Multidão em protesto cerca sede presidencial no Sri Lanka

Grandes protestos na capital de Sri Lanka, Colombo, no sábado (9), forçaram o presidente Gotabaya Rajapaksa – depois de ter seu palácio ocupado e fugir – a anunciar que deixará o cargo na próxima quarta-feira (13).

Desde março as manifestações não cessavam na nação insular ao sul da Índia de 22 milhões de habitantes, exigindo que “Gota go home” e o fim da carestia e da escassez generalizada de alimentos, combustível e remédios, assim como dos apagões de três horas diárias e colapso da economia.

A cena viralizou no mundo inteiro: manifestantes no palácio presidencial amontoados na piscina e no gramado ou andando extasiados de um lado para o outro, após terem suplantado barreiras policiais e forçado a evacuação, às pressas, do odiado Gotabaya.

Também o primeiro-ministro Ranil Wickremesinghe, há apenas dois meses no cargo, passou a admitir a renúncia, depois de ter sua casa invadida e incendiada por uma multidão no sábado à noite e seu escritório de governo desinfetado.

Para a tomada do palácio, vieram pessoas de todas as partes do país – estudantes, trabalhadores, camponeses, aposentados. Pelo menos 33 manifestantes foram levados ao Hospital Nacional Colombo, incluindo duas pessoas em estado crítico, informou o portal de notícias Ada Derana. Tentativa do governo de decretar toque de recolher fracassou rotundamente.

Na segunda-feira, mais centenas de cingaleses se acotovelaram para usar os aparelhos de ginástica no ginásio privado do palácio presidencial e se espantaram com o luxo da estrutura da era colonial, quando o país era conhecido no Ocidente como ‘Ceilão’.

FMI no aguardo

A formação de um governo de unidade nacional foi pedida pelo presidente do parlamento, Mahinda Yapa Abeywardena, assim como a eleição de um presidente interino em “sete dias”. Há rumores de que ‘Gota’ está escondido em um navio da marinha ao largo.

Em maio, os protestos haviam levado à renúncia do então primeiro-ministro (e ex-presidente), seu irmão Mahinda Rajapaksa. Um mês depois, outro irmão do presidente, o ex-ministro das Finanças Basil Rajapaksa, anunciou sua renúncia de seu assento parlamentar.

No domingo (10), em comunicado desde a cúpula do G20 em Bali, o Fundo Monetário Internacional (FMI) declarou que estava esperando “uma resolução da situação atual que permita a retomada de nosso diálogo sobre um programa apoiado pelo FMI”.

Em maio, por absoluta falta de divisas, o Sri Lanka foi forçado a suspender o pagamento do serviço da dívida, e o governo estava em negociações com o FMI para um programa de arrocho, com o primeiro-ministro Wickremesinghe dizendo que o fechamento está mais difícil, dado que o país estava “falido”.

Segundo denuncia a oposição, o FMI está exigindo aumento de impostos, alargamento da base tributária, corte generalizado de gastos públicos e consequente impacto na educação, saúde e subsídios de preços, e mais privatizações.

Foi a dinastia Rajapaksa que comandou a vitória sobre a guerrilha tâmil em 2009, quando Marinda era presidente e com o irmão Gotabaya de ministro da Defesa. Quando completou o limite constitucional de dois mandatos, Marinda articulou

o irmão para a presidência, de quem se tornou primeiro-ministro, até ser apeado pelos protestos de maio, quando militantes do regime atacaram uma manifestação da oposição, causando 3 mortos e 150 feridos.

À Associated Press, um estudante afirmou que “a queda da residência presidencial nas mãos dos manifestantes e do público simboliza a queda da dinastia Rajapaksa”. “Se eles acham que podem voltar disso, é apenas um sonho. Eles arruinaram o país e não têm o direito de buscar votos das pessoas nunca mais.”

Note-se que até chegar ao atual colapso, o Sri Lanka vinha tendo o melhor PIB per capita entre as economias do sul da Ásia há décadas, com o ingresso de divisas em grande parte amparado no turismo (12% do PIB) e nas remessas (8-10% do PIB) da diáspora cingalesa, o que colapsou a partir da pandemia de Covid.

Medidas tomadas pelo governo Gotabaya para reduzir as importações, devido à carência de divisas – como o corte da importação de fertilizantes -, somadas ao corte de impostos durante a pandemia, ao serem impactadas pela alta do dólar e pelas sanções punitivas contra a Rússia, com o efeito colateral da alta do petróleo, deixaram a situação no limite.

A um ponto em que praticamente não havia divisas para importar gasolina, gás de cozinha, leite ou remédios. Os funcionários públicos passaram a ficar de folga às sextas-feiras, para economizar combustível e para que cultivassem suas próprias frutas e vegetais. O governo fechou as escolas e pediu aos funcionários que não trabalham em serviços essenciais que trabalhem em casa.

Tornaram-se comuns as cenas de pessoas amontoadas nos tetos de trens superlotados e as filas nos postos de gasolina. No início do mês, o governo suspendeu por duas semanas a venda de combustível para veículos particulares.

A proibição de fertilizantes químicos prejudicou as colheitas e levou à escassez de alimentos, mesmo tendo sido suspensa após seis meses. E, portanto, à alta dos preços. Pesquisa da Unicef revelou que 70% dos lares relataram em maio redução no consumo de alimentos. A taxa de inflação dos alimentos é de 57%, segundo dados oficiais, e 70% dos lares do Sri Lanka pesquisados pela UNICEF em maio relataram redução no consumo de alimentos.

Moratória

É dramática a situação das contas externas. A dívida externa é de US$ 51 bilhões, sendo que US$ 28 bilhões teriam de ser pagos até o final de 2027 – ou renegociados. O governo, que já suspendeu oficialmente os US$ 7 bilhões que teria de pagar este ano de serviço da dívida, avalia que precisará de pelo menos US$ 3 bilhões por ano adicionais para estancar a crise.

De acordo com o primeiro-ministro exonerado pelo levante, o BC cingalês prevê uma contração econômica de 4%-5% este ano. Já o FMI, de 6%-7%.

O PIB de Sri Lanka caiu para US$ 76,2 bilhões em 2021, abaixo dos US$ 94,4 bilhões em 2018 e não se recuperará ao nível em que estava em 2018 até 2026, disse Wickremesinghe. Índia e China têm ajudado o país nessa quadra difícil.

Uma semana antes do levante em Sri Lanka, em entrevista à agência de notícias Reuters, a diretora-gerente do FMI, Kristalina Georgieva, advertira sobre a urgência em alcançar o alívio da dívida para um número crescente de países altamente endividados, alertando que o fracasso em fazê-lo pode desencadear uma “espiral descendente” prejudicial.

Georgieva assinalou que quase um terço dos países de mercados emergentes e duas vezes essa proporção de países de baixa renda estão em dificuldades de dívida, com a situação piorando à medida que as economias avançadas aumentaram as taxas de juros (especialmente o Fed norte-americano).

As saídas de capital dos mercados emergentes continuam e quase um em cada três desses países agora tem taxas de juros de 10% ou mais, acrescentou a diretora-gerente, observando que mais países de renda média, estão buscando ajuda do FMI e outros provavelmente se seguirão.

Georgieva disse que é “crucial” impulsionar o Marco Comum para tratamentos da dívida, amplamente paralisado, que foi adotado pelo G20 e pelo Clube de Paris de credores oficiais em outubro de 2020, mas não conseguiu entregar um único resultado até agora.

“Este é um tópico sobre o qual não podemos ter complacência”, disse ela. “Se a confiança for corroída a ponto de haver uma espiral descendente, você não sabe onde isso terminaria”, disse a chefe do FMI. Ela disse ter conversado com o presidente indonésio Joko Widodo, que ocupa a presidência rotativa do G20 este ano, a quem pediu que pressionasse para que a cúpula do G20 de novembro se debruce sobre o problema.