Indígenas, parlamentares, representantes de movimentos sociais e renomados sertanistas pediram ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que devolva o Projeto de Lei 191/20, do governo, que autoriza a mineração e outras atividades em terras demarcadas.
O texto regulamenta a exploração de recursos minerais, como ouro e minério de ferro, e de hidrocarbonetos, como petróleo e gás natural, hídricos e orgânicos em reservas indígenas. De acordo com a Constituição Federal, essas atividades só podem ser realizadas em solo indígena com prévia autorização do Congresso Nacional, por meio de decreto legislativo, e mediante consulta às comunidades afetadas, as quais é assegurada a participação nos resultados.
Para o grupo, entre os quais Sydney Possuelo e Antenor Vaz, duas das maiores autoridades sobres povos isolados e de recente contato na Amazônia, o projeto pode gerar etnocídio contra povos isolados. A mobilização do grupo na Câmara aconteceu na noite da quarta-feira (12).
A deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), líder da Minoria na Câmara, protestou contra o projeto anti-indígena e o desmantelamento promovido pelo governo Bolsonaro na proteção às comunidade indígenas, principalmente na Funai. “A Funai foi tomada de assalto por pessoas que atendem aos interesses ruralistas”, disse Jandira.
A deputada Joênia Wapichana (Rede-RR) alertou sobre o perigo que representa para as comunidades indígenas tal projeto. “Hoje a situação dos povos indígenas está bastante vulnerável diante da violação dos seus direitos”, disse.
Segundo a deputada, o texto do projeto é inconstitucional. E questionou a capacidade do governo de fiscalizar e monitorar as atividades das grandes mineradoras, caso a autorização para mineração nas terras indígenas se concretize. Ela citou os recentes desastres relacionados à Vale.
“O Brasil sequer solucionou problemas relacionados aos grandes desastres que nós vimos, como Mariana, Brumadinho, e não teve nenhuma resposta para a sociedade sobre esses desastres, precisamos sanar as feridas”, alertou.
Indigenista, ex-presidente (1991 a 1993) da Fundação Nacional do Índio (Funai) e premiado internacionalmente pelo seu trabalho, Sidney Possuelo condenou as ações do governo Bolsonaro, afirmando que ele está desmantelando as proteções do Estado construídas ao longo de décadas desde o Marechal Rondon. “Não conheço na história republicana uma situação tão perigosa para os povos indígenas no Brasil. Este governo está desmontando tudo o que foi feito em 90 anos de proteção ao indígena”, afirmou Possuelo.
Para Possuelo e Antenor Vaz, a Funai foi transformada em um órgão dos interesses ruralistas e mineradores.
Desde que assumiu o governo, Bolsonaro tem feito declarações e tomado medidas hostis aos indígenas. A mais nova medida agressiva foi a nomeação na semana passada do missionário evangélico, Ricardo Lopes Dias, para dirigir o departamento de povos indígenas isolados e recente contato. A nomeação de Dias tem sido alvo de protestos de indígenas, parlamentares e entidades.
Ao assumir o governo, Bolsonaro tirou a demarcação de terras indígenas da Funai, ligada ao Ministério da Justiça, e passou para o Ministério da Agricultura, onde, atualmente, predominam os interesses dos ruralistas anti-indígenas.
O Congresso rejeitou a medida provisória (MP) sobre o assunto e ao tentar reeditá-la, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu a MP.
Em julho, ele declarou que estava catando investidores nos EUA para explorar minérios nas reservas indígenas.
“Terra riquíssima (reserva indígena Ianomâmi). Se junta com a Raposa Serra do Sol, é um absurdo o que temos de minerais ali. Estou procurando o ‘primeiro mundo’ para explorar essas áreas em parceria e agregando valor. Por isso, a minha aproximação com os Estados Unidos. Por isso, eu quero uma pessoa de confiança minha na embaixada dos EUA”, afirmou na ocasião em um evento.
Em janeiro, numa live, Bolsonaro tratou os indígenas como bichos e declarou que “com toda certeza, o índio mudou, tá evoluindo”. E que “cada vez mais o índio é um ser humano igual a nós”.
Na sexta-feira (14/02), Bolsonaro voltou a hostilizar as demarcações de terras índígenas. “Não demarcamos nos últimos 13 meses uma só terra indígena. Já temos 14% do território nacional demarcado como terra indígena. Criaram uma verdadeira indústria de demarcações”, disse, no Pará, ao participar da inauguração da obra de pavimentação de um trecho de 51 km da BR-163 que liga Mato Grosso aos portos de Mirituba (PA).
E voltou a defender seu projeto de mineração nas terras indígenas.