Após sete semanas de julgamento, um júri de Manhattan considerou culpado de estupro e agressão sexual o magnata de Hollywood, Harvey Weinstein, cuja pena será decidida no dia 11 de março, podendo chegar a 29 anos.
Num país em que figuras notórias por predação sexual, como o finado bilionário Jeffrey Epstein, Donald Trump e Bill Clinton, pontificam e a impunidade é a regra, é sempre alentador que um figurão, como Weinstein, seja condenado.
“É um começo”, disse premiada atriz e cineasta Rosanna Arquette, que foi uma das primeiras mulheres a vir a público relatar as ofensas sexuais de Weinstein.
Os jurados – sete homens e cinco mulheres – condenaram o produtor de Hollywood por estuprar a então aspirante atriz Jessica Mann em um quarto de hotel em 2013 e por agredir sexualmente a assistente de produção Miriam Haley em seu apartamento em 2006 por fazer sexo oral com ela. Mas ele foi absolvido de duas acusações mais graves de agressão sexual predatória e estupro em primeiro grau.
As denúncias contra Weinstein levaram ao surgimento nos EUA do movimento # Me Too, contra a impunidade para os predadores sexuais, especialmente nos altos escalões.
Após o veredicto, o juiz James Burke ordenou que Weinstein fosse levado para a prisão de Rikers Island imediatamente e ele foi algemado e levado para fora do tribunal. Posteriormente, sob alegação de ter sofrido palpitações cardíacas, ele foi transferido para uma unidade no Hospital Bellevue.
O procurador do distrito de Manhattan, Cyrus Vance, chamou Weinstein de “predador sexual em série vicioso” e disse que as mulheres que testemunharam contra ele eram “heroicas”. “Todos temos uma imensa dívida com vocês, que tiveram a coragem, além da medida, de contar sua história ao mundo, a este tribunal, sob grande risco pessoal e com muita dor pessoal”.
O julgamento de Weinstein em Nova York foi o primeiro processo criminal a surgir de acusações contra ele feitas por mais de 90 mulheres, incluindo as atrizes Salma Hayek e Ashley Judd, Uma Thurman e Gwyneth Paltrow e Mira Sorvino. Mas muitos desses casos eram antigos demais para irem a processo.
Contra Weinstein pesam ainda duas acusações de estupro e agressão sexual em Los Angeles, cometidos em 2013, durante a semana do Oscar.
Ao programa Democracy Now, de Amy Goodman, Arquette, que acompanhou o julgamento de perto, considerou o resultado “uma mudança cultural sísmica de várias maneiras”. “Condenar um homem branco muito poderoso é um grande negócio. E estou feliz que ele vá para a cadeia, de um jeito ou de outro”.
Segundo ela, o depoimento de Annabella Sciorra, atriz de The Sopranos, teve um papel muito importante para que houvesse a condenação. “Porque testemunhou sobre essa coisa realmente horrenda. Se ela não tivesse feito isso, não estaríamos aqui hoje”.
Arquette também se referiu à tática da equipe de defesa de Weinstein de tentar difamar as vítimas e insinuar que tiraram proveito e até gostaram da agressão sexual.
“Essas são as táticas sujas que Harvey Weinstein sempre jogou, por anos e anos. Foi assim que ele manipulou as pessoas”. “Era horrível assistir e ser chamada de – sabe, eu me senti tão mal pelas testemunhas. É ele que está em julgamento, não as mulheres. É disso que todos esquecem”, enfatizou.
A pedido de Goodman, Arquette relatou a agressão sofrida por ela. “Me pediram para ir ao encontro de Harvey Weinstein para jantar no Beverly Hills Hotel para um filme que eu ia fazer, e ele estava me dando o novo roteiro. Eu cheguei. Eles disseram: “O Sr. Weinstein vai vê-la lá em cima. Subi, você sabe, e pensei: “O que está acontecendo? Ah, sim, ele provavelmente tem a suíte de cobertura”, que é o que muitos diretores fazem quando chegam à cidade, ficam em uma suíte grande”.
Continuando, Arquette contou que “ele abriu a porta de roupão branco e disse: “Não consigo mexer meu pescoço, não consigo mexer meu pescoço”. E eu disse: “Tudo bem, vou fazer uma massagem para você”. E ele pegou minha mão e puxou-a em direção ao seu pênis. Eu o afastei. E ele disse: “Rosanna, você está cometendo um grande erro. Veja o que fiz por Gwyneth Paltrow e Elle Macpherson. Esses foram os dois nomes que ele me deu. E eu disse: “Eu nunca serei essa garota”. E eu saí. Eu contei às pessoas e elas me disseram para ficar de boca fechada. Eu disse ao meu agente. Um dos meus agentes era aquele cara Paul Feldsher, que realmente testemunhou por Harvey Weinstein. Então, isso é estranho, naquele tempo”.
BLACK CUBE
Amy Goodman destacou a questão de que Weinstein contratou a Black Cube, uma agência de inteligência privada administrada em grande parte por ex-oficiais da inteligência israelense, Mossad, através de seu escritório de advocacia, conforme a revista The New Yorker. “Os investigadores da agência adotaram identidades falsas para obter informações sobre seus acusadores, incluindo a atriz Rose McGowan. Ela falou sobre ter sido alvejada por investigadores do Black Cube durante uma entrevista na CBS 60 Minutes e ter sido levada a revelar detalhes íntimos de seu suposto abuso por Weinstein a um de seus espiões”.
Na época, McGowan relatou como esses operativos a serviço de Weinstein foram atrás dela, mexendo com sua mente “de uma maneira que fraturou uma parte de mim que acho que nunca vai consertar”. “Essas são pessoas que machucam pessoas. E esse é o trabalho deles. O trabalho deles é ferir outras pessoas”, acrescentou.
Rosanna ficou sabendo que era alvo dessa escória pouco antes do Festival de Cinema de Sundance, quando um grupo de cineastas, que a entrevistara antes, mostrou a ela o filme já completo. Foi a primeira vez que soube que estava na lista da Black Cube.
Como Arquette contou, ela sabia que tinha sido espionada porque Ronan Farrow – o jornalista premiado com o Pulitzer – havia lhe contado antes. Mas o que ela viu no filme foi “assustador, muito assustador”. “O que eles tinham era um contrato assinado e uma foto minha como alvo – e é isso que eles mostram no filme – assinado por Harvey Weinstein”. “E ele fez isso com muitas pessoas, e é isso que ele faz há anos. E se alguém não leu Catch and Kill [Pegue e Mate], sugiro ler o livro de Ronan”.
Para a fundadora do #Me Too, Tarana Burke, é preciso olhar para pessoas como Harvey Weinstein e deslindar isso. “Que tipo de poder e privilégio ele estava cercado, que lhe permitia fazer isso, essas coisas, esses crimes, por 20 e 30 anos? Ele é um indivíduo que fez isso, mas os indivíduos não operam isoladamente. Você não se torna Harvey Weinstein da noite para o dia sem ter sistemas de poder ao seu redor para mantê-lo nessa posição”.
Como lembrou Goodman, em 2015 a modelo Ambra Gutierrez, após atacada por Harvey Weinstein, escapou e foi a uma delegacia de Nova Iorque. Lá um dos policiais lhe disse: “Ah, de novo?” e depois mandou-a voltar até Weinstein para ver se ele admitiria que a apalpou. Ela fez isso e gravou. Mas então o promotor Cyrus Vance se recusou a apresentar o caso.
Vance é exatamente o promotor que, agora, depois que Weinstein caiu em desgraça, o chamou de “predador em série cruel”. Weinstein não é o único predador em série. Agora mesmo, denunciou Goodman, há o caso do Dr. Hadden, da Universidade de Columbia, que foi acusado, pela esposa do ex-candidato à presidência Andrew Yang, Evelyn, de ter sido agredida sexualmente por ele quando grávida de sete meses. Já são 70 as denunciantes. Agora se sabe que, antes de atacar Evelyn, ele fora preso seis semanas antes e liberado.
“Veja, é ridículo que sejam necessárias 90 mulheres para obter duas condenações, 60 e 70 mulheres para apresentar a atenção para essas questões”, apontou Burke. Quanto ao procurador Vance, ela considerou “ótima” a declaração dele no julgamento, mas isso não apaga “o que não fez” anteriormente, havendo tantas evidências. “Tantas sobreviventes nunca terão um momento como o que tivemos ontem. E parte disso é por causa de pessoas assim, que se sentam e ficam vigiando, para que homens poderosos como Weinstein nunca precisem ver o interior de um tribunal”.