Livro de imagens desvenda enigma da longevidade do Partido Comunista
Às vésperas da celebração do centenário do Partido Comunista do Brasil, fundado em 25 de março de 1922, será lançado um vasto painel das imagens que marcam a trajetória de lutas do partido, em meio ao tumultuado século de perseguições e conquistas: o livro Imagens da Centenária História de Lutas do Partido Comunista do Brasil, de 1922 a 2022
Nesta quinta-feira, dia 9 de dezembro, às 18h30, ocorrerá o lançamento do livro “Imagens da Centenária História de Lutas do Partido Comunista do Brasil, de 1922 a 2022″. Com a participação da presidenta nacional do PCdoB, a vice-governadora de Pernambuco, Luciana Santos.
O Partido Comunista do Brasil completa cem anos em 25 de março de 2022. Um centenário feito de muitas personalidades marcantes, heróis clandestinos, grandes conquistas, lutas encarniçadas, derrotas, acertos e erros e muitas imagens históricas. Não dá pra contar a história do Brasil sem falar dos comunistas.
A transmissão do lançamento ocorrerá no canal da TV Grabois no Youtube e na página do PCdoB65 no Facebook.
O livro é um lançamento da editora Anita Garibaldi e da Fundação Maurício Grabois, terá cerca de 600 páginas de imagens e será lançado inicialmente em formato digital gratuitamente para todos, em link do pcdob.org.br e grabois.org.br.
São cerca de duas mil imagens que resistiram aos sequestros ditatoriais, queimas pelos próprios militantes, por motivos de segurança, em 62 anos de clandestinidade e perseguição. Por isso, o livro continuará como uma obra aberta à eventual contribuição de militantes que possam oferecer imagens ainda não descobertas.
Para falar do processo de confecção desta vasta pesquisa iconográfica e histórica, foram entrevistados o historiador Fernando Garcia, que coordena o Centro de Documentação e Memória da Fundação Maurício Grabois, o CDM, e o secretário nacional de Comunicação do PCdoB, Adalberto Monteiro. Ambos coordenaram o projeto, que vem desde os 90 anos, em 2012, quando foi feita uma exposição iconográfica da trajetória comunista brasileira.
Para o jornalista Adalberto, o livro joga luz sobre o que ele chama de “o enigma da longevidade e contemporaneidade”, um partido centenário e jovem que não virou peça de museu, mas continua sendo relevante, sabendo se renovar a cada período do Brasil e do mundo. Se renova dialogando com a juventude e suas novas causas, assim como mantém a coluna vertebral de um programa de projeto nacional de desenvolvimento adaptado à realidade brasileira.
Eles contam curiosidades e apontam as preciosidades contidas na obra, que são relatadas na entrevista de cerca de uma hora de duração.
O poder das imagens
Nos trechos selecionados, Adalberto explica que a edição de livro iconográfico como parte das celebrações, foi pensada pela capacidade que as imagens, como linguagem, possibilitam de fazer sentir, raciocinar, emocionar, resultando no impulso para agir. “A imagem documenta, dá visibilidade. De 133 anos de República, infestada de governos autoritários e ditaduras, a luta dos comunistas ficou submergida por uma ação deliberada das classes dominantes. Por isso, nada melhor que as imagens para revelar ao grande público aquilo que as classes dominantes sempre tentaram ocultar ou distorcer da luta dos oprimidos”.
Períodos de clandestinidade e ausência de imagens torna o livro um acervo de imagens proibidas, silenciadas, escondidas. Houve algumas dificuldades intransponíveis, como a ausência sentida das imagens da 4a Conferência Nacional do Partido, em 1956. “São imagens de nove conferências, menos essa que tinha um tema específico, que era o trabalho feminino do Partido”, destaca Fernando. Ele relata que muitos arquivos foram perdidos, porque os militantes precisavam se desvencilhar, queimar, se desfazer, devido à clandestinidade, para não haver provas contra si, contra os camaradas, amigos e familiares. “A 2a. Conferência, conhecida como Conferência da Mantiqueira, foi um ponto alto do Partido que precisou ser ilustrada por uma gravura”, acrescenta ele.
Tem ainda o que foi sequestrado pela polícia e pelos aparatos de repressão da ditadura militar. É o caso da Chacina da Lapa, o assassinato e prisão de dirigentes, durante uma reunião em São Paulo, em 16 de dezembro de 1976, que foi fotografada pela polícia e não está disponível. “No finzinho da ditadura, nos ano 1980, a polícia estourou sucursais da Tribuna da Luta Operária, que implicou em perda de documentos. Os pedidos à Polícia Federal nunca foram respondidos. A própria falta de documentos diz muita coisa”, afirma o historiador.
Adalberto, por sua vez, salienta que, destes cem anos do partido, somente 38 anos foram na legalidade. Na República Velha, entre 1922 a 1930, foram sete meses e doze dias de legalidade. De 1930 a 1985, um ano, seis meses e dez dias de legalidade. Os demais 36 anos estão todos contidos no período de redemocratização entre 1985 até os dias atuais. “Mesmo em governos democráticos, o Partido Comunista seguiu na ilegalidade, como no governo Juscelino Kubitscheck. Apesar de tudo isso, imagens resistiram junto com o Partido, em arquivos pessoais e arquivos públicos”, declara Adalberto.
Segundo Fernando, muitas imagens foram resgatadas em viagens recentes, que revelam informações que nem dirigentes destacados do Partido conheciam. É o caso de imagens trazidas do exílio de dirigentes na Albânia ou ainda de um filme sobre uma viagem do comandante da guerrilha, o Osvaldão, à Checoslováquia. Algumas dessas imagens ampliaram a percepção sobre recortes que já eram conhecidos. Junto com isso, imagens do arquivo da Unesp, imagens do Arquivo Nacional e da Biblioteca Nacional, além de arquivos estaduais que reúnem muito material da Polícia, também contribuíram para o painel.
Revisitando a história
Conforme a pesquisa avançava, a história foi sendo revisitada. Adalberto relata uma curiosidade que só poderia ser revelada pelas imagens na passagem do tempo. De pelo menos quatro gerações de dirigente e militantes, ele conta que o livro joga luz sobre um personagem, Francisco Manuel Chaves, conhecido como o Preto Chaves, que comparece em imagens da Insurreição de 1935, na Conferência da Mantiqueira (1943) e depois na Guerrilha do Araguaia (início dos anos 1970), uma saga de quatro décadas.
Imagens conhecidas apenas de um pequeno círculo de dirigente e pesquisadores, chegam ao grande público, como o encontro de João Amazonas com Mao Tse Tung, ou Luiz Carlos Prestes entregando a carteirinha de filiação ao pintor Cândido Portinari e ao escritor Graciliano Ramos,
Para Fernando, as descobertas não chegam a mudar percepções históricas, mas ilustram o esforço do Partido, desde a iniciativa de João Amazonas em 1997 de resgatar a história partidária. O livro se insere num conjunto de produtos, que inclui seminários; o livro Em Defesa dos Trabalhadores e do Povo Brasileiro, com documentos; depois uma série panorâmica de artigos na revista Princípios, que se tornaram um livro; depois a instituição do Centro de Documentação e Memória (CDM); em 2012, foi elaborado o documento pelos 90 anos do Partido, com a organização da exposição iconográfica na Câmara dos Deputados; depois o livro Repressão e Direito à Resistência, com 53 entrevistas editadas nesse livro; e a digitalização das publicações do partido, desde o início de sua trajetória. “Faltava essa parte imagética que ilustrou todo esse trabalho do final dos anos 1990”, afirma.
O tempo da maturação da história também comparece no livro, conforme pontua Fernando. Há períodos pretéritos mais consolidados pela historiografia, inclusive de direita, enquanto os períodos recentes, como as manifestações de 2013, que são terrenos movediços que sofrem interpretações que vão perdendo a dimensão e importância com a passagem do tempo. “Essa diferença é nítida no livro, na compreensão do passado pretérito, mais consolidado, e do passado mais recente, que precisa de mais tempo para decantar”, diz.
Todas as gerações
O jornalista Adalberto, por sua vez, aponta como o texto mencionado, de 90 anos da história do Partido, apresenta uma nova síntese desta trajetória. “Pelas contingências da história do Partido e do movimento comunista brasileiro e internacional, é de domínio público que, em 1962, o Partido foi reorganizado em virtude de divergências teóricas, politicas e ideológicas sobre os rumos da revolução brasileira, e por conta de cismas e divisões, a partir do 20o. Congresso do Partido Comunista da União soviética, que levou ao surgimento do PCdoB e do PCB”, observa.
Ele destaca esse episódio para ressaltar que, até 2012, o PCdoB enaltecia muito a história a partir de 1962, o que mudou com a nova síntese, passando a valorizar a integralidade da história e do conjunto de gerações, o que transparece no livro de imagens. E o caso da valorização da trajetória de Luiz Carlos Prestes ou o papel de Astrojildo Pereira, para além de João Amazonas e Renato Rabelo.
Fernando considera que o diálogo entre o PCdoB e outras correntes é permanente no livro, desde que o partido tem a matriz anarquista em sua origem, diferente de outros partidos comunistas do mundo. De 1926 a 1929, Mario Pedrosa está presente na história do partido, tendo cindido para organizar a Liga Comunista, uma corrente trotskista. “O livro reflete um tronco dos comunistas fundado em 1922 no Brasil, e, desse tronco, nascem galhos que já não existem mais, e outros que tiveram continuidade, como o PCdoB”, resume o historiador.
Adalberto avalia que o legado que ficará desse livro é o modo como se entrelaçam a história do Partido Comunista com a história do país, se entremeando e se explicando mutuamente. O partido seria irrelevante se não houvesse essa intersecção inevitável, em que a trajetória da nação só se explica pela presença do Partido Comunista. O protagonismo das diversas gerações comunistas também é algo que emerge das páginas como um legado, de Astrojildo Pereira até a atual vice-governadora de Pernambuco e presidenta do Partido, Luciana Santos. “O Partido Comunista do Brasil, com ideias, lutas e realizações, ajudou a construir o Brasil com produção cultural, com lutas operárias e camponesas, com participação no Parlamento, na Constituinte de 1946 e de 1988, e na resistência ao governo de extrema-direita de Jair Bolsonaro”, resume o jornalista. Portanto, para ele, o principal legado é dar visibilidade a uma história sempre ocultado ou deturpada, servindo de ponto de apoio para inúmeras iniciativas, como filmes, exposições e estudos.
Adalberto conclui pontuando as contribuições de diversos colaboradores do projeto.
(Por Cezar Xavier)
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