Livro discute papel da crise no restabelecimento da ordem capitalista
Na última segunda (7), o lançamento de “Uma economia política da grande crise capitalista” reuniu o autor Aloísio Sérgio Barroso, com comentários de Luiz Gonzaga Belluzzo, José Carlos Braga, João Quartim de Moraes e Renato Rabelo.
Na última segunda-feira, 7 de junho, ocorreu o lançamento do livro Uma Economia Política da Grande Crise Capitalista (2007-2017) – Ascensão e Ocaso do Neoliberalismo, de Sérgio Barroso. O autor recebeu para um debate os professores da Unicamp, Luiz Gonzaga Belluzo, João Quartim de Moraes, José Carlos Braga e o presidente da Fundação Maurício Grabois, Renato Rabelo, com mediação de Ana Maria Prestes.
Ana Prestes destacou o fato do livro situar a crise, desde suas raízes, um ano antes de seu aprofundamento em 2008. “O livro descreve o ambiente nas bolsas de valores em 2007, que pegou de surpresa governos e o sistema financeiro”, diz ela.
Renato Rabelo destacou a corrente histórica de militantes comunistas forjados no estudo do marxismo leninismo, que Barroso representa. Ressalta a concentração do autor na compreensão do capitalismo contemporâneo altamente financeirizado e monopolista, investigando o desenlaçe da grande crise iniciada em 2007. Para ele, o livro torna-se uma referência prioritária de estudo sobre um dos temas fundamentais de pesquisa na Fundação. “É uma grande contribuição que recebemos”.
José Carlos Braga considera que o trabalho de economia política faz uma interação entre teoria e história que precisa ser celebrada. A maioria da produção deste tipo no país, segundo ele, é estéril ao deixar de lado grandes realidades fundamentais para a compreensão e avanço da sociedade humana.
“A vinculação entre estado e mercado, estado e economia também é fundamental. Busca refletir sobre as saídas possíveis dessa expansão em crise que o capitalismo se encontra”, pontua Braga.
Em sua opinião, o livro não é “apenas para ser lido, mas para ser estudado”. “É um trabalho profundo com pesquisa exaustiva do ponto de vista teórico, histórico e empírico, e, por isso, requer dedicação para compreender as dimensões tratadas”, descreveu.
Ele salienta o fato dessa crise ter acionado governos e bancos centrais a defender o sistema financeiro contra um aprofundamento ainda maior, a partir de desequilíbrios fiscais que beneficiam justamente a lógica que gerou a crise e exclui as classes trabalhadoras. Para ele, isso torna o desdobramento dessa crise aberto ao processo histórico, à política e ao movimento social.
Quartim de Moraes também observou o esforço documental do livro ao reunir os debates, literatura internacional, polêmicas e doutrinas que circulam, e a documentação dos porta-vozes do capital. “Não é uma obra que apenas passa em revista como os marxistas analisaram e criticaram a crise, por meio de teses estagnacionistas e ou catastrofistas”, elogia.
“Há um concentrado poderoso, uma síntese notável. Um modo de se apropriar das informações e análises básicas sobre a evolução internacional das relações capitalistas de produção em nosso tempo”, define. Para ele, o autor mostra as consequências degenerescentes sobre os valores burgueses liberais causadas por essa crise.
Um mérito que ele considera relevante é o modo como o autor é honesto com o leitor ao apontar as dificuldades da síntese que pretende fazer, deixando questões em aberto sem a pretensão de resolver com abstrações genéricas. Uma dessas questões diz respeito aos limites de investimento do novo presidente americano, Joe Biden, que teria muito mais capacidade se taxasse as transnacionais em seus recursos aplicados em paraísos fiscais.
Quartim também observa que, embora a crise tenha fortes vínculos com a esfera financeira, não é nela que os homens mais ricos do mundo acumulam, exclusivamente, mas principalmente na esfera produtiva. Ele citou como uma reflexão importante como os principais players da tecnologia sobrepõem sua produção sobre a especulação.
Belluzzo salientou a “vastidão teórica” do livro. “Conheço poucos autores que fizeram esse empenho de reunir tantos autores economistas e cientistas sociais para tratar do tema”.
Para ele, essa crise não extinguiu seus efeitos, e de certa forma foi encoberta pela eclosão da pandemia. O livro também mostra que as crises “são diferentes umas das outras, mas são iguais na estrutura de eclosão, em geral”.
O economista citou como um texto fundamental e fundador, presente no último capítulo sobre capital a juros dos Grundrisse: “(A natureza particular do dinheiro evidencia-se de novo na separação dos negócios do dinheiro das relações mercantis propriamente ditas.) Vemos, portanto, como é imanente ao dinheiro realizar suas finalidades à medida que simultaneamente se empenha em negá-las; se autonomiza em relação às mercadorias; de meio, devir fim; realizar o valor de troca das mercadorias ao se separar dele; facilitar a troca ao cindi-la; superar as dificuldades da troca imediata de mercadorias ao generalizá-las; autonomizar a troca em relação aos produtores na mesma medida em que os produtores devêm dependentes da troca.“
Em sua opinião, este texto é importante para entender as relações entre a financeirização e a “economia real”. Ele lembra que a economia real é uma economia monetária, o valor está definido a partir do relatório de valor dos passivos e ativos acumulados pelas empresas. “É nisso que a economia financeira se baseia. Não é uma oposição entre financeirização e produção”.
“O Barroso nos oferece um empenho e uma aplicação impressionantes do ponto de vista da organização do livro e do tratamento não dogmático do esforço teórico que está fazendo”, elogia. Belluzzo destaca a crítica de tendências deterministas que fizeram parte de uma certa etapa do pensamento marxista, que se tornou uma “versão do positivismo, o que tirou vigor e capacidade de análise”. “Barroso resgata isso com uma qualidade e precisão e busca da verdade de apresentar essa trajetória do capitalismo como um movimento contraditório”.
“Fico sempre atormentado quando os marxistas abandonam a contradição, ou imaginam que a contradição é uma simples negatividade no marxismo”, lamenta ele. Para ele, a contradição é uma negatividade que se resolve numa outra positividade.
Ele aconselha um olhar para o que esse movimento recente, o neoliberalismo, produziu de transformação que o levam a uma outra etapa. Isso não vai ser resolvido automaticamente pela deterioração das relações econômicas dentro do capitalismo, diz ele, que são óbvias. “Não podemos descartar o fato de que no seu desenvolvimento recente, desde a década de 1970, ele acaba corroendo sua capacidade de crescer, da maneira que cresceu desde o pós-guerra”.
O capitalismo muda para ser sempre o mesmo na sua dinâmica, diz Belluzzo numa concepção marxista que vai ser lembrada por Barroso, também. O objetivo é a acumulação de riqueza abstrata e isso está submetido a esse propósito, como diz Marx. O alemão, para ele, é um grande teórico monetário, maior que Keynes ou Schumpeter, se aproximam da amplitude e do descortínio que o Marx tratou.
Belluzzo agradeceu o esforço de “juntar bem as coisas” e apresentar essa crise a partir de um ponto de vista que ele considero “o mais rico e o mais promissor”.
Barroso, por sua vez, comentou a sintonia com Renato Rabelo, ao lembrar sua descoberta do marxismo, a partir do sindicalismo bancário do pai, ainda no início do Golpe Militar. Sua prática médica foi breve, conforme entrou para a militância sindical e para o Partido, interessando-se pela estudo teórico e pela praxis política a partir de lideranças como o próprio Renato e João Amazonas, entre outros, com destaque para a simplicidade e dedicação militante da deputada Jô Moraes. “O Partido abre e dá sentido à vida intelectual”, afirma.
O médico e pesquisador publicou o livro numa parceria entre a Editora Anita Garibaldi, a Fundação Maurício Grabois e a Edufal, e tem como base a tese de doutorado do autor, defendida em 2019 no Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (IE-Unicamp). Ao texto original, Sérgio Barroso incorporou sugestões de professores de Economia como Alessandro Ortuso (Facamp), Renildo Souza (UFBA), Denis Maracci Gimenez (Unicamp), João Quartim de Moraes (Unicamp) e Luiz Gonzaga Belluzzo (Unicamp/Facamp). Mas também acrescentou uma seção especial sobre o “vendaval de 2020”, revelando os impactos econômicos da pandemia.
O economista mencionou os inúmeros professores da Unicamp que pesaram em sua formação, assim como ainda compõem, com suas obras críticas sobre a economia, a formação dos quadros do PCdoB. O humanismo que fundamenta as aulas e a formação acadêmica naquela universidade são marcas que ficam e transformam os economistas, numa oposição à esterilidade da formação ortodoxa. “A Unicamp é um celeiro dessa formação, em que a economia política continua sendo feita por meio do quarteto formado por Marx, Keynes, Schumpeter e Kalecki”, declara.
Ele relata que a leitura tardia dos Grundrisse e do livro três de O Capital, apenas dos anos 1950 pra frente, é algo que aparece muito avançado, já em meados dos anos 1970, na análise dos autores formados e formadores pela Unicamp, tais como Conceição Tavares, Gonzaga Belluzzo, José Carlos Braga, João Manoel, Frederico Mazzuchelli. São autores com obras que ele considera primorosas em estudo e compreensão ao tratar a questão da macroestrutura financeira, as multinacionais, o papel das estatais no sistema financeiro, ou mesmo a questão da liberdade e da democracia em Marx.
Barroso cita a introdução do livro três de O Capital, em que Marx e Engels escrevem: “As crises são sempre apenas soluções momentâneas violentas das contradições existentes, irrupções violentas que restabelecem momentaneamente o equilíbrio perturbado.”
Marx faz uma leitura das crises que não enrijece, na opinião de Barroso. Para ele, esta equaciona outras observações feitas sobre consumo, a base miserável dos trabalhadores, o problema do subconsumo, a questão da lei de tendência da queda da taxa de lucro. Esta visão, ele observa que já aparece em 1848 no Manifesto Comunista, a partir de uma percepção de que o capitalismo não tem como implodir.
As revoluções não derivariam de crises, como interpretam setores sectários de esquerda. Na Rússia, Lênin atribui à desestruturação e esfacelamento à guerra, assim como no Vietnã ela responde às ocupações e guerras, como também na Coreia e na China. Cuba, por sua vez, tem um processo revolucionário autóctone diferente em que o problema nacional estava presente, desde Martí.
Já concluindo, Barroso agradeceu o papel do PCdoB no apoio à este trabalho de formação e escrita, ressaltado como “uma honra, junto com as palavras generosas dos autores que prestigiaram o lançamento”.
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(Por Cezar Xavier)