Luciano Siqueira: Deplorável atalho ao poder
Na história das sociedades há fenômenos que, recorrentes, ganham status de lei objetiva – ou seja, se incorporam definitivamente às peculiaridades do povo e da nação.
No Brasil, cuja história é marcada por soluções “pelo alto” em situações críticas, via negociação entre as forças litigantes, fator decisivo das “rupturas inconclusas” que se sucedem desde o Império aos instantes recentes, uma corrente política se faz presente e invariavelmente nefasta.
Refiro-me ao “udenismo”, expressão política do que podemos chamar de inclinação ao centro-direita, que empalma importante segmento da sociedade composto por parcelas da classe dominante e da chamada “classe média” conservadora.
No espectro partidário, a representação mais precisa disso foi a UDN, nos anos cinquenta e início dos anos sessenta; e na atualidade o PSDB.
Não à toa os udenistas eram chamados de “vivandeiras dos quartéis”, assim caracterizados pela insistência com que à intervenção militar para reparar seu fracasso nas urnas.
A tradução dessa atitude na atualidade está nos esforços do tucanato que, tão logo proclamados os resultados do último pleito presidencial, já batiam às portas dos tribunais na tentativa de anulá-lo, assim, tentarem dar a volta por cima pós-derrota eleitoral.
O senador afastado e processado por corrupção Aécio Neves, então candidato derrotado e presidente do PSDB, é o signatário do pedido de cassação da chapa Dilma-Temer, alegando uso indevido do poder econômico na campanha.
Agora que Temer vai ao fundo do poço e se discute a fórmula mais rápida e menos conflitante de sua queda, justamente próceres do PSDB lideram articulações ao centro e à direita em favor da escolha, em eleição indireta, no Congresso Nacional, de um novo presidente comprometido com a agenda regressiva em curso.
Em outras palavras, o programa neoliberal do candidato tucano Aécio Neves, derrotado nas urnas, pode se viabilizar plenamente num arremedo de eleições a cargo de um colégio eleitoral cuja credibilidade se aproxima de zero! Um deplorável atalho ao poder.
O caminho está traçado: o TSE cassa a chapa Dilma-Temer, o presidente da Câmara assume o posto e, pelas normas vigentes, convoca o pleito indireto num prazo de trinta dias.
E eis que a nação estará constrangida a ser presidida por um Tasso Jereissati da vida, que num pleito direto jamais teria chances.
Isto se as próprias contradições entre os golpistas, que não são poucas e se acirram a cada instante, e a pressão da sociedade, que tende a aumentar rapidamente, não levarem à aprovação da PEC 227, que viabiliza eleições diretas já.
Não se mudam leis objetivas (fenômenos recorrentes, como queiram) facilmente, porém o curso da História pode se alterar num dado momento, mediante a conjugação de muitos fatores e a emergência de uma força capaz de sobrepor na cena política.
À trama tucana há que se opor um amplo movimento pela democracia que, ao lado de conquistar eleições diretas na sucessão do moribundo governo Temer, apresente à nação uma plataforma de proposições destinadas a tirar o país da crise e instaurar um novo ciclo transformador.
*Luciano Siqueira é médico, escritor. Vice-prefeito da cidade do Recife no período de 2000 a 2008. E reeleito novamente para o cargo de 2013 a 2016. Começou a militância política na Ação Popular em 1966 e ingressou no Partido Comunista do Brasil em 1972.