Mais de 160 milhões caem na pobreza
Os 10 homens mais ricos do mundo mais que dobraram suas fortunas, de US$ 700 bilhões para US$ 1,5 trilhão – a uma taxa de US$ 15 mil por segundo, ou US$ 1,3 bilhão por dia – durante os dois primeiros anos da pandemia de Covid-19. Por outro lado, a renda de 99% da humanidade caiu e mais de 160 milhões de pessoas foram empurradas para a pobreza.
Os dados fazem parte do estudo A Desigualdade Mata, divulgado neste domingo (16) pela Oxfam e que revela ainda que o Brasil tem hoje 55 bilionários com riqueza total de US$ 176 bilhões, dos quais dez ascenderam a este patamar durante a pandemia.
Sob a gestão econômica do governo Bolsonaro, o aumento da riqueza dos bilionários durante a pandemia foi de 30% (US$ 39,6 bilhões), enquanto 90% da população teve uma redução de 0,2% entre 2019 e 2021. Os 20 maiores bilionários do país têm mais riqueza (US$ 121 bilhões) do que 128 milhões de brasileiros (60% da população), segundo aponta a organização.
Os n´´umeros alarmantes fizeram com que a diretora executiva da Oxfam Brasil, Katia Maia, criticasse o aumento da desigualdade no país. “É inadmissível que alguns poucos brasileiros tenham lucrado tanto durante a pandemia quando a esmagadora maioria da população ficou mais pobre”, disse ela, após ter comentado os dados globais que, segundo ela, significam que os 10 homens mais ricos do mundo têm hoje seis vezes mais riqueza do que os 3,1 bilhões mais pobres do mundo.
21 mil mortos por dia
Lançado às vésperas do Fórum Econômico Mundial em Davos (Suíça), o briefing do estudo realizado pela Oxfam revela que as desigualdades estão contribuindo para a morte de pelo menos 21 mil pessoas por dia, ou uma pessoa a cada quatro segundos. De acordo com a organização, esta é uma conta conservadora, baseada nas mortes globais provocadas pela falta de acesso à saúde pública, violência de gênero, fome e crise climática.
“A riqueza dos bilionários aumentou mais durante a pandemia de Covid-19 do que nos últimos 14 anos. Os US$ 5 trilhões são o maior acúmulo na riqueza dos bilionários desde que esses dados começaram a ser monitorados”, aponta a Oxfam.
De acordo com a organização, um imposto único de 99% sobre os ganhos obtidos pelos 10 maiores bilionários do mundo durante a pandemia poderia, por exemplo, pagar por: vacinas suficientes para toda a população do mundo; providenciar saúde pública universal e proteção social; financiar ações de adaptação climática; e reduzir a violência de gênero em mais de 80 países. E esses 10 bilionários ainda seguiriam com US$ 8 bilhões a mais do que tinham antes da pandemia.
Katia Maia atribui o aumento da riqueza dos mais ricos ao fato de que, ainda que os governos tenham injetado US$ 16 trilhões do dinheiro público nas economias dos países para salvar vidas e empregos, boa parte desses recursos acabaram nos bolsos dos bilionários, devido às grandes altas no mercado de ações.
“As vacinas deveriam acabar com a pandemia, mas a desigualdade na sua distribuição concentrando doses nos países mais ricos, está deixando milhões sem acesso. O resultado é que diferentes tipos de desigualdades devem aumentar no mundo. Estamos perdendo nossa humanidade de forma acelerada ao normalizar desigualdades extrema”, lamentou.
Violência econômica
A Oxfam considera que as desigualdades extremas são uma forma de violência econômica, em que políticas públicas e decisões políticas que perpetuam a riqueza e o poder de um pequeno grupo de privilegiados, continuem a prejudicar a maioria das pessoas pelo mundo, além do próprio planeta.
Em seu briefing, a organização ressalta que a miséria e a fome explodiram no Brasil durante a pandemia. Em dezembro de 2020, 55% da população brasileira se encontrava em situação de insegurança alimentar (116,8 milhões, o equivalente à soma das populações de Alemanha e Canadá) e 9% se encontravam em situação de fome (19,1 milhões, superior à população dos Países Baixos).
“Trata-se de um retrocesso aos patamares verificados em 2004. O vírus da fome afeta mais duramente mulheres e pessoas negras no Brasil. 11,1% dos lares chefiados por mulheres e 10,7% dos chefiados por pessoas negras estavam passando fome no fim de 2020, frente a 7,7% dos lares chefiados por homens e 7,5% dos lares liderados por pessoas brancas”, destaca.
Ainda segundo a organização, a pandemia atingiu grupos raciais de maneira desigual. Durante a segunda onda da pandemia na Inglaterra, pessoas provenientes de Bangladesh tinham cinco vezes mais chances de morrer de covid-19 do que a população branca britânica. Nos Estados Unidos, 3,4 milhões de pessoas negras poderiam estar vivas hoje se suas expectativas de vida fossem iguais às de pessoas brancas.
“Mesmo com o avanço recente da vacinação no Brasil, resultado de um sistema universal de saúde cujo papel foi fundamental na resposta à pandemia (mesmo sob um governo que minimiza a doença), a maior parte das mortes de covid-19 seguem se concentrando nas periferias de grandes cidades”, denuncia a Oxfam em seu estudo, mencionando dados da OCDE, segundo os quais no Brasil pessoas negras tem 1,5 vezes mais chances de morrer de Covid-19 do que pessoas brancas, um risco letal agravado que se verifica até no topo da pirâmide social. “Isso tem relação direta com o racismo histórico e colonialismo”, considera.
A organização alerta que a desigualdade entre países deve aumentar pela primeira vez em uma geração: “Países em desenvolvimento, que tiveram acesso negado às vacinas devido à proteção dos monopólios das corporações farmacêuticas por parte dos governos dos países ricos, foram forçados a cortar gastos sociais à medida que seus níveis de endividamento aumentaram, e agora enfrentam severas medidas de austeridade. A proporção de pessoas com covid-19 que morrem devido à doença em países em desenvolvimento é quase o dobro do total dos países ricos”.
Impostos para os ricos
O estudo mostra que, apesar do alto custo de enfrentar a pandemia, nos últimos dois anos os governos de países ricos não conseguiram aumentar impostos sobre a riqueza dos mais ricos e continuam a privatizar bens públicos como a ciência das vacinas. “Eles encorajaram os monopólios de corporações farmacêuticas de tal maneira que o aumento da concentração de mercado no período da pandemia pode ser maior do que a ocorrida entre 2000 e 2015”, explica, acrescentando que a desigualdade está também no coração da crise climática, já que o 1% mais rico do mundo emite mais do que o dobro de CO2 do que os 50% mais pobres do mundo, intensificando as mudanças climáticas em 2020 e 2021, o que contribuiu para grandes incêndios florestais, enchentes, tornados, secas e fome.
“As desigualdades têm solução, porque elas são fruto de escolhas políticas. Do jeito que a economia global está estruturada, os mais ricos continuarão se beneficiando e lucrando, enquanto bilhões de pessoas – principalmente mulheres e população negra e de etnias minoritárias – ficarão no final da fila, sujeitas à pobreza extrema, violência e morte”, afirma Katia Maia.
Entre as recomendações da Oxfam para reduzir as desigualdades, estão que os governos: invistam os trilhões que podem ser arrecadados com essas taxas em saúde pública universal e proteção social, adaptação climática e prevenção contra violência de gênero; enfrentem leis sexistas e racistas que discriminam mulheres e diferentes grupos raciais e étnicos, e criem novas leis de igualdade de gênero para acabar com a violência e discriminação; acabem com leis que minam os direitos dos trabalhadores e trabalhadoras se sindicalizarem e fazerem greve, e estabeleçam padrões legais mais robustos para sua proteção.