Lula mostra política externa ousada e desafiadora no 1º ano de governo
Neste sábado (1 ), durante a terceira mesa do Seminário “Primeiro Ano do Governo Lula: Balanço da Reconstrução Nacional e Perspectivas”, realizada em São Paulo, foi discutido o tema “Política externa no conturbado cenário mundial: oportunidades e riscos”, sob a coordenação de Ricardo Alemão Abreu. Os debatedores convidados discutiram os benefícios e desafios da política externa liderada por Lula, o ex-chanceler Celso Amorim e o atual Mauro Vieira, em meio a um ambiente geopolítico de transição violenta com guerra na Europa e no Oriente Médio, e avanço da extrema-direita no mundo, enquanto os EUA recusam entregar sua hegemonia, mesmo com o surgimento de tantos outros protagonistas da multipolaridade.
O professor de Relações Internacionais da PUC-RJ e secretário executivo do Ministério de Ciência e Tecnologia e Inovação, Luis Fernandes, proferiu uma palestra que abordou os conceitos que norteiam essa política. O pesquisador do IPEA, Pedro Silva Barros, que também já ocupou o cargo de diretor de assuntos econômicos da UNASUL, destacou os desafios da atuação do governo brasileiro nos organismos internacionais, especialmente no novo cenário de dificuldades para a integração da América Latina. A cientista política e secretária de Relações Internacionais do PCdoB, Ana Prestes, destacou os cinco eixos prioritários da política externa brasileira demonstrados desde a campanha eleitoral.
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Princípios da política externa
Fernandes destacou a importância do governo Lula no cenário político nacional e internacional. Ele ressaltou que a mesa se propunha a discutir os princípios que orientam a política externa do governo, bem como seus impactos no sistema internacional.
O professor iniciou sua análise situando o atual contexto mundial como marcado por uma aceleração na transição estrutural da ordem internacional. Ele observou a erosão do poder relativo das potências capitalistas centrais do século XX, como os Estados Unidos e as principais potências europeias, e a ascensão de novos poderes, com destaque para a China.
Fernandes discutiu a transição estrutural sob a ótica da teoria de desenvolvimento desigual, apontando para as instabilidades geradas por potências em declínio que buscam conter o avanço dos novos atores. Ele destacou a mudança na estratégia dos Estados Unidos, passando de uma tentativa de estabelecer uma ordem unipolar para uma estratégia de contenção da ascensão da China.
O secretário executivo também abordou temas como a crise na Ucrânia e o conflito entre Israel e as forças palestinas, contextualizando a postura brasileira diante desses eventos. Ele elogiou a posição do governo Lula em criticar a invasão russa na Ucrânia e condenar os ataques indiscriminados em Israel, ao mesmo tempo defendendo uma solução negociada para os conflitos.
Ao fazer um balanço do primeiro ano do governo Lula em relação à política externa, Fernandes destacou a postura corajosa e ativa do Brasil no cenário internacional. Ele ressaltou a ruptura do isolamento internacional observado no governo Bolsonaro e a retomada do protagonismo brasileiro nos fóruns internacionais. A crítica às estruturas assimétricas de poder e a defesa dos interesses dos países em desenvolvimento foram destacadas como marcas da orientação da política externa.
O professor mencionou a promoção de parcerias e alianças estratégicas com outros países em desenvolvimento, a reformulação da agenda de integração sul-americana e latino-americana, e a participação em organizações como os BRICS e o convite para integrar a OPEP+ como elementos positivos da política externa brasileira.
Luís Fernandes também mencionou desafios específicos, como a revisão dos termos do acordo Mercosul-UE, ressaltando a postura firme do governo em defesa de instrumentos fundamentais para o desenvolvimento tecnológico e industrial nacional. O professor destacou a orientação de “não alinhamento automático” do Brasil e a promoção de parcerias estratégicas com outros países em desenvolvimento.
No entanto, Fernandes reconheceu os desafios, como a ameaça à integração sul-americana diante do resultado da eleição argentina. Ele concluiu sua análise enfatizando a necessidade de o Brasil agir com sabedoria no complexo cenário global para promover a paz, o desenvolvimento e o entendimento entre as nações.
A conferência do professor Luis Fernandes proporcionou uma reflexão profunda sobre a posição do Brasil no tabuleiro geopolítico mundial, levantando questões cruciais e destacando a importância da diplomacia ativa e estratégica diante dos desafios contemporâneos.
Parcerias globais e integração regional
O pesquisador do IPEA, Pedro Silva Barros, que também já ocupou o cargo de diretor de assuntos econômicos da UNASUL, destacou a importância da atuação internacional para a estabilidade interna do país.
Ele começou relembrando o rápido reconhecimento internacional da eleição do presidente Lula, como marco do início de uma política externa, um fator que contribuiu significativamente para a transição e estabilidade interna. Ele ressaltou que, apesar das críticas às viagens e ao protagonismo do presidente no cenário internacional, a presença do Brasil no contexto global é fundamental para a sustentação do governo.
“A liderança do Presidente Lula e seu protagonismo nos espaços internacionais são peças-chave para manter a estabilidade interna. Sem isso, a situação seria ainda mais complicada”, afirmou Barros.
Ao abordar as prioridades da política externa, o palestrante mencionou a necessidade de retomar a participação na CELAC (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos) e na UNASUL, além de impulsionar a iniciativa BRICS. Esses objetivos refletem o compromisso do governo em fortalecer a cooperação e integração na América do Sul e impulsionar parcerias globais estratégicas.
A palestra também destacou a importância de manter o foco na região, especialmente no contexto da presidência do Brasil no G20 no próximo ano. Barros enfatizou que, apesar de participar ativamente de fóruns globais, a prioridade do governo é a integração regional, representada por organizações como UNASUL, Mercosul, CELAC e BRICS.
Um dos pontos cruciais abordados foi a estratégia de “não-alinhamento ativo”, que envolve uma equidistância ativa entre os principais polos de poder, com ênfase na integração regional. Barros ressaltou que essa abordagem é fundamental para a compreensão da estratégia internacional do Brasil.
Durante a palestra, o pesquisador abordou também desafios específicos, como a normalização do relacionamento com a Venezuela e a necessidade de uma agenda positiva com o país vizinho. Ele alertou para a importância de não esquecer pontos críticos, como a representação diplomática, enfatizando a ausência de um embaixador na Venezuela após um ano de governo.
Ele enfatizou a necessidade de reconstruir a integração regional, considerando o novo cenário geopolítico e econômico. Ele argumentou que a interdependência com os países vizinhos é crucial para o desenvolvimento econômico e a retomada do crescimento.
Barros destacou a relevância das recentes viagens do Brasil e a republicação do Tratado Constitutivo da UNASUL como catalisadores para a integração regional. A crítica à decisão do governo Bolsonaro de deixar o bloco foi fundamentada não apenas em erros estratégicos, mas também em desalinhamentos com os princípios constitucionais brasileiros, especialmente aqueles relacionados à busca da integração latino-americana.
A ausência de discussões legislativas e diálogos mais amplos com a sociedade durante a saída do Brasil da UNASUL foi apontada como um equívoco que comprometeu a coesão e a representatividade do país na região. Em contraponto, Pedro Silva Barros ressaltou os esforços do governo Lula em reintegrar o Brasil à UNASUL, evidenciando a importância do retorno formal em fevereiro.
A conferência também abordou a relevância das atuações do Brasil em fóruns internacionais, como a primeira cúpula em Buenos Aires. Destacou-se a importância de uma diplomacia ativa, com o Brasil assumindo um papel de protagonismo e defendendo a integração regional em instâncias internacionais. A ênfase na prioridade dada à integração regional em detrimento de pressões externas, notadamente dos Estados Unidos, foi considerada um sucesso, mesmo diante de dificuldades.
Um ponto de destaque foi a superação de desafios nas relações bilaterais entre os países sul-americanos. A construção de consensos, evidenciada pela reunião em Brasília, foi elogiada por Pedro Silva Barros, que ressaltou a complexidade dos relacionamentos entre presidentes de diferentes nações, agora reunidos em um consenso de Brasília com novos parâmetros.
O pesquisador não deixou de abordar os desafios que ainda permeiam a integração regional. A necessidade de colocar a poupança regional a serviço da integração, mencionando instituições financeiras como o Banco do Sul, foi destacada como um passo fundamental. Aprofundar a identidade sul-americana na área monetária, visando a construção de uma moeda comum, foi apontado como um caminho desafiador, mas essencial para diminuir a dependência do dólar e estimular o comércio intra-regional.
O pesquisador também compartilhou avanços significativos na cooperação em projetos de infraestrutura. A criação de um subcomitê para atualização dos projetos da UNASUL, com a participação ativa de diversos estados brasileiros, foi destacada como um exemplo concreto de esforços para impulsionar a integração física entre os países da região. A elaboração de rotas de integração e a identificação de projetos prioritários foram pontos-chave para consolidar o avanço nesse âmbito.
Pedro Silva Barros também abordou temas relevantes na área de defesa e projeção internacional do Brasil. A discussão sobre a política nacional de defesa, a estratégia nacional de defesa e os acordos internacionais das Forças Armadas foram temas destacados. A concentração das interações militares do Brasil com os Estados Unidos foi apontada como um descompasso em relação ao objetivo de não alinhamento ativo e inserção internacional soberana. A necessidade de revisão das interações militares, incluindo a formação doutrinária, foi enfatizada como um ponto crucial para a assertividade da política de defesa do Brasil.
O pesquisador encerrou sua conferência abordando a importância do Brasil no contexto dos BRICS, destacando as mudanças na dinâmica energética e financeira. A entrada da Bolívia no Mercosul foi apontada como uma conquista relevante, sublinhando a necessidade de uma agenda positiva com diferentes governos, especialmente os dos estados de fronteira.
A conferência de Pedro Silva Barros proporcionou uma visão abrangente e crítica sobre os desafios e oportunidades para a integração regional na América Latina. As reflexões apresentadas oferecem subsídios valiosos para o entendimento do cenário atual e orientações para a construção de uma agenda positiva que promova a cooperação entre os países sul-americanos.
Prioridades da política externa
A conferência da cientista política e secretária de Relações Internacionais do PCdoB, Ana Prestes, destacou cinco eixos prioritários da política externa conduzida pelo governo Lula. Esses eixos, segundo Prestes, refletem a visão estratégica do Brasil no cenário global e buscam fortalecer a integração sul-americana, reformar a governança global, combater a desigualdade e posicionar o país como um protagonista na promoção da sustentabilidade.
O primeiro eixo discutido foi a integração sul-americana, ressaltando a importância da expansão dos BRICS, como um marco na busca por alianças estratégicas com países do sul global, destacando que esse bloco representa uma voz alternativa no cenário internacional. A abordagem de Lula em relação à reforma da governança global, especialmente da ONU, e o papel do Brasil como mediador em processos de construção de paz também foram enfatizados como elementos-chave da política externa.
Prestes destacou a cúpula em maio, realizada em Brasília, como uma vitória para o governo, reunindo líderes sul-americanos e consolidando a posição do Brasil como mediador em questões regionais. No entanto, a cientista política apontou desafios significativos nesse processo, mencionando as tensões com líderes como o argentino Milei e a complexa situação política no Peru. Além disso, a questão da Venezuela foi destacada como um ponto sensível que poderia interferir no processo integracionista, dada a recente decisão desfavorável da Corte Internacional de Justiça sobre a anexação da região guianense de Essequibo.
O segundo eixo abordou a reforma da governança global, especialmente no âmbito da ONU. Ana Prestes ressaltou a busca do Brasil por um papel de destaque na construção de processos de paz e na reforma do Conselho de Segurança da ONU. Entretanto, ela também destacou desafios, como a tentativa brasileira de mediar o conflito na Ucrânia, que não obteve o apoio esperado dos Estados Unidos.
O terceiro ponto de destaque foi o combate à desigualdade, considerado pelo governo Lula como uma prioridade global. Prestes enfatizou que o presidente brasileiro inclui esse tema em todas as suas falas internacionais, buscando posicionar o Brasil como líder na transição para uma economia mais sustentável. No entanto, os desafios surgem quando se trata de equilibrar as perspectivas divergentes, como a participação do Brasil na OPEP+, reconhecendo a liderança brasileira, mas também apresentando contradições, especialmente em questões ambientais.
O quarto eixo concentrou-se na posição do Brasil como promotor da sustentabilidade. A liderança do país nas COPs foi ressaltada, especialmente na COP 27 no Egito, onde o presidente Lula enfatizou a necessidade de resultados concretos em relação às mudanças climáticas. No entanto, Ana Prestes alertou para as contradições presentes, especialmente no debate sobre a exploração de petróleo na Amazônia, que pode impactar a transição energética necessária.
A conferencista discutiu os desafios enfrentados pelo governo Lula na promoção da integração sul-americana, destacando eventos como a cúpula em Brasília com líderes do sul global. No entanto, ressaltou que há desafios, como as tensões políticas em países como Argentina e Peru, que podem afetar a integração regional.
Em resumo, Ana destacou os avanços e desafios na política externa brasileira sob o governo Lula. A busca pela integração sul-americana, a reforma da governança global, o combate à desigualdade e a promoção da sustentabilidade foram delineados como pilares centrais, enquanto os desafios políticos e as contradições presentes apontam para um horizonte complexo nos próximos anos.
(por Cezar Xavier)