Edifício-sede do Banco Central no Setor Bancário Norte, em lote doado pela Prefeitura de Brasília, em outubro de 1967

Economistas afirmaram nesta terça-feira (26) que a elevação da taxa básica de juros (Selic) não vai solucionar o problema da inflação no Brasil, que atingiu no governo Bolsonaro a maior taxa para o mês de março desde 1994: 1,62%. Em doze meses acumulados atingiu a marca de 11,3%.

“A inflação mundial advém de choque de oferta e não de demanda. Logo, elevar juros não tem impacto algum para arrefecer preços”, afirmou o economista e professor da UFRGS Fernando Ferrari Filho ao Valor Econômico. “No contexto atual, a alta tende a postergar a recuperação da economia brasileira, seja a demanda de consumo, seja o nível de investimento. E contribui para aumentar o déficit do governo”, observou, ao destacar que o mercado exige juros elevados, porque os rentistas têm ganhos financeiros. “Se, todavia, inserirmos no conjunto do mercado os setores industriais e de serviços, a maioria demanda juros baixos”, frisou.

Desde março de 2021, o Banco Central (BC) vem elevando a Selic com o fim de controlar a inflação, que encerrou o ano acima dos dois dígitos, com alta de 10,06%, o maior aumento desde 2015. E, neste ano, mesmo com a taxa Selic em 11,75% ao ano, a inflação continuou avançando. Em 12 meses, até março, o IPCA – indicador de inflação oficial do país – acumula alta de 11,30%.

O economista e professor do Departamento de Economia da UnB José Luis Oreiro também aponta como ineficaz o remédio adotado pelo BC para combater a inflação que é importada.

“Elevar a taxa de juros faz sentido quando a inflação é produzida dentro do Brasil e principalmente, por excesso de demanda”, explicou Oreiro, ao apontar que atualmente a inflação no Brasil está sendo produzida por fatores externos – ou seja – de fora do país. Ele cita, por exemplo, um diagnóstico recente de Christine Lagarde, presidente do BC europeu: “Essa é uma inflação gerada fora da Europa e o banco central nada pode fazer”.

Recessão

Oreiro disse, ainda, que, ao aumentar a taxa básica de juros, o BC está agravando o problema do desemprego sem resolver o problema da inflação.

 “O PIB está hoje abaixo do de 2013, com 11 milhões de desempregados, e elevar juros com esse quadro recessivo contraria a própria lei que criou a autonomia do BC, na qual se estabelece, mesmo de forma frouxa, que o BC tem de se preocupar com o nível de atividade e o emprego”, destacou.

“Já tivemos dois aumentos de juros neste ano, de 1,5 e de 1 ponto, e teremos mais um de 1 ponto em maio, totalizando 3,5 pontos. O remédio é inócuo, provoca recessão, transfere renda aos rentistas e aumenta o custo da dívida pública. Cada ponto percentual na Selic gera um gasto adicional para o Tesouro de R$ 30 bilhões em 12 meses. Então, só essas três elevações resultam em mais de R$ 100 bilhões num ano, muito mais que qualquer programa social do governo”, disse.

O professor do Departamento de Economia da UnB, deu duas sugestões para combater a atual inflação: 1) voltar a fazer estoques reguladores de alimentos, que eram usados para suavizar os aumentos dos alimentos e foram extintos nos governos Temer e Bolsonaro; 2) adotar imposto de exportação de commodities, para conter os preços de alimentos no mercado interno. “Os produtores estão ganhando rios de dinheiro enquanto o povo passa fome. Então, a política de juros é injusta e ineficiente”, declarou Oreiro.

Fim da política de estoques reguladores

A professora de economia da PUC-SP Rosa Maria Marques destaca que a política do BC “é um desastre do ponto de vista do combate à inflação e está promovendo o desmonte do que ainda resta da economia nacional. A retomada da inflação tem múltiplas causas e nenhuma delas aponta para uma pressão da demanda. São elas: problemas de oferta derivados do enfraquecimento de elos das cadeias produtivas mundiais e locais ocorridos durante a pandemia; primazia do interesse dos acionistas na determinação do preço interno dos combustíveis; abandono do uso do estoque regulador de produtos agrícolas alimentícios; e, mais recentemente, a guerra na Ucrânia”, citou Marques também ao Valor.

Adalmir Marquetti, professor da  PUC-RS, afirma que a elevação dos juros não vai resolver a inflação. Ele lembra que o BC elevou a Selic de 2% em março de 2021 para 11,75% em março de 2022. Nesse período, a inflação em 12 meses passou de 6,1% para 11,3%, o que comprovaria a incapacidade de a alta dos juros conter os preços. “A aceleração inflacionária decorreu de fatores de oferta, ligados à desorganização das cadeias de produção, às dificuldades de logística, ao fim da política de estoques reguladores, às questões climáticas e às políticas de preços dos combustíveis e de energia”, lembrou.

 “A redução da taxa de inflação passa pela reorganização das cadeias de produção e por políticas econômicas de oferta, como a reconstituição dos estoques reguladores e a alteração nas regras da política de preços da Petrobrás e da energia elétrica. As mudanças internacionais foram aceleradas com a Covid e a guerra na Ucrânia e podem significar um aumento da inflação mundial nos próximos anos. Portanto, as metas de inflação deveriam ser revistas para permitir afrouxar a política monetária”, defendeu Marquetti.