Arthur Lira comanda distribuição

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), abriu, no segundo pavimento, sala com equipe destinada a atender pedidos de emendas para redutos eleitorais dos parlamentares, especialmente da base aliada do Planalto. O espaço é chefiado por assessora direta de Lira.

A “salinha do orçamento secreto” ocupa o número 135 da ala B do Anexo 2, também, conhecido como “corredor das comissões” entre parlamentares e assessores. É nesse prédio que funcionam colegiados como as comissões de Constituição e Justiça, Orçamento e Direitos Humanos, entre outras.

A rotina no novo espaço é agitada. Nas tardes de quarta-feira (29) e quinta-feira (30) foram registradas filas de pessoas que aguardavam para ser atendidas. Quinta-feira, o movimento frenético do espaço contrastava com o Congresso vazio.

Deputados e assessores corriam para liberar as verbas antes do prazo da Lei das Eleições, que determina que os empenhos (autorizações para os pagamentos das verbas) devem ser suspensos a partir deste sábado (2).

É consenso entre técnicos de órgãos de controle e especialistas em recursos públicos que o orçamento secreto, esquema revelado pelo Estadão, se constituiu numa modalidade de destinação de verbas sem critérios técnicos ou mesmo vínculos com políticas públicas. A liberação dos recursos não é igualitária entre parlamentares e prioriza apenas interesses eleitorais da base do governo. Sem transparência, o dinheiro escapa de fiscalizações.

Embora o “orçamento secreto” esteja normalizado no Congresso, a ponto de ter sala própria, a existência deste tipo de emenda está longe de ser unanimidade: tramita no STF (Supremo Tribunal Federal) ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 854, que questiona esse dispositivo completamente fora dos quadrantes republicanos.

O espaço físico evidencia o poder de Arthur Lira sobre a liberação deste tipo de verba, que soma R$ 16,5 bilhões em 2022. Formalmente destinadas pelo relator do Orçamento, deputado Hugo Legal (PSD-RJ), os recursos, na verdade, são alocados a partir de negociação entre Leal, Lira e os líderes partidários.

O guia de ramais da Câmara registra que há seis servidores da presidência da Casa despachando na “salinha do orçamento secreto”, descrita na publicação como “assessoria do presidente”. Uma delas é Mariângela Fialek, conhecida entre os deputados pelo apelido de Tuca e considerada espécie de “gerente” do “orçamento secreto”.

Servidora comissionada, Fialek já trabalhou com o ex-senador Romero Jucá (MDB-RR). No governo do ex-presidente Michel Temer (2016-2018), atuou na Secretaria de Governo da Presidência da República. Sob Jair Bolsonaro, Fialek trabalhou no Ministério do Desenvolvimento Regional, na gestão do ex-ministro Rogério Marinho, hoje pré-candidato ao Senado.

Ela chegou à Câmara em março de 2021, e desde então é considerada a pessoa chave para a gestão do “orçamento secreto” na Presidência da Casa. Vários dos ofícios de deputados e senadores mudando a destinação de verbas da rubrica são dirigidas à ela, e não ao relator-geral do Orçamento.

“Tem 20 pessoas na minha frente, inclusive 8 deputados”, dizia ao telefone a assessora parlamentar na quinta-feira – o deputado para quem ela trabalhava precisou trocar o município beneficiado por parte das emendas. Naquele momento, eram 7 assessores na fila em frente à porta da sala, e mais 5 sentados nas cadeiras na “recepção” da sala. Alguns deputados também foram diretamente ao local – eles têm prioridade em relação aos assessores.

O esforço dos parlamentares e assessores da Câmara é tentar liberar recursos antes deste sábado (2), quando encerra o prazo pela lei eleitoral.

Na tarde de quinta-feira, segundo a reportagem do Estadão, se encontrava na sala os deputados Ottaci Nascimento (Solidariedade-RR) e Nelho Bezerra (União-CE). “Na verdade é por causa do período eleitoral (a visita à sala 135). Estamos correndo para entrar na campanha com tudo resolvido”, disse Ottaci à reportagem, se justificando.

Em maio passado, ele foi declarado inelegível pela Justiça Eleitoral por distribuir cestas básicas antes da disputa pela prefeitura de Boa Vista. A defesa do deputado recorreu e alegou se tratar de ação humanitária, destinada a ajudar pessoas atingidas pela pandemia de covid-19.

Nelho Bezerra destinou as emendas para ações de cirurgias de catarata e compra de ambulâncias. Ele ressalta que os municípios da base eleitoral dele, no interior do Ceará, não contam com hospitais – por isso a opção pelas ambulâncias. As verbas, porém, vão seguir para o Estado sem levar em conta análises de áreas prioritárias ou da eficácia dos repasses. “Por que, pelo menos assim, as pessoas podem ser socorridas para receber atendimento”, afirmou ele.

Ao aprovar com ressalvas as contas de 2021 do governo de Jair Bolsonaro, os auditores do TCU (Tribunal de Contas da União) alertaram que as verbas para saúde, em especial, não atendem critérios “objetivos”. Os técnicos ainda identificaram repasses de verbas desproporcionais para redutos de lideranças como Arthur Lira e parlamentares que integram o grupo dele ou a base do governo – o Centrão.

A “salinha” começou a funcionar por volta de abril deste ano, mas o movimento se intensificou nos últimos dias. A liberação de recursos do “orçamento secreto” foi acelerada após a operação da Polícia Federal que prendeu o ex-ministro da Educação, Milton Ribeiro.

Ao longo do mês de junho, foram empenhados R$ 5,79 bilhões na rubrica, de acordo com os dados mais recentes disponíveis na plataforma Siga Brasil.

Só nos dias 23 e 24 de junho, que se seguiram à prisão do ex-ministro, foram empenhados R$ 3,2 bilhões das emendas de relator – mais que o total anterior deste ano (R$ 2,5 bilhões). Na última terça-feira (28), após reunir as assinaturas necessárias, a oposição protocolou, no Senado, o pedido de instalação da CPI do MEC.