca, disse esperar que “este ano entre para a história como aquele em que a Alemanha levou a sério o combate ao extremismo de direita”.
Na quinta-feira, o presidente alemão, Frank-Walter Steinmeier, foi a Hanau para prestar solidariedade às famílias das vítimas. “Dez pessoas foram arrancadas de nosso meio e sua morte é um ato brutal de violência terrorista. Um ato terrorista que também nos lembra terrivelmente o assassinato de Walter Lübcke e, por último, mas não menos importante, o ataque à sinagoga em Halle”, disse Steinmeier. Terror cujo objetivo, apontou, “é fazer o medo dispersar os cidadãos” e deixar a violência e morte se espalharem.
No documento de 24 páginas que o assassino postou em seu site antes do massacre, ele expôs sua motivação racista: certos grupos étnicos da Ásia, África e Oriente Médio tinham que ser “completamente aniquilados”; a população da Alemanha precisava ser “reduzida à metade”.
O ministro do Interior alemão, e ex-líder do partido da União Social Cristã da Baviera, Horst Seehofer, disse em entrevista ao jornal Bild que a ameaça de extremismo de direita, racismo e anti-semitismo era “muito alta na Alemanha”. Ele prometeu medidas concretas para proteger refugiados, sinagogas e mesquitas. Também propôs o reforço das leis sobre armas.
A líder parlamentar do Partido Verde, Katrin Göring-Eckhardt, advertiu que “o extremismo de direita perdeu todas as inibições na Alemanha” e pediu medidas mais severas de contenção.
Nas comunidades turca e curda de Hanau, há descrença quanto a que o problema seja efetivamente enfrentado. Como destacou Newroz Duman ao jornal inglês, foram políticos como Seehofer que permitiram a disseminação desses preconceitos racistas nos últimos anos. Ele recordou o comentário do agora ministro, em 2018, em que classificou a migração como “a mãe de todos os problemas” e disse entender a raiva que alimentava as manifestações de extrema direita.
No velório de quinta-feira à noite na praça da cidade de Hanau, Hasan Budak questionou até onde ia a declaração de Ângela Merkel de que “o racismo é um veneno”. O verdadeiro veneno – acrescentou – “é que temos pessoas que trabalham cinco dias por semana e ainda precisam reivindicar benefícios para sobreviver. Eles acabam procurando bodes expiatórios e se fixam em pessoas que parecem estrangeiras. Temos que afastar os argumentos dos fascistas”.
Dias antes do massacre de Hanau, no estado da Turíngia e por toda a Alemanha o que estava em discussão era a legitimação dos acordos com os extremistas e xenófobos da AfD, depois que a direita tradicional anunciou acerto para constituir o governador. Foi preciso milhares de pessoas irem às ruas da capital, Erfurt, para pôr em xeque a “normalização” do extremismo de direita na política alemã. A marcha se deu sob o lema “sem pacto com fascista – nunca e em lugar nenhum”. A manobra acabou gorando após o rechaço até mesmo da primeira-ministra Ângela Merkel.