A indicação da presidenta nacional do PCdoB, Luciana Santos, para assumir o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) reafirma a convicção dos comunistas na urgência de um projeto de desenvolvimento para o Brasil. Vice-governadora e ex-secretária de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente de Pernambuco, Luciana foi anunciada nesta quinta-feira (22) como ministra do futuro governo Lula, que toma posse em 1º de janeiro.

Para o cientista político e diretor do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio, Luis Fernandes, o PCdoB alia “visão estratégica, capacidade de formulação e experiência de gestão”. A isso se soma, segundo ele, “uma orientação estratégica governando toda essa ação – que é a necessidade de estruturação de um novo projeto nacional de desenvolvimento para o País”.

Dirigente nacional do PCdoB, Luis Fernandes foi secretário-executivo do MCTI e presidente da Finep (Financiadora Nacional de Estudos e Tecnologia). Na condição de membro do Grupo Temático (GT) Ciência e Tecnologia no Gabinete de Transição, ele afirma que a gestão Jair Bolsonaro (PL) é responsável pelo “maior colapso” na história do “sistema federal de fomento ao desenvolvimento científico tecnológico”.

“Temos que recompor a capacidade de financiamento e investimento do governo federal na área e estruturar um sistema nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação a partir dessa capacidade de investimento. Esse é um ponto que já foi atacado na transição”, diz ao Vermelho Luis Fernandes.

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do Bolsa Família, aprovada nesta semana, recompôs o Fundo Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). Com isso, será possível reajustar o orçamento das agências federais de fomentos, como a Finep e o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), ligados ao MCTI, e a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), subordinada ao Ministério da Educação (MEC).

Confira trechos da entrevista.

Vermelho: No âmbito do programa do governo Lula, quais são as atribuições mais relevantes do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação?

Luis Fernandes: O MCTI tem um papel muito importante para a estruturação de um projeto nacional de desenvolvimento – e estar sob a direção de alguém que entenda, compreenda e valorize o papel estratégico dessa área para o desenvolvimento do país é fundamental. O ministério é responsável pela formulação da política nacional de desenvolvimento científico, tecnológico e de inovação, além de coordenar as atividades de pesquisa científica e desenvolvimento tecnológico no País. Tem também um papel importante na condução e formulação de políticas estratégicas nacionais, como o programa espacial, programa nuclear, a política de desenvolvimento de informática e automação – portanto, a transformação digital – e a política nacional de biossegurança.

Evidentemente, é um ministério que não faz isso sozinho – mas, sim, em articulação com outras áreas de governo afetas a essas temáticas, por meio do sistema nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação. O MCTI articula com os governos dos estados e dos municípios, parceiros da sociedade civil, parceiros empresariais – e se conecta com várias prioridades estabelecidas pelo programa de governo da chapa Lula-Alckmin, eleita nas eleições presidenciais.

Em primeiro lugar, ele se conecta com o desafio da reindustrialização, pois pode mobilizar variados instrumentos de apoio. É só o MCTI que, através da Finep, opera alguns desses instrumentos, como a subvenção econômica para empresas. O ministério pode integrar crédito, fundos de investimento, subvenção, projetos de parceria entre empresas nacionais e instituições de ciência e tecnologia. Pode apoiar projetos estratégicos para montagem de complexos industriais tecnológicos em diversas áreas, como Defesa, Saúde, Tecnologias de Informação e Comunicação, sobretudo as orientadas para a transformação digital. Então, é um ministério muito importante.

Vermelho: O GT Ciência e Tecnologia denunciou um prolongado desmonte no ministério ao longo dos últimos anos. Quais dados mais consolidados apontam para esse retrocesso?

LF: O principal problema na área de Ciência, Tecnologia e Inovação sob governo Bolsonaro – e isso foi claramente apontado nas conclusões do GT – é o colapso do sistema nacional de fomento científico, tecnológico e da inovação nacional. Isso é muito concreto.

O sistema foi estruturado no início dos anos 1950, no governo Getúlio Vargas, com a criação do CNPq e da Capes. A ação integrada dessas agências federais de fomento é fundamental para o desenvolvimento científico-tecnológico nacional. Mas os recursos disponíveis para as agências chegaram em 2022 a menos de um terço do valor de investimento que tinham em 2015. É o maior colapso desse sistema.

Vermelho: O que o GT Ciência e Tecnologia indica como prioridade para o MCTI? A recomposição orçamentária é a mais urgente?

LF: Temos que recompor a capacidade de financiamento e investimento do governo federal na área e estruturar um sistema nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação a partir dessa capacidade de investimento. Esse é um ponto que já foi atacado na transição. Parte das discussões da PEC do Bolsa Família envolveu uma ação para recompor no orçamento de 2023 o valor integral da arrecadação do Fundo Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico, o FNDCT, que é o principal instrumento de fomento da área de Ciência e Tecnologia do Brasil.

A conquista dessa recomposição já vai criar condições muito favoráveis para a área no início do governo Lula-Alckmin. Teremos condições de reverter, num prazo relativamente curto, essa crise de financiamento que se materializou sobretudo no governo Bolsonaro – mas que vem desde antes, com a aprovação da emenda do teto de investimentos públicos.

Associado a isso, poderemos de imediato, com a recomposição orçamentária do Ministério, garantir um aumento do valor das bolsas pelo CNPq, em uma ação articulada com a Capes no MEC. Isso foi tratado pelos dois GTs da transição e, portanto, poderemos iniciar o governo Lula Alckmin praticando um reajuste – que esperamos ser materializado – de 40% no valor das bolsas. Essas bolsas estão desde 2013 – portanto, há quase dez anos – sem qualquer tipo de reajuste.

Vermelho: Quais outros desafios?

LF: A questão fundamental é recompor a estratégia nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, que foi totalmente desarticulada no governo Bolsonaro. Evidentemente, não era um governo que tinha uma política nacional de desenvolvimento, muito menos uma política de reindustrialização do País. Isso tem que ser revertido com a formulação das bases dessa estratégia, vinculada a objetivos maiores do desenvolvimento nacional.

Uma das ações será a remontagem da governança do ministério, a reativação e reconfiguração dos seus conselhos. Associada às perspectivas e aos desafios do desenvolvimento nacional, essa ação vai preparar uma discussão ampla desse tema na 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação. A última edição foi em 2010, ainda no final do segundo mandato do governo Lula. Isso será retomado de imediato.

Também propusemos uma reconfiguração do ministério. Junto ao enfraquecimento da área e à sua perda de visão estratégica, o MCTI teve descaracterizada a sua estrutura organizativa, deixando de ter secretarias nacionais voltadas para ações finalísticas da estratégia nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação. Com a estrutura proposta pelo GT, o ministério volta a ter essas secretarias nacionais – o que também deverá ser implementado de imediato.

Vermelho: O PCdoB defende um projeto nacional de desenvolvimento, baseado justamente na reindustrialização do País e na valorização da Educação, da Ciência e da Tecnologia. Em que medida o debate acumulado no Partido pode qualificar a atuação do Ministério sob a gestão Luciana Santos?

LF: O PCdoB tem muito a contribuir na gestão do MCTI. Sua formulação estratégica está estruturada em torno da proposta de formulação, afirmação e execução de uma nova política nacional de desenvolvimento. Em todos os nossos debates, partimos do reconhecimento dos impactos da sociedade do conhecimento sobre agendas do desenvolvimento nacional. É necessário incorporar a Ciência, a Tecnologia e a Inovação como forças motrizes e um dos pilares centrais da estruturação de um novo projeto de desenvolvimento para o País.

Temos uma discussão formulada sobre essa questão com proposições concretas de medidas, ações e programas que podem ser implementados na busca da promoção da reindustrialização do Brasil. Isso implica a identificação de setores para estruturar com tecnologia nacional um complexo industrial tecnológico para atender a áreas estratégicas – já mencionei aqui Saúde, Defesa, transformação digital e Energia. O próprio desenvolvimento sustentado da Amazônia é parte de uma agenda de desenvolvimento e integração nacional.

Há um conjunto de ações em que temos não só formulação acumulada para subsidiar decisões como também temos ampla experiência de gestão na área. Eu mesmo já fui secretário executivo do ministério no primeiro governo Lula e presidente da Finep no governo Dilma. Temos ampla participação no ministério em diversas áreas, contribuições consolidadas. Temos experiência de gestão estadual na área.

A própria Luciana foi secretária de Ciência e Tecnologia de Pernambuco, além de prefeita de Olinda. Combinamos visão estratégica, capacidade de formulação e experiência de gestão. Há uma orientação estratégica governando toda essa ação – que é a necessidade de estruturação de um novo projeto nacional de desenvolvimento para o País. O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação é peça central na estruturação e na materialização dessa visão estratégica.