Macron: “Podemos avançar nas negociações”, após visitar Moscou e Kiev
O presidente francês Emmanuel Macron, que na segunda-feira foi a Moscou para discutir com o presidente Vladimir Putin a desescalada na Europa, após quatro meses de alertas diários desde Washington de que a “invasão russa” da Ucrânia é “iminente”, afirmou em Paris que “podemos avançar nas negociações”, após ter ido a Kiev e a Berlim, e reiterado seu empenho em manter o diálogo com a Rússia.
Na véspera, segundo a NBC, o presidente norte-americano Joe Biden, inconformado com que seu alarmismo não esteja propiciando exatamente o que planejou, teceu comentários depreciativos sobre o primeiro-ministro alemão, Olaf Scholz, a quem recebera na Casa Branca – “não é nenhuma Merkel”. Não perdoou também Macron. De quem disse, como se fosse demérito, que “quer ser Charles De Gaulle”. (Quem sabe, se lhe apetecesse mais ser um Tony Blair…)
Sobre o presidente Putin, que recentemente proclamou – ao lado do presidente chinês Xi Jinping – que está nascendo o “mundo multilateral”, Biden o chamou de “aquele cara com armas nucleares e sem amigos”.
Nesta quinta-feira, vai ocorrer uma reunião do Formato da Normandia [Alemanha, França, Rússia e Ucrânia], em nível de altos assessores, para tentar tirar o cumprimento dos acordos de Minsk do impasse, causado pela recusa de Kiev de honrar o que assinou. É a segunda reunião em uma semana.
Ocorreu, ainda, em Berlim, uma reunião do “Triângulo de Weimar”, que congrega Alemanha, França e Polônia, com Macron, o primeiro-ministro alemão Scholz e o presidente polonês, Andrzej Duda, cuja tônica também foi assegurar a paz na Europa.
Na próxima semana, Scholz irá a Moscou e Kiev.
No encontro Macron-Putin, o chefe de Estado francês disse só querer “enfatizar que hoje, em um momento que tem sérias implicações para a segurança e a paz coletiva de nossos países, pudemos discutir vários aspectos e entender as diferenças de interpretação, a divergência de pontos de vista, mas também encontramos uma semelhança de posições”. Isso permite avançar para “soluções práticas e concretas”.
Putin – que exige amplas garantias de segurança da Otan e dos Estados Unidos – disse que Moscou “faria tudo para encontrar consensos que satisfaçam a todos”. Ele reconheceu que várias propostas apresentadas por Macron podem “formar uma base para novas medidas” para aliviar a crise na Ucrânia.
Acordos de Minsk
Macron sublinhou que Putin e Zelensky confirmaram a disponibilidade para cumprir os Protocolos de Minsk. “Esta é a única forma de alcançar uma paz duradoura. Os acordos de Minsk conseguiram parar o derramamento de sangue”.
Putin alertou na coletiva que “as atuais autoridades em Kiev estabeleceram um caminho para desmantelar os acordos de Minsk. Não há mudanças em questões fundamentais como reforma constitucional, anistia, eleições locais e os aspectos legais de um status especial para o Donbass”.
A conhecida Fórmula Steinmeier, “quando aprovamos certas emendas aos acordos de Minsk e fizemos concessões definitivas, ainda não foi incluída na legislação ucraniana”.
Kiev – acrescentou – “ainda está desconsiderando todas as oportunidades para uma restauração pacífica da integridade territorial do país por meio do diálogo direto com Donetsk e Lugansk”.
Putin também revelou ter chamado a atenção de Macron quanto às “violações generalizadas e sistemáticas” dos direitos humanos na Ucrânia e à perseguição à mídia dissidente e à oposição.
“O que mais me preocupa é que eles estão adotando uma legislação que discrimina os falantes de russo, o que é bastante estranho porque isso não se reflete de forma alguma nas abordagens adotadas pelos países europeus”, assinalou.
Quanto ao Donbass – continuou -, os líderes ucranianos primeiro dizem que implementarão os acordos de Minsk e depois os denunciam e dizem que nunca farão isso porque ‘isso destruiria o estado ucraniano’. “Bem, eles vão, ou não vão? Esta é a questão”.
Putin advertiu que as autoridades ucranianas já fizeram duas tentativas de resolver militarmente o problema do Donbass. “Quando falharam novamente, os acordos de Minsk foram coordenados e endossados por uma resolução do Conselho de Segurança da ONU. Então, eles vão cumprir os acordos ou não? O que devemos pensar? Afinal, eles tentaram duas vezes, e quem pode garantir que não tentarão uma terceira vez?”
Putin buscou esclarecer as propostas russas para a segurança europeia. “Não somos nós que nos aproximamos da Otan, mas a Otan que se aproxima de nós. Portanto, dizer que a Rússia está se comportando de forma agressiva está em desacordo com a lógica. Já nos aproximamos da fronteira de alguém? Não, é a infraestrutura da Otan que chegou perto de nós”.
“Por que a potencial admissão da Ucrânia na Otan é perigosa? Países europeus, incluindo a França, acreditam que a Crimeia faz parte da Ucrânia, mas achamos que faz parte da Federação Russa. E o que acontece se forem feitas tentativas para mudar esta situação por meios militares? Tenha em mente que as doutrinas da Ucrânia declaram a Rússia como adversária e afirmam a possibilidade de reconquistar a Crimeia, mesmo usando força militar”, destacou Putin.
“Imagine o que poderia acontecer se a Ucrânia fosse um membro da Otan. O artigo 5º não foi cancelado. Perguntei durante a entrevista coletiva acima mencionada: ‘O que devemos fazer? Lutar contra o bloco da Otan?’ Mas esta pergunta tem uma segunda parte: ‘Você quer lutar contra a Rússia?’ Pergunte aos seus leitores, seu público e aos usuários de internet: ‘Você quer que a França lute contra a Rússia?’ Porque é assim que vai ser”. Não haveria vencedores.
“Nossas propostas incluem a não implantação de sistemas ofensivos perto de nossas fronteiras. Se todos querem paz, bem-estar e confiança, o que há de ruim em não posicionar armas ofensivas perto de nossas fronteiras? Alguém pode me dizer o que há de ruim nisso?”
“Se a Otan é uma organização pacífica, o que há de ruim em retornar sua infraestrutura ao nível de 1997, quando o Ato Otan-Rússia foi assinado? Isso criaria condições para construir confiança e segurança. Isso é ruim?”, completou.
Por sua vez, Macron reiterou que “é necessário trabalhar muito rapidamente para evitar qualquer escalada. Nem a Rússia, nem os europeus precisam de caos e instabilidade em um momento em que as nações e o continente sofreram tanto com a pandemia. Todos querem recuperação e paz. É por isso que temos de chegar a um acordo sobre medidas práticas de estabilização e de desescalada”.
“Só quero enfatizar que hoje pudemos discutir vários aspectos e entender as diferenças de interpretação, a divergência de pontos de vista, mas também encontramos uma semelhança de posições. Isso nos permite avançar”.
“Quanto à nossa capacidade de oferecer garantias concretas de segurança, levantamos essa questão diretamente durante nossa conversa, respeitando os interesses de todos os nossos irmãos europeus e garantindo sua estabilidade e segurança, bem como com o devido respeito pelas garantias de segurança propostas pela Rússia, nosso vizinho e amigo”.